Josef Mengele, o Anjo da Morte de Auschwitz, nasceu na Alemanha, em 1911, e morreu afogado (teve um AVC enquanto nadava) em Bertioga, no Brasil, em 1979, aos 67 anos. Foi um dos assassinos de um dos mais letais campos de extermínio dos nazistas de Adolf Hitler. Se quisesse, a pessoa vivia. Se quisesse, a pessoa seria assassinada. Ele “selecionava” homens, mulheres e crianças (de preferência gêmeos e anões): escalava-os para morrer ou sofrer mais durante algum tempo. Entretanto, aquele que vivia era submetido aos horrores de seus experimentos ditos médicos com judeus e ciganos — que, de científicos, nada tinham. Eram produto da barbárie entronizada nos campos de concentração e extermínio da Polônia por Hitler, o poderoso chefão, e, entre outros, Heinrich Himmler.

Quatro livros para entender Josef Mengele, o Anjo da Morte de Auschwitz | Fotos: Jornal Opção

Terminada a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Mengele escapou para a América do Sul, tendo morado na Argentina (onde foi sócio de uma companhia farmacêutica; chegou ao país de Perón em 1949), no Paraguai (para onde fugiu em 1959 e viveu sob a proteção do ditador Alfredo Stroessner) e no Brasil. Sua saga é contada em vários livros. Destaco três publicados no Brasil: “Mengele — A História Completa do Anjo da Morte de Auschwitz” (Cultrix, 392 páginas, tradução de Mario Molina), de Gerald L. Posner e John Ware; “O Desaparecimento de Josef Mengele” (Intrínseca, 224 páginas, tradução de André Telles), de Olivier Guez; e “Mengele — O Último Nazista” (Planeta do Brasil, 293 páginas, tradução de Sandra Martha Dolinsky), de Gerald Astor. Tais obras são sínteses categorizadas sobre o Demônio da Morte de Auschwitz (“a capital do Holocausto”, segundo o historiador Peter Hayes), um nazista convicto. A biografia mais relevante é “Mengele — Unmasking the ‘Angel of Death’” (Norton, 437 páginas), de David G. Marwell. Não há edição brasileira.

Porém falta(va) um livro detalhado sobre como Mengele conseguiu viver quase 20 no Brasil, incógnito, sem ser incomodado por policiais, governo, Mossad e caçadores de nazistas, como Beate Klarsfeld, Serge Klarsfeld e Simon Wiesenthal. No livro “Memorias” (Edhasa, 718 páginas, tradução de Agustina Blanco), o casal Klarsfeld (sobretudo Beate) conta que buscou informações sobre o criminoso no Paraguai e na Argentina (“onde” viveu “com seu próprio nome”). Na biografia “Simon Wiesenthal — O Maior Caça-Nazis da História” (Matéria-Prima Edições, 441 páginas, tradução de Marta Amaral), o historiador e jornalista israelense Tom Segev sugere que, com um pouco mais de empenho, Mengele poderia ter sido encontrado. O Mossad demorou, cometeu falhas, mas conseguiu capturar Eichmann, na Argentina, em 1960. O nazista foi condenado e enforcado em Israel, em 1962. Em 1962, agentes israelenses chegaram a localizar Mengele em São Paulo, mas a operação não foi levada adiante porque havia dúvidas sobre as informações.

Betina Anton: jornalista que investigou a longa estadia do nazista Josef Mengele no Brasil | Foto: Reprodução

O fato é que parte da colônia alemã escondeu e protegeu Mengele no Brasil. Por isso, não foi encontrado pelo Mossad e pelos caçadores de nazistas.

A repórter Betina Anton, editora de Internacional do jornal “O Globo”, decidiu investigar uma história que parecia relativamente estabelecida. Acabou descobrindo uma rede de proteção a Mengele que ainda não havia sido descrita de maneira ampla. A história — ou histórias — será relatada no livro “Baviera Tropical”, que sairá pela Editora Todavia, em novembro deste ano.

Há uma entrevista de Betina Anton, muito boa, no site da agência literária VB & M (Luciana Villas-Boas e Moss). A repórter investiga a presença de Mengele no Brasil há mais de cinco anos.

Criança, na pré-escola, em 1985, Betina Anton percebeu que, de repente, sua professora havia desaparecido. O colégio não apresentou nenhuma explicação para o sumiço da mestra. Mais tarde, a jornalista descobriu o que havia ocorrido: a austríaca Liselotte Bossert (mulher do nazista Wolfram Bossert) fora afastada porque dera proteção ao nazista Josef Mengele, um dos carrascos de Auschwitz. Ela foi processada por falsidade ideológica.

Adolf Eichmann: Mengele não tinha apreço pelo nazista capturado pelo Mossad | Foto: jewishcurrents.org

Betina Anton sublinha que Mengele tinha “mais medo da solidão do que dos caçadores de nazistas”. Decidiu envelhecer no Brasil porque, tendo vivido quase 20 anos no país, sem se sentir incomodado, se considerava seguro, protegido.

