Livro revela que Trump deu dinheiro pra campanha de Kamala Harris à Procuradoria-Geral de Justiça
29 setembro 2024 às 00h00
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Biografias de pessoas vivas e ainda ativas datam-se assim que são lançadas. É o caso de “Kamala Harris — A Vida da Primeira Mulher Vice-Presidente dos Estados Unidos” ( Agir, 318 páginas, tradução de Adalgisa Campos da Silva e Maria Luiza X. A. Borges), do jornalista Dan Morain. O prefácio é de Flávia Oliveira, comentarista do “Em Pauta” e do “Estúdio I”, da Globo News.
Desde a publicação do livro, Kamala (pronuncia-se “Câmla”) Harris se tornou candidata a presidente dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, com o apoio decidido dos ex-presidentes Barack Obama, Bill Clinton e, quem sabe relutante, do presidente Joe Biden.
A rigor, Joe Biden apoia Kamala Harris, sua vice-presidente. Mas o político de 81 anos costuma dizer que, se fosse candidato, derrotaria o ex-presidente Donald Trump. Não é o que as pesquisas diziam. O democrata está senil? Não se sabe, apesar de, eventualmente, parecer desmemoriado. Não faz um governo ruim e sua atuação global tem sido realista e ponderada.
Candidata a presidente, Kamala Harris está empolgando os eleitores — tanto que aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Porém, como tem alertado o jornalista Jorge Pontual, da GloboNews, a história nos colégios eleitorais pode ser outra. Quer dizer, Donald Trump tem chance de vencê-la.
Quem é melhor para os Estados Unidos e para a democracia global? Não há dúvida: Kamala Harris, com seu 1,57m de altura e muito talento político. Por sua moderação e, sobretudo, espírito democrático. Se vencer, tende a reduzir a força extremista do trumpismo. O Partido Republicano continuará, obviamente, mas terá de se reinventar, sem o direitista de cabelos e pele acenourados.
Donald Trump diz que, se perder para Kamala Harris, não será candidato daqui a quatro anos. Noutras palavras, não terá mais força política. Então, uma vitória da democrata poderá contribuir para uma, quem sabe, moderação futura do Partido Republicano. Hoje, políticos e eleitores de centro assustam-se, com razão, com o vezo golpista do grupo de Donald Trump e, por isso, afastam-se dos republicanos.
Mãe é a figura que inspira Kamala Harris
Kamala Harris, de 59 anos, é filha da indiana Shyamala Gopalon (falecida em 2009) e do jamaicano Donald Jasper Harris, de 85 anos. Se eleita, será a primeira mulher, a primeira negra e a primeira descendente de indianos a presidir o país mais rico do mundo. Será, portanto, uma representante dos multifacetados Estados Unidos — um país que reúne pessoas oriundas de várias outras nações. A democrata talvez seja a política adequada para governar um país que, a rigor, são países… e de (quase) todos os povos. A democrata mantém aberta e, de certo modo, acolhedora a terra de Joyce Carol Oates e Amanda Gorman. Trump quer fechá-la.
O livro de Dan Morain não é ruim, mas não é uma biografia exaustiva e é lacunar, por exemplo, sobre a formação cultural de Kamala Harris. A vice-presidente leu Alexis de Tocqueville e Hannah Arendt? Aprecia a história de Abraham Lincoln e Franklin Delano Roosevelt? Não ficamos sabendo.
No campo do Direito e da Filosofia, quais autores formaram a advogada, promotora de justiça e a procuradora-geral da Califórnia? Não ficamos sabendo. Quais políticos globais são admirados pela ex-senadora? O leitor não é informado.
A notável escritora americana Toni Morrison é citada en passant. A vice-presidente parece ler sua obra, mas não se menciona o nome de nenhum de seus romances poderosos, como “A Canção de Solomon” e “Amada”. Aprecia a música de Bob Marley e hip hop. Convencida pelo auxiliar Tyrone Gayle (morreu de câncer e a política, que adora os amigos, ficou arrasada), ouviu Boyz II Men. Gosta de basquete, de dançar e de gastronomia.
Entretanto, para o leitor brasileiro, em termos de leitura na Língua Portuguesa, é o que se tem sobre Kamala Harris. Além de suas memórias “precoces” da política — ”As Verdades Que Nos Movem” (Intrínseca, 352 páginas, tradução de Ana Rodrigues, Cássia Zanon, Maria de Fátima Oliveira de Coutto e Regiane Winarski).
