Lula quer transformar o Brasil num imensa Nicarágua? Papo furado de quem não conhece o petista

09 outubro 2022 às 00h20

COMPARTILHAR
O candidato do PT a presidente da República, Lula da Silva, é de esquerda — e mais próximo da socialdemocracia do que do socialismo. A socialdemocracia, dada a pauta social — aposta-se no mercado e em mais igualdade social —, é de esquerda. No Brasil, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) é apontado como de centro-esquerda, porque é moderado. Mas o petista não é e nunca foi comunista. O pernambucano de Garanhuns surgiu e cresceu no moderno sindicalismo paulista — que, no geral, era de esquerda. Só que o nordestino não foi “absorvido” nem pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) nem pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B).
Na sua trajetória, Lula da Silva se manteve distanciado dos comunistas. Criado na década de 1980, por indivíduos de esquerda — moderados e radicais —, o PT distanciou-se do PCB e do PC do B. Era praxe, na época, os comunistas tacharem o PT e Lula da Silva de “socialdemocratas” e “reformistas” (esta palavra também servia para o PC do B definir os membros do PCB). Por algum tempo, a esquerda petista e a esquerda comunista se mantiveram afastadas. Aos poucos, por uma questão tática e de sobrevivência, o PC do B se tornou aliado do PT.
Entre 2003 e 2010, Lula fez um governo que em nada prejudicou a expansão capitalista do país, mas acrescentou uma pauta social, contribuindo para reduzir a pobreza e para aumentar a inclusão social
A rigor, o PT nasce como “contradição” aos comunistas e ao PDT (socialdemocrata e nacionalista) de Leonel Brizola. Além da influência dos sindicalistas, como Lula da Silva, de intelectuais da USP e da Unicamp, os setores ditos progressistas da Igreja Católica tiveram um peso decisivo na fundação do partido. Mesmo os nichos apontados como progressistas da Igreja Católica não eram e não são comunistas. Pertencem a uma esquerda que propugna por igualdade social, mas não se arvora a defender ideias comunistas, como o domínio de um partido único.
Até 2002, quando já havia perdido três eleições consecutivas para presidente da República — uma para Fernando Collor e duas para Fernando Henrique Cardoso —, Lula da Silva parecia radical, quando, na verdade, não era. Seu radicalismo visava muito mais contemplar seus aliados mais à esquerda. Ele mesmo era um moderado da esquerda sindicalista (criada nos setores mais avançados do capitalismo tropical, em empresas multinacionais) e, por assim dizer, igrejeira.
Em 2002, ao adotar uma política realista e aderir ao Brasil real — que é (ou era) moderado —, Lula da Silva derrotou o candidato a presidente da socialdemocracia. Ao assumir, mexendo pouco na pauta do PSDB de Fernando Henrique Cardoso, fez um governo que em nada prejudicou a expansão capitalista do país, mas acrescentou uma pauta social, contribuindo para reduzir a pobreza e para aumentar a inclusão social (as cotas, como as raciais, foram e são importantes para incluir pessoas que foram historicamente abandonadas e ignoradas pelo Estado).
No governo, Lula da Silva não se comportou como socialista e não promoveu nenhum “ataque” ao capitalismo. Pelo contrário, serviu aos capitalistas, inclusive aos banqueiros, a face, digamos, mais selvagem (e, paradoxalmente, moderna do capitalismo. O investimento em “campeões nacionais”, como a JBS, exibiu a face realista do PT no governo.
Daniel Ortega comanda uma ditadura implacável na Nicarágua. Persegue adversários, censura a imprensa e ataca até a Igreja Católica. Merece críticas severas. Porém, no lugar de criticá-lo, Lula da Silva o defende ou, quando não o faz, se omite.
Porém, embora não seja comunista, e sim socialdemocrata — no máximo, socialista —, Lula da Silva é extremamente tolerante com os regimes radicais de esquerda. A comunista Cuba é uma ditadura cruenta, brutal, e, mesmo assim, o petista não lhe faz críticas contundentes. No máximo, retira uma casquinha. Os governos do PT fizeram negócios com o país de Raúl Castro, o irmão de Fidel Castro, que não foram benéficos para o Brasil.
Daniel Ortega comanda uma ditadura implacável na Nicarágua (país bem menor do que o Estado de Goiás). Persegue adversários, censura a imprensa e ataca até a Igreja Católica — ex-aliada. Merece, portanto, críticas severas. Porém, no lugar de criticá-lo, Lula da Silva o defende ou, quando não o faz, se omite.
Trata-se de um equívoco tremendo. Entretanto, associar Lula da Silva a Ortega é, do ponto de vista da honestidade intelectual e pessoal, correto, justo? É e não é. Parece uma resposta confusa, que precisa ser explicada.
A tolerância de Lula da Silva com Ortega significa “apoio”, quer dizer, indica que há uma conexão entre os dois políticos. Portanto, associar os dois não é incorreto.
Mas não é preciso quem sugere que Lula da Silva e Ortega são iguais ou que o petista vai implantar no Brasil um modelo similar ao da Nicarágua.
Ao contrário de Ortega, Lula da Silva, ainda que de esquerda, é democrata, não tem vocação para ditador. É provável que seu entusiasmo pela Nicarágua seja mais no sentido de que Ortega é anticapitalista (está cada vez mais parecido com Pol Pot) e não é de direita. Mas, afinal, o petista-chefe é anticapitalista? Não, de maneira alguma.
Ao contrário dos comunistas, que querem destruir o capitalismo, na esteira do que escreveu Lênin, o esquerdista Lula da Silva quer mudar o capitalismo para torná-lo menos desigual para a maioria das pessoas. Mas não pensa em destruí-lo.
Quem acredita que o petista é comunista e planeja acabar com o capitalismo entende de muitas coisas — menos do que são o PT e Lula da Silva. A socialdemocracia melhora o capitalismo, cria mais igualdade, como nos país nórdicos — Suécia, Dinamarca e Noruega —, mas não planeja, em nenhum momento, instalar um governo comunista, ou seja, um regime de partido único. A socialdemocracia, talvez seja possível sugerir, é mais uma reação (uma rejeição) ao comunismo do que ao capitalismo.

