Maju é a moça do tempo que mudou o clima do Jornal Nacional

31 dezembro 2015 às 13h56

COMPARTILHAR
Maria Júlia Coutinho contribui para tornar menos formal o principal produto jornalístico da TV Globo e parece ter influenciado William Bonner

A TV Globo permanece dominante, apesar da queda da audiência — provocada mais pela diversificação da tevê por assinatura e pelo poder de atração da internet (o mundo pode ser visto e lido a partir de um celular) do que pela ascensão da TV Record. O padrão globo, criado por Walter Clark, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni) e Roberto Marinho, produziu uma programação de relativa qualidade, com produtos para satisfazer a média do público. Com a ascensão da tevê por assinatura, com seus múltiplos canais e nichos — com séries de qualidade (celebradas pelos intelectuais) baseadas em romances ou sobre história (Roma e Spartacus, por exemplo) e política (“House of Cards”) —, a Globo perde, cada vez mais, parte do público da classe média para cima. Uma das saídas, para não perder o público da classe média para baixo, é a popularização e, mesmo, o apelo ao popularesco. O “Domingão do Fausto” e as novelas, com ligeiras exceções, ganharam uma aura mais caricatural, com exacerbação da vulgaridade. O humor do “Zorra” é cada vez mais grosseiro e simplista — sem a relativa sutileza dos tempos de Chico Anysio e Jô Soares. Os criadores do programa produzem o humor e, junto, “dão” o riso pronto como bônus.
Há outra saída, que não sacrifica a qualidade: tornar algumas programas menos formais. William Bonner, melhor apresentador de telejornal da tevê brasileira — domina à perfeição a linguagem televisual, tanto com a fala, com a impostação precisa, quanto com a condensação exata de temas às vezes complexos —, era excessivamente prussiano, glacial. Ao adotar um padrão menos formal — até mais brasileiro, quem sabe —, o Jornal Nacional não perdeu qualidade. Pelo contrário, tornou-se mais acessível e, quiçá, divertido. É a prova de que se pode ser mais popular sem apelar para a grosseria e a vulgaridade.
Recentemente, Boni, um dos profissionais que mais entendem de televisão no país, criticou a informalidade do “Jornal Nacional”. Aos 80 anos, o mestre criticou até o fato de que os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcelos — agora, mais à vontade (tentou até matar um mosquito no ar, literalmente) — chamam a moça do tempo, Maria Júlia Coutinho, de Maju. Seria falta de profissionalismo.}
O problema não tem a ver com a informalidade e a falta de “profissionalismo” do “Jornal Nacional”. O problema é do craquíssimo Boni, que, homem de outro tempo — os tempos áureos da Globo, quando era quase uma Presidência da República —, não quer perceber que a Globo e o mundo mudaram. Os meios de comunicação do Grupo Globo — como a TV Globo, a Globo News e o jornal “O Globo” — não são mais as fontes quase únicas de informação dos brasileiros. As pessoas buscam se informar e se divertir em várias outras fontes — o que “atomizou” a audiência —, embora a Globo ainda seja tremendamente sólida. Manter o “Jornal Nacional” mais formal, mais secão, não resultará em mais audiência e respeitabilidade.

A inspiração para um “Jornal Nacional” menos formal, mais agradável, talvez tenha sido buscada no “Em Pauta”, da Globo News, apresentado pelo ótimo Sérgio Aguiar. Descontraído, de raciocínio rápido e preciso, comanda um programa com jornalistas de primeira linha, como Eliane Cantanhêde, Jorge Pontual (quase sempre brilhante, inclusive quando parece tímido e circunspecto), Elisabete Pacheco (que domina a arte de se apresentar e falar na tevê como poucos), Mara Luquet, Thaís Herédia, Gerson Camarotti, Guga Chacra, Sandra Coutinho (promovida para o “Jornal Nacional”). Antes, na Globo, quase todos copiavam o estilo de William Bonner; agora, por incrível que pareça, fica-se com a impressão de que o apresentador do “Jornal Nacional” inspirou-se, ligeira mas não integralmente, na jovialidade expressiva de Sérgio Aguiar. Ressalte-se que a qualidade do “Em Pauta” advém mais da qualidade de suas informações — Eliane Cantanhêde e Gerson Camarotti às vezes interpretam com certo brilho o que acontece em Brasília — do que de sua informalidade. Mas é esta que convida a assistir o programa — no fundo, um telejornal, digamos, com samba e bossa nova. Divertido, inteligente e malemolente.
Mas não dá para falar do “novo” (nada é novo) “Jornal Nacional” sem mencionar a moça do tempo, Maria Júlia Coutinho, a Maju, que mudou o “clima” da Globo. Mesmo se o tempo está ruim (ou bom, sabe-se lá), com notícias bombásticas sobre corrupção e prisões de poderosos ou catástrofes, quando William Bonner e Renata Vasconcelos acionam Maju, percebe-se que o ambiente melhora. Há quem diga que tem a ver com o fato de Maju ser bela de rosto e corpo — que as roupas realçam muito bem —, com uma alegria viva e sincera no olhar. Mas há outras mulheres belas e atraentes como Maju na Globo. Por que então a moça do tempo se tornou uma das estrelas do “Jornal Nacional”, quase ombreando-se com William Bonner e Renata Vasconcelos? Primeiro, pela competência com que apresenta as notícias do tempo, requalificando um tema chato, até modorrento, e aparentemente sem importância. Ela expõe com clareza, rigor e, também, extrema graça e simpatia. Segundo, mais do que a beleza, Maju tem um charme que é só dela. “It” — como se dizia nos tempos de… Assis Chateaubriand, Roberto Marinho e… Boni. O telespectador por certo concorda que Maju ficou maior do que a “moça do tempo”. Talvez seja convocada, entre 2016 e 2017, para a bancada de um dos telejornais da Globo.
Uma palavra sobre Heraldo Pereira. Repórter do primeiro time da Globo, tornou-se, por mérito, apresentador substituto no “Jornal Nacional”. É preciso, mas, seguindo o exemplo do editor-chefe, tornou-se uma cópia de William Bonner, em termos de formalidade. Mas, agora que o modelo está se tornando informal, chegou a hora de Heraldo Pereira se soltar um pouco mais. Porque, como todos sabem, não se trata de um leitor de teleprompter. Trata-se de um grande jornalista.
Um dos repórteres do “Jornal Nacional”, seguindo a mudança dos apresentadores, tem feito reportagens menos formais e agradáveis, com texto mais solto, o que não quer dizer menos denso.
O “Jornal Nacional” não é o suprassumo da qualidade, é verdade. Mas ainda é um dos produtos de qualidade média da tevê brasileira.