Kamala Devi Harris (“Devi é a deusa mãe hindu”) nasceu na cidade de Oakland (tem menos habitantes do que Aparecida de Goiânia), na Califórnia, em 20 de outubro de 1964. O indefectível Donald Trump não poderá dizer que nasceu na Índia ou na Jamaica. Ela é made in Estados Unidos. A mãe, Shyamala Gopalan (cientista gabaritada de “pouco mais de um metro e meio de altura”), nasceu na Índia e o pai, Donald Harris, na Jamaica (seu prenome é o mesmo de Trump).
Shyamala Gopalan é a grande figura inspiradora de Kamala Harris. A vice-presidente aprecia citá-la: “Você pode ser a primeira a fazer muitas coisas, mas jamais deixe para ser a última”.
“Ela [Shyamala Gopalan] ensinou à minha irmã Maya [Lakshmi] e a mim a importância do trabalho duro e a acreditar em nossa capacidade de endireitar o que estiver errado”, orgulha-se Kamala Harris.
Cientista, Shyamala Gopalan, doutora em nutrição e endocrinologia, se tornou conhecida por uma pesquisa sobre o câncer de mama. Sua família era composta de ativistas políticos. Ela conheceu o economista marxista Donald Jasper Harris em 1962, em Berkeley. Apaixonaram-se e se casaram em 1963. Ele foi professor na prestigiosa Universidade Stanford. Na década de 1990, deu aulas na Universidade de Brasília (UnB), informação que não consta na biografia.
O casamento entre Shyamala Gopalan e Donald Harris acabou em 1969. Mulher independente, a mãe ficou com a guarda das filhas, então com 5 e 3 anos.
“Meu pai é um bom sujeito, mas não somos muito próximos”, disse Kamala Harris, numa entrevista de 2003.
Mulher culta e atenta à política e à cultura dos Estados Unidos, Shyamala Gopalan “compreendeu que ‘estava criando duas filhas negras’”, relata Kamala Harris na sua autobiografia. Ela levava as filhas ao Rainbow Sign, um centro cultural negro em Berkeley. Iam lá Shirley Chisholm, primeira candidata negra à Presidência dos Estados Unidos, a cantora Nina Simone e a poeta Maya Angelou.
Durante um período, a mãe havia sido contratada para dar aulas na Universidade McGill, em Montreal, no Canadá, em 1976, as filhas a acompanharam. Kamala Harris estudou em escolas de línguas francesa e inglesa.
Certa feita, percebendo que uma colega, Wanda Kagan, andava triste, porque estava sendo abusada, Kamala Harris levou-a para morar com sua família. Depois da mãe, a irmã Maya Harris se tornou, e é até hoje, “a maior confidente de Kamala Harris”.
Promotora de Justiça na Califórnia
Kamala Harris poderia ter estudado noutra universidade, mas optou pela Universidade Howard, “uma instituição historicamente negra em Washington”. Formou-se em Ciências Políticas e Economia, em 1986. Mas seu objetivo era se tornar advogada e promotora de justiça.
Estudante em Howard, Kamala Harris conseguiu estagiar no gabinete do senador federal Alan Cranston. Em 1987, decidiu estudar Direito na Hastings College of the Law da Universidade da Califórnia, em São Francisco.
Iniciando uma militância política, Kamala Harris se tornou presidente da Associação dos Estudantes de Direito Negros da Hastings. Não era vista como uma aluna brilhante, mas era uma atenta observadora das cousas à sua volta. “Não se graduou summa cum laude, magna cum laude nem cum laude”, relata o biógrafo.
No exame da Ordem dos Advogados da Califórnia, Kamala Harris só foi aprovada na segunda tentativa. Em 1990, se tornou promotora de justiça adjunta. Mais tarde, explicou porque se tornou promotora: “Eu sabia que, em nossa sociedade, os alvos dos predadores são quase sempre as pessoas vulneráveis e sem voz”.
Como promotora, Kamala Harris começou a se destacar na sociedade, sempre preocupada em defender os deserdados de (quase) tudo. Era, a um só tempo, rigorosa na aplicação das leis e compassiva com os indivíduos do andar de baixo.
Em 1994, a vida de Kamala Harris cruzou com a do político e advogado negro Willie Lewis Brown Jr., que se tornou presidente da Assembleia Legislativa da Califórnia. Era um homem poderoso, elegante e charmoso.