Porém, se Lula da Silva não quer instalar uma imensa Nicarágua no Brasil, e certamente não quer, equivoca-se ao pedir (sua coligação o fez) censura a publicações do jornal “Gazeta do Povo”. O ministro do TSE Paulo de Tarso Sanseverino, magistrado sério e equilibrado, determinou que o Twitter e o Facebook retirem de circulação 31 publicações do veículo de comunicação do Paraná a respeito do apoio do candidato petista a Ortega.
Pode até ser que a “Gazeta do Povo” exagere, o que é passível de processo judicial, ao “politizar” o debate. Porém, excluir suas publicações, é, de fato, censura. Portanto, o protesto da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e do Instituto Democracia e Liberdade (IDL) é correto. Trata-se de censura, insista-se. Porém, se associa Lula da Silva às aberrações de Ortega, o jornal está equivocado. Mas não erra ao apontar, se o faz, a omissão do petista em relação à ditadura da Nicarágua. É como se existissem ditaduras ruins e ditaduras boas. As “boas” são aquelas que “nós” apoiamos.
Retomando o início deste texto: Lula da Silva pode elogiar Ortega, mas é distinto do ditador nicaraguense. Até porque o Brasil e a Nicarágua são muito diferentes. No país de Machado de Assis e Juscelino Kubitschek não há nenhum ambiente para um golpe de esquerda — e o petista não quer isto (até porque seria “tentativa e queda”). Pode até ser que alguém no PT queira, mas não o ex-presidente, que é moderado — moderadíssimo —, em termos políticos.