O criador do Unibanco foi um agente público, de amplos méritos, nos governos de Getúlio Vargas, JK, Jânio Quadros e Tancredo Neves

Pare as máquinas, porque minha lista penelopiana de leituras, feita no final de 2018, “descarrilou” e está sendo refeita. Depois do livro sobre Maria Thereza Goulart (a mulher de Jango), que adquiri mas ainda não recebi, entrou na pauta, como emergência, a biografia “Walther Moreira Salles — O Banqueiro-Embaixador e a Construção do Brasil” (Companhia Editora Nacional, 448 páginas), de Luis Nassif. Devido à militância pró-petista, ainda que não seja filiado ao PT, e anti-tucana, Luis Nassif passou a ser execrado pela centro-direita. Mas não há como negar que se trata de um notável analista. E, para contar a vida de um homem que foi quase-tudo, e não só banqueiro, nada melhor do que um jornalista especializado em economia. Não li a obra, que está chegando às livrarias, mas conheço alguma coisa deste homem admirável, mais conhecido hoje por ser pai de Fernando Moreira Salles, escritor e ex-sócio da Editora Companhia das Letras, do banqueiro Pedro Moreira Salles, do diretor de cinema Walter Moreira Salles Jr. e de João Moreira Salles, documentarista e criador da revista “Piauí”.

Walther Moreira Salles com os quatro filhos: Pedro Moreira Salles (sentado), Walter Moreira Salles, João Moreira Salles e Fernando Moreira Salles | Foto: Arquivo da família

Walther Moreira Salles, mineiro de Pouso Alegre (MG), nasceu há 106 anos, em 28 de maio de 1912. Começou sua carreira no setor financeiro como sócio da Moreira Salles & Cia, na qual era gerente da seção bancária, em 1924. Formado na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em Sampa, optou por dirigir o Banco Moreira Salles.

Aos 36 anos, em 1948, assumiu a Carteira de Crédito Geral do Banco do Brasil. Em 1951, o ministro da Fazenda, Horácio Lafer, o indicou para o cargo de diretor-executivo da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc). As notícias que se tem do banqueiro são sucintas: era competente, agregador e decente. Em 1952, os Estados Unidos pressionaram o Brasil “para um alinhamento mais efetivo do Brasil ao seu programa militar”, informa o “Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930”, da Fundação Getúlio Vargas. Por isso, o banqueiro foi enviado como embaixador para Washington, naquele ano. Nos tempos da Guerra Fria, era importante ter nos EUA um representante que não fosse de esquerda. “Apaziguados” os ânimos, se isto era possível — o presidente Getúlio Vargas era bombardeado dia e noite pela direita política, representada por, entre outros, Carlos Lacerda —, Walther Moreira Salles voltou para o Brasil, em 1953, reassumiu a direção de “seus negócios bancários”.

Walther Moreira Salles era um culto e investiu em cultura, no Instituto Moreira Salles

Banqueiro modess
Com certa deselegância, o deputado federal Ranieri Mazzilli, como era chamado com frequência para resolver crises, passou à história como “presidente modess”. De certo modo, por sua diplomacia e capacidade de agregar e de reunir indivíduos de pensamentos divergentes, Walther Moreira Salles era, com todo o respeito que merece, o “banqueiro modess”. Era sempre chamado para resolver crises. Era de centro-direita, claro, mas se comportava como um político sem ideologia, daí agradando políticos de praticamente todas as ideologias (era tancrediano). O presidente Juscelino Kubitschek rompeu com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1959, mas logo convocou o banqueiro para assumir a embaixada em Washington. Era uma sinalização de que, para além do problema financeiro, não havia risco de rompimento político. Afinal, o Brasil, maior país da América Latina, era um aliado dos americanos no combate ao comunismo. A Revolução Cubana, iniciada em janeiro de 1959, era supostamente uma ameaça às democracias do continente. Não por Cuba em si, mas, o que seria adiante, pela aliança com a União Soviética de Nikita Kruchev. Com a encrenca “resolvida”, Walther Moreira Salles voltou ao Brasil, em 1960.

Walther Moreira Salles trafegou por vários governos, sempre com a imagem de homem decente e competente | Foto: Arquivo da família

Quando Jânio Quadros assumiu a Presidência da República — as forças ocultas ainda estavam bem “escondidas” nas garrafas de uísque —, Walther Moreira Salles foi convocado, mais uma vez, para melhorar as relações com o governo dos Estados Unidos.

Quando as forças ocultas saíram das garrafas de uísque, em agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou. João Goulart assumiu a Presidência, mas foi compelido a aceitar o Parlamentarismo. O primeiro-ministro Tancredo Neves, para contentar os Estados Unidos e, principalmente, para ter um homem responsável e competente ao seu lado, nomeou Walther Moreira Salles para o Ministério da Fazenda. Obviamente, era uma garantia de que o novo governo não pretendia cair numa aventura comunista (empresários patropis e americanos ficaram tranquilos). Há quem afirme que até comunistas “amavam” o “banqueiro do bem” — que era tão anticomunista quanto Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, mas nenhuma besta-fera da direita.

Walther Moreira Salles com o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues

Em 1964, Walther Moreira Salles voltou ao comando do banco da família. A partir de 1968, se tornou o comandante-em-chefe do banco, que, em 1975, ganhou o nome de Unibanco (mais tarde, sob a batuta de um filho, fundiu-se ao Itaú). A partir de 1991, assumiu a presidência de honra do Conselho de Administração do Unibanco e passou a dirigir o Instituto Moreira Salles. Ele morreu em fevereiro de 2001, aos 88 anos.

As informações deste texto, baseadas no “Dicionário Histórico-Biográfico” da FGV, são “burocráticas” e “frias”. Luis Nassif — insisto, um jornalista brilhante (seus apoios políticos são outras histórias) — certamente, em mais de 440 páginas, conta a vida do banqueiro que fez quase-tudo na República, ajudando a resolver crises econômicas, financeiras e políticas, com sua rara capacidade para o diálogo-diplomacia, de maneira ampla. Afinal, registrar a vida de Walther Moreira Salles — com suas contradições e complexidades — é resgatar a história do século 20 tanto no Brasil quanto no mundo.