Willie Brown, mais velho 30 anos, e Kamala Harris se tornaram namorados. Willie Brown comemorou seus 60 anos na mansão do bilionário Ron Burkle. A cantora e atriz Barbra Streisand compareceu. O ator e diretor de cinema Clint Eastwood derramou champanhe na namorada do deputado, o que foi anunciado na imprensa.
Kamala Harris ganhou uma BMW de Willie Brown, circularam por Paris e ela compareceu a uma cerimônia do Oscar ao lado do político.
O empresário Donald Trump planejava construir um hotel em Los Angeles e “enviou um jato a Boston para transportar Brown e seus amigos, incluindo Harris, para Nova York”.
Em 1994, licenciando-se do cargo de promotora, Kamala Harris assumiu uma vaga no Conselho estadual que verificava “os recursos de pessoas a quem se negavam benefícios voltados para os desempregados. Depois passou a supervisionar, noutro conselho, “contratos do programa de assistência médica Medi-Cal”. Ficou no cargo até 1998.
Quando Willie Brown foi eleito prefeito de São Francisco, a imprensa noticiou que Kamala Harris seria a primeira-dama. Na verdade, o gestor municipal não havia se divorciado de sua mulher, Blanche, e o casamento foi retomado. O namoro com a promotora acabou.
Em 1995, Kamala Harris retomou o cargo de promotora no Condado de Alameda. “Ela era muito inteligente e encantadora. Os jurados gostavam dela. Tínhamos 150 promotores. Ela era um dos muito bons”, disse o advogado Ton Orloff.
A promotora “se ocupava da acusação em ações penais contra pessoas processadas por crimes”. Quando um homem arrancou parte do couro cabeludo de uma mulher, usando uma faca, Kamala Harris o denunciou. O criminoso foi condenado à prisão perpétua.
Em 1998, Kamala Harris trocou o Condado de Alameda “para trabalhar na agitada política da justiça criminal de São Francisco”.
Em São Francisco, ficou conhecida como uma promotora de justiça que trabalhava mais do que os demais, o que agradava seus chefes, Richard Iglehart e Terence Hallinan. Por isso, foi promovida a assistente-chefe da divisão de criminosos profissionais.
Em seguida, a promotora assumiu a chefia da seção de Serviços da Família e da Infância. A promotora municipal Louise Renne disse que ela “tinha coração e compaixão”.
Kamala Harris começou a aparecer nas colunas dos jornais. Ao se promover, a promotora já estava pensando em disputar um posto eletivo. Participava de eventos “para arrecadar dinheiro para programas de violência contra as mulheres”.
Os democratas arrecadam muito dinheiro para suas campanhas em São Francisco (e na Califórnia em geral). Em 2000, Kamala Harris passou a fazer parte do conselho da WomenCount (cuja meta era aumentar a votação em mulheres). Dois anos depois, começou a apoiar a Emerge Califórnia, “uma espécie de campo de treino para mulheres que querem aprender a concorrer a cargos eletivos”.
Quando decidiu que seria candidata a promotora de justiça do Ministério Público de São Francisco, Kamala Harris pediu ajuda à organizadora política Andrea Dew Steele.
Ao ouvir Kamala Harris com atenção, o executivo Mark Buell, um homem rico, lhe disse: “Não vou só participar de seu comitê financeiro, vou presidi-lo”.
Citado por Dan Morain, Mark Buel percebeu que, “quando falava com alguém, [Kamala Harris] fazia contato visual, sem ficar olhando em volta da sala à procura da figura mais importante. Ela fazia todos com quem falava se sentirem a pessoa mais importante no local”. O empresário percebeu que a promotora tinha tino político e por isso arrecadou mais de 1 milhão de dólares para sua campanha. As pessoas acreditavam na seriedade e empenho da defensora da justiça.
Na campanha, Kamala Harris “prometeu aumentar o número de ações penais por violência doméstica e proteger crianças que eram traficadas”. Numa entrevista, falou que admirava a deusa hindu Kali, “uma guerreira mitológica que protege os inocentes arrasando o mal”.
Em São Francisco, candidatos de esquerda se dão bem e candidatos à direita se dão mal. Kamala Harris optou, digamos assim, pelo centro, ou melhor, pela centro-esquerda. Acabou vencendo o experimentado Terence Hallinan, em 2003.
Na campanha, Kamala Harris disse aos eleitores que, “por mais que fosse hediondo o crime”, não pediria a pena de morte. Um dos motivos de a promotora ter se tornado confiável e admirada foi o fato de que, quando firmava uma posição, não recuava, nem que fosse para obter ganhos políticos.