“É difícil entender como um assunto de importância mundial que ocorreu no Brasil pôde ficar tantos anos sem ser investigado e escrito por um autor brasileiro. É uma história que estava pedindo para ser contada. Em primeiro lugar, acho que tenho a visão de dentro da história neste caso, por ser brasileira e, principalmente, por fazer parte da comunidade alemã de São Paulo. Sei, por experiência própria, como é viver nesta Baviera Tropical, uma bolha germânica que existe no Brasil. (…) Então, entendi como Mengele conseguiu manter a conexão com a Alemanha, mesmo estando num aparente fim de mundo, como Eldorado. Ele tinha acesso a uma livraria alemã em São Paulo”. Assim, ele “podia continuar lendo na língua materna e ele lia muito”, assinala Betina Anton.

Franz Stangl: Mengele não quis ajudar o nazista da Alemanha | Foto: Reprodução

A jornalista diz que Mengele havia sido escrutinado por jornalistas e historiadores estrangeiros. “Falta alguém contar como tinha sido a reação no Brasil ao se descobrir que Mengele passou quase 20 anos no país e morreu em Bertioga, uma praia hoje tão conhecida” pelos paulistas “e que, naquela época [1979], era uma point de europeus no verão. Outro ponto importante é que tive acesso a documentos das autoridades brasileiras, que são inéditos e pouco acessíveis para os pesquisadores estrangeiros”, anota Betina Anton.

A repórter frisa que consultou “documentos inéditos, como o inquérito policial do caso, o dossiê da Polícia Federal e o processo contra Liselotte (que foi minha professora). Fiz muitas entrevistas no Brasil, nos Estados Unidos, na Alemanha e em Israel. Descobri fatos nunca revelados sobre a operação montada pelo Mossad, o serviço secreto israelense, para sequestrar Mengele no Brasil. (…) A cereja do bolo desse livro são as dezenas de cartas que encontrei no Museu da Polícia Federal em Brasília. É um material riquíssimo que dá um panorama inédito sobre o estado mental de Mengele nos seus últimos anos de vida”.

Crânio do médico nazista alemão Josef Mengele, que foi enterrado num cemitério de Embu, com nome falso | Fotos: Reproduções

Betina Anton relata que Mengele conseguiu viver no Brasil, de maneira confortável, por alguns motivos. “Mengele contou com a ajuda financeira de sua família, o que foi um fator fundamental. Mas quem realmente o protegeu foi um pequeno e fiel grupo de europeus expatriados que estavam dispostos a ajudá-lo até o fim. A ponto de a austríaca Liselotte ter enterrado o amigo com nome falso para ninguém descobrir que ele tinha morrido. É realmente impressionante a fidelidade desse grupo”.

Nos documentos que pesquisou, Betina Anton descobriu que “um dos amigos de Mengele quis ajudar outro nazista, Franz Stangl, comandante dos campos de extermínio de Treblinka e Sobibór, e que também estava escondido no Brasil. Mengele não deixou porque ficou com medo de que isso pudesse aumentar sua própria exposição. Mengele recebeu muito apoio de europeus em São Paulo, porém, não estava disposto a fazer o mesmo por outros nazistas”.

Betina Anton pontua que “foi muito sofrido ler e ouvir o relato das vítimas de Mengele. Algumas cenas não me saem da cabeça, como quando ele decidiu enfaixar o peito de uma mãe para descobrir quanto tempo um bebê conseguiria sobreviver sem leite”.

Folha de S. Paulo revelou história em 2004

As repórteres Andréa Michael e Ana Flor, na matéria “Os arquivos secretos do Anjo da Morte”, de 21 de novembro de 2004, examinaram os arquivos da Polícia Federal e revelaram que o assassino de Auschwitz “jamais se arrependeu de seus crimes”.

Trecho da reportagem

“Um conjunto de 85 documentos em alemão e um texto manuscrito em português, esquecidos na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo, revela momentos da vida do médico alemão nazista Josef Mengele, um dos criminosos de guerra mais procurados da história, que morreu afogado em Bertioga, litoral de São Paulo, em 1979.

“Nas cartas, fragmentos de anotações de um diário e diversos escritos, aos quais a ‘Folha’ teve acesso na íntegra e com exclusividade, em nenhum momento Mengele expressa arrependimento pelas mortes de pelo menos 400.000 judeus que lhe são imputadas. [Numa carta ao filho, Rolf, escreveu: “Não me sinto minimamente compelido a me justificar ou me desculpar”.]

“Em janeiro de 1976, Mengele registra em seu diário (um conjunto de 13 folhas de papel pautado, com manuscritos em caneta azul e preta) que está lendo as memórias de Albert Speer (1905-1981), o arquiteto de Adolf Hitler. Ao relatar que Speer mostrou-se arrependido e reconheceu erros, Mengele afirma: ‘[Ele] se diminui, mostra arrependimento, o que é lamentável’.”