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Reprimir a sexualidade, como se não existisse e pudesse ser ignorada, está, por vezes, por trás de atos arbitrários e abusivos

A homossexualidade não é crime, não é doença. Portanto, não merece qualquer condenação. O que merece crítica e, se for o caso, penalização judicial é a pedofilia e mesmo sexo forçado com adultos. A cúpula da Igreja Católica, posta contra a parede por fieis, imprensa, promotores e Justiça, decidiu agir e iniciou uma cruzada para apurar os fatos e punir pedófilos.

O papa Francisco disse que, “por trás da rigidez há sempre qualquer coisa escondida: em númerosos casos, uma vida dupla”. Noutras palavras, o religioso está abrindo a caixa cinza da Igreja Católica. Agentes do alto e do baixo clero, acusados de pedofilia, não terão mais proteção. Mais do que um recado e um alerta, o que o papa está dizendo é que o jogo interno será duro. Ninguém, estando “errado”, terá proteção e terá de se submeter às leis, não do Vaticano, e sim da sociedade, quer dizer, de todos.

Mas o que o Vaticano fará com a questão sexual, com a necessidade humana de “expressar” a sexualidade? Não se sabe como a Igreja Católica irá se posicionar. Mas reprimir a sexualidade, como se não existisse e pudesse ser ignorada, está, por vezes, por trás de atos arbitrários e abusivos. Tratar os religiosos como deuses — desses que podem abdicar da sexualidade em nome da espiritualidade — é o caminho certo para problemas.

O livro “No Armário do Vaticano — Poder, Hipocrisia e Homossexualidade” (Objetiva, 668 páginas, tradução de Artur Lopes Cardoso), de Frédéric Martel, resultado de uma pesquisa exaustiva — padres, bispos, arcebispos e cardeais foram ouvidos —, é um retrato dos bastidores da Igreja Católica. A obra discute a pedofilia (e é preciso ir além disso, pois agressões sexuais não se resumem à pedofilia, assinalam freiras e padres), a questão da proibição do uso de contraceptivos, o celibato dos religiosos (talvez seja a hora de aceitar que se casem — se quiserem).

Papa Francisco: a Igreja Católica, instituição milenar, não evolui aos saltos, mas seu líder máximo quer uma mudança menos lenta | Foto: Mazur/catholicnews.org.uk

Martel sugere que a política de sigilo da Igreja Católica contribui para potencializar a ação de religiosos pedófilos e agressores sexuais de maneira geral. Ele sugere que a homofobia, forte na Igreja, é uma das maneiras de camuflar a presença de homossexuais.

Há o risco de sempre de, ao penalizar a pedofilia, que deve ser penalizada, contribuir para aumentar o preconceito contra a homossexualidade. Não se trata de combater a homossexualidade, que é uma das liberdades dos seres humanos, e sim a pedofilia. Portanto, convém não confundir homossexualidade e pedofilia — que, obviamente, não são a mesma coisa.