Livro revela a história da Baronesa de Wilson, agente literária que precedeu Carmen Balcells
26 junho 2022 às 00h00
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Emilia Serrano García, que viveu entre os séculos 19 e 20, foi escritora, jornalista, tradutora e agente literária (por exemplo, de Alexandre Dumas)
Uma espanhola foi uma das maiores agentes da história — divulgou, entre outros, Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa na Europa — e, recentemente, ganhou uma alentada biografia, “Carmen Balcells — Traficante de Palavras” (Debate, 508 páginas), de Carme Riera. (A escritora brasileira Nélida Piñón é citada em várias páginas.) Mas há outra grande agente literária da Espanha, que também foi escritora, jornalista e tradutora. Trata-se de Emilia Serrano García (1834-1923 — viveu 78 anos), biografada pela pesquisadora Pura Fernández Rodríguez no livro “365 Relojes — La Baronesa de Wilson” (Taurus, 736 páginas). Não há tradução brasileira.
O texto que se segue é baseado na resenha “La misteriosa biografía de la Baronesa de Wilson: la Carmen Balcells olvidada del siglo XIX” (“A misteriosa biografia da Baronesa de Wilson: a Carmen Balcells esquecida do século 19”), de María José Solano, do jornal espanhol “Abc” (do qual sou assinante entusiasta, pagando 54 reais por mês).
A história é um funil: há os que se destacam e se perenizam e há os que, mesmo tendo se destacado no seu tempo, são esquecidos. Felizmente, Pura Fernández decidiu pesquisar a vida da Baronesa de Wilson, uma mulher extraordinária que viveu entre dois séculos, brilhando mais intensamente no século 19.
De acordo com a recensão do “Abc”, a Baronesa de Wilson “se impôs apenas dois limites: o amor à sua mãe e a luta contra o tempo, medido em uma coleção de valiosíssimos relógios (um para cada dia do ano) dos quais nunca se separou e cuja venda ajudou a bancar uma parte de sua velhice solitária”. Por falta de dinheiro, pois terminou a vida pobre, seus ossos foram colocados “num dos ossários [ou ossuários] gerais do cemitério de Montjuïc. Jaz, como tantos gênios espanhóis (Cervantes, Calderón, Lorca, Velázquez), em nenhum lugar”.
“Abc” afirma que a biografia escrita por Pura Fernández, uma doutora pela Universidad Autónoma de Madri, é “minuciosa” e “objetiva”.
Mulheres importantes e audazes de seu tempo admiravam a coragem e a competência da Baronesa de Wilson (como apreciava ser chamada). Ela foi amiga de Gertrudis Gómez de Avellaneda, Carolina Coronado, Fernán Caballero e Emilia Pardo Bazán, entre outras.
O dramaturgo e poeta espanhol José Zorrilla (1817-1893) foi seu amante. Dele, em cartas, disse que “era caprichoso e inconstante”. O bardo romântico é citado por Gabriel García Márquez no romance “Cem Anos de Solidão”.
Zorrilla conheceu Emilia Serrano García em Paris, onde os dois moravam. Então, ainda não era a Baronesa de Wilson.
Mesmo casado, Zorrilla deu em cima da jovem Emília Serrano García. O escritor, seu primeiro grande amor, dedicou-lhe poemas e a chamava de Leila e Beida. Os livros “A Rosa de Alexandria” e “Serenata para Leila” foram inspirados na jovem. Ela acabou por engravidar do poeta, que decidiu ir embora de Paris. A filha, Margarita Aurora, viveu apenas quatro anos. O pai não a reconheceu, mas guardou sua fotografia entre seus pertences.
As portas da alta sociedade francesa foram abertas para Emília Serrano García por Zorrilla. “Seu talento fez o resto, pois em pouco tempo deixou de ser mera colaboradora em revistas de moda e fundou uma própria: ‘La Caprichosa”, revista feminina exitosa desde o início.” A publicação divulgava o que estava na moda e era moderno em Paris.
Por meio da revista, que divulgava o que o mundo queria saber — Paris era uma espécie de capital global —, Emília Serrano García se tornou “uma ponte literária transatlântica”. “Paris era a sede do capitalismo das editoras e capital dos livros em espanhol que eram exportados para os territórios da América Latina.”
A Baronesa de Wilson era amiga da imperatriz Eugenia de Montijo e dos Dumas (pai e filho). Ela se tornou tradutora de livros de Alexandre Dumas para o espanhol. E passou a atuar como agente literárias dos dois Dumas. “Alexandre Dumas escreveu o epitáfio da tumba da pequena Margarita.”
A morte da filha a deixou “com o coração vazio, gelado”. Por isso, tornando-se umas das viajantes do século 19, decidiu ir para a América. Era uma espécie de renascimento. Viajou por rios, escalou montanhas e escreveu a respeito de suas aventuras — abrindo os olhos dos europeus para a América.
“Sua audácia não se limitou à conquista da natureza. Construiu grandes redes sociais e culturais ibero-americanas por intermédio de suas revistas e desenvolveu um vasto programa de diplomacia literária, difundindo o passado histórico dos países americanos e sua realidade contemporânea”, assinala a resenha. Ela se tornou amiga de integrantes da elite financeira e cultural latino-americana — como a escritora argentina Juana Manuela Gorriti, a peruana Mercedes Cabello de Carbonera, a primeira-dama equatoriana Marietta de Veintemilla, o casal formado por Porfirio Díaz e Carmen Romero Rubio (do México). Díaz e Carmen foram muito amigos da Baronesa de Wilson.
A independência das colônias “significou” para a Baronesa de Wilson, segundo o “Abc”, “a perda de seu prestígio. A volta para a Espanha, no final do século 19, resultou na sua decadência social” e aumentou a sua solidão. Porém, nunca deixou de escrever. “Esquecida por muitos, morreu numa pensão de Barcelona, cansada de cobrar reconhecimento e ajuda econômica ao governo, ouvindo seu