Em 2004, ao ser abordado, David Lee Hill, de 21 anos, matou o policial Isaac Espinoza.
Aqueles que matam policiais podem, na Califórnia, ser condenados à pena de morte. Mas Kamala Harris não pediu a pena de morte para David Lee Hill, o que deixou a polícia de São Francisco contrariada. A promotora disse: “Não se abrem exceções a questões de princípio”. O assassino do policial foi condenado à prisão perpétua — “sem direito a liberdade condicional”.
A promotora dizia que não se tratava de ser “dura” ou “mole” com o crime, e sim “esperta com o crime”.
Preocupada com questões sociais, Kamala Harris “instituiu um programa com o objetivo de desviar criminosos primários não violentos de uma vida de crime retirando acusações se eles se inscrevessem para receber capacitação profissional no que ela chamava de programa de Volta ao Bom Caminho”.
Percebendo que era preciso articular com legisladores, Kamala Harris operou pela aprovação de leis que aumentassem as penas por exploração sexual de crianças. “As crianças que eram compradas e vendidas não mais se denominariam prostitutas. Deveriam ser chamadas pelo que eram: exploradas e vítimas”, anota o biógrafo. Então governador, Arnold Schwarzenegger sancionou a lei.
Para conter a evasão escolar, Kamala Harris “e um juiz criaram um tribunal de absenteísmo escolar em São Francisco”. Se os alunos faltassem às aulas, os pais teriam de pagar multa (2 mil dólares) e poderiam até serem presos (um ano de cadeia). Caiu o absenteísmo.
“Há uma relação muito direta entre segurança pública e educação pública. É muito mais barato focar em exigir o comparecimento dos alunos do ensino fundamental às aulas do que desenvolver ações penais de homicídio”, disse a promotora.
O encontro da procuradora com Barack Obama
Em 2004, Kamala Harris participou de um evento para arrecadação de dinheiro para o senador estadual Barack Obama, de Illinois. O professor de Direito Constitucional era candidato a senador federal.
A simpatia entre Barack Obama e Kamala Harris foi imediata e recíproca. Em 2007, a promotora esteve em Illinois para apoiar o líder negro para presidente da República. “Ela se tornara a primeira autoridade eleita mais proeminente da Califórnia a apoiar Obama.” (Em 2024, o ex-presidente não esqueceu de sua atitude e decidiu apoiá-la, rapidamente, para a sucessão de Joe Biden, com discursos enfáticos.)
Na Califórnia, Hillary Clinton era mais forte do que Barack Obama. Porém, ao apoiá-lo, Kamala Harris começava a delinear seu papel no Partido Democrata. Hillary Clinton ganhou na Califórnia, mas Barack Obama venceu em São Francisco, o terreno da promotora. O político negro se tornou o candidato a presidente dos democratas.
Em 2008, a promotora esteve em Chicago para festejar a vitória de Barack Obama para presidente da República.
A promotora anunciou que iria disputar a Procuradoria-Geral da Califórnia em 2010. Seu principal estrategista era Ice Smith.
Por causa do governador Pete Wilson, os latinos da Califórnia se tornaram contrários ao Partido Republicano. Wilson era defensor da Proposta 187, “uma iniciativa que prometia acabar com todos os serviços financiados pelo governo para imigrantes sem documentação, incluindo educação pública e home care”.
Aos 46 anos, a democrata Kamala Harris decidiu enfrentar, na disputa pela Procuradoria-Geral, o republicano Steve Cooley. Defendia o meio ambiente, os consumidores, o casamento igualitário (união entre pessoas do mesmo sexo) e o Affordable Care Act (“Obamacare”), a lei de acesso à saúde. Sua campanha arrecadou 2,2 milhões de dólares. Entre seus apoiadores estava Barack Obama.
Kamala Harris “se tornou a primeira mulher, a primeira pessoa negra e a primeira pessoa de ascendência indiana a se tornar a principal autoridade policial da Califórnia”, assinala Dan Morain.
A procuradora assumiu a chefia de 4.996 pessoas, com um orçamento de 732 milhões de dólares. Kamala Harris atuou, com firmeza, “contra bancos e instituições de ensino superior com fins lucrativos que extorquiam os alunos, e em defesa de crianças vítimas de traficantes de pessoas”.
Na crise imobiliária, a California, como todo o país, estava em recessão, com mais de 1 milhão de desempregados. Vários californianos perderam suas casas e ficaram endividados. A procuradora ficou ao lado das pessoas comuns, que, iludidas pelo capitalismo de crédito, compraram casas, às vezes por valores bem altos, e acabaram não dando conta de pagá-los. Kamala Harris e sua equipe enfrentaram o poderio dos bancos sem receio e a instituições financeiras recuaram.
A procuradora agiu, de maneira direta, em defesa do controle de armas, com o objetivo de reduzir a violência.
Em 2014, aos 49 anos, Kamala Harris se casou com o advogado judeu Douglas C. Emhoff.
Reeleita para a Procuradoria Geral em 2014, Kamala Harris cada vez mais foi se tornando política. Esquivava-se, por exemplo, de discussões incômodas, como os jogos de azar. Só Nevada ganha da Califórnia em termos de jogos. “Sessenta e uma tribos indígenas no Estado são donas de 63 cassinos que, juntos, geram 8 bilhões de dólares por ano.” E há a loteria estadual.
Entretanto, jogava pesado contra empresas poluentes. Chegaram a criticá-la por leniência com a brutalidade policial.
(Uma curiosidade: o empresário Donald Trump doou 5 mil dólares, em 2011, e mil dólares, em 2013, para Kamala Harris. Ivanka Trump, sua filha, doou 2 mil dólares em 2014. A organização Trump tinha negócios na Califórnia e o chefão queria ficar bem com a procuradora-geral. Estudantes californianos teriam sido lesados pela Universidade Trump e ela não teria se empenhado em investigá-la.)
Candidata ao Senado pelo Partido Democrata
Em 2015, Kamala Harris anunciou que seria candidata a senadora federal e começou a arrecadar dinheiro. O jornal britânico “The Guardian” publicou: “Ela foi apelidada de a versão feminina de Obama. Ela cozinha. Vai à academia de moletom”.
A adversária da procuradora era Loretta Sanchez. Entre os doadores de dinheiro para a campanha de Kamala Harris estavam Mark Buell, Susie Buell, Georges Soros, Ronald Perelman, Barbara Streisand, Rob Reiner, Sean Penn, Kate Capshaw e Don Cheadle.
A campanha de Kamala Harris chegou a ser criticada por gastar muito dinheiro. “The Atlantis” denunciou que sua equipe havia comprado automóveis de luxo, passagens aéreas e acomodações de primeira classe. Doadores reclamaram., o que levou a procuradora a reorganizar as finanças.
O então vice-presidente Joe Biden foi à Califórnia para apoiar Kamala Harris. O então presidente Barack Obama apoiou-a publicamente. O líder democrata percebeu, de cara, que nascia uma estrela da política na terra de John Kennedy e Martin Luther King.
Na campanha, Kamala Harris defendeu os imigrantes e os negros. “Eu pretendo lutar por Vidas Negraa Importam”, destacou. Criticou duramente os negacionistas da crise climática. Foi eleita para o Senado com 61,6% dos votos. “Recebeu 3,1 milhões de votos a mais do que Trump na Califórnia.”
No Senado, Kamala Harris se destacou em quatro comitês — Meio Ambiente e Obras Públicas, Comitê de Orçamento, Comitê dos Assuntos Governamentais e Segurança Interna e no Intel do Senado (a comissão que discutia questões “secretas” do país).
Kamala Harris fez uma oposição cerrada e consistente ao governo de Trump. A senadora “se concentrou imediatamente no programa Ação Diferida para Chegada na Infância (Daca). Uma das marcas da administração Obama, o programa Daca dava proteção a muitos jovens, popularmente conhecidos como Sonhadores, cujos pais buscavam na vida melhor para si e para seus filhos e cruzaram a fronteira dos Estados Unidos com os filhos a reboque”. Eram 183 mil Sonhadores na Califórnia.
Sempre bem-preparada e afiada nas críticas, contando com alto espírito de síntese, Kamala Harris incomodava os auxiliares de Trump que iam ao Senado. A senadora esbanjava conhecimento e coragem. Jamais se intimidava com a grossura e as proverbiais mentiras da turma de Trump. “Era vista como um símbolo de uma nova geração em Washington”, sublinha o biógrafo.
Firme e, até, agressiva nos seus posicionamentos, Kamala Harris chegava a incomodar senadores democratas veteranos, às vezes acomodados pela velha política de compadrio. “Agia da mesma forma que Trump, roubando o holofote para dar seu recado ou mudar a narrativa”, frisa Dan Morain. “Sua capacidade de criar frases de efeito fortes, vídeos virais e manchetes chamativas a promoveu da condição de figurante no show para a de estrela.” Se a decana senadora Dianne Feinstein tinha 7,5 mil seguidores no Twitter, a democrata da Califórnia tinha 6,9 milhões.
Kamala Harris era a resistência democrática em ação. A senadora sabia que, em política, quem fica parado é poste. Por isso, desde o início, se colocou como uma alternativa ao político republicano Trump.
Rekha Basu, colunista do “Des Moines Register”, escreveu um artigo com o título de “Kamala Harris pode ser o antídoto para Trump”. O texto não tem a ver com os dias atuais, em 2024, mas parece.
A jornalista escreveu: “Ela surge como alguém perspicaz e inteligente, calorosa, apaixonada e, talvez principalmente, alguém que incorpora as aspirações e lutas de todos os americanos”.
Atuante e de olho nos eleitores, a senadora “propôs um corte nos impostos da classe média e um aumento nos impostos cobrados aos grandes bancos”.
Quando 2020 chegou, Kamala Harris estava preparada para disputar a Presidência dos Estados Unidos. Ela disse ao seu grupo “que, caso decidisse se candidatar, o faria para vencer. Não queria perder para Donald Trump. Derrotar Trump era a questão existencial”.
Porém, Kamala Harris enfrentava um profissional, um homem da máquina democrata, Joe Biden, que acabou se tornando o candidato e venceu Trump, com Kamala Harris na vice.
O livro de Dan Morain não relata como Kamala Harris se comportou como vice de Biden. Quando o presidente decidiu sair da disputa, em 2024, ela rapidamente apareceu como candidata, colocou-se no centro do palco e chegou a vencer Trump num debate, deixando-o desconcertado, como os homens em geral ficam quando discutem com uma mulher que, além de inteligente e sagaz, é corajosa e não recua.
Ao perceber que não conseguia enfrentá-la, porque não incomodava com suas diatribes e bobices, o ex-presidente Donald Trupo adotou uma cara de boi amuado, mas sem conseguir assustá-la. O ex-presidente talvez não tenha lido a biografia escrita por Dan Morain — consta que tem preguiça de ler textos com mais de uma página. Se tivesse lido, saberia que está enfrentando uma política articulada, altiva, centrada e, sobretudo, uma profissional que joga, com desenvoltura, os jogos possíveis. Sem medo. Sem receio. Kamala Harris é uma mulher bonita, charmosa e elegante, mas não é uma dondoca.
Diz-se que Kamala Harris é “fria e calculista”, mas é dotada de empatia pelos mais pobres e pelos amigos. Se eleita, vai gerir uma Império, o americano. Portanto, será representante de todos os “filhos” da terra de Walt Whitman, Emily Dickinson e James Baldwin, e não apenas dos progressistas (e os interesses dos Estados Unidos nem sempre são progressistas). Por certo, se tornará mais dura, mas talvez não perca a doçura — seu dom de perceber a sociedade sem deixar de ver o indivíduo.
Erros da edição brasileira
Como Adalgisa Campos da Silva e Maria X. A. Borges são tradutoras experimentadas, com histórico positivo, os problemas encontrados no livro devem ser mais de responsabilidade da Editora Agir e dos revisores (dois para a tradução e dois para o texto). Na página 282, a prefeita de São Francisco, London Breed, é chamada de “prefeito”. O Partido Democrata é nominado de Partido Democrático.
Os filhos de Douglas C. Emhoff, marido de Kamala Harris (não tem filhos), Cole e Ella, “tiveram seus nomes escolhidos em homenagem aos grandes nomes do jazz John (William) Coltrane e Ella Fitzgerald. Coltrane era conhecido como “Cole”? (Apesar de apreciar jazz, não sei responder). Talvez não. De fato, deixando “Col” — e cortando “tron” — e “e” surge Cole. Mas será que a homenagem não seria a Cole Porter, um dos mais notáveis compositores americanos? Como não tive acesso ao texto original, não tenho como responder. Talvez não seja erro, mas, se for, pode ser de Dan Morain.
Há erros primários, como “seríssimos” (seriíssimos), São “Fransisco”, São “Francismo”, “defornação” (deformação). Confira uma frase que provoca no mínimo estranhamento: “matando [um terremoto] 42 das 63 pessoas que morreram no desastre”.
Dados alguns aspectos característicos do sistema eleitoral americano, a Editora Agir deveria ter providenciado notas técnicas para esclarecê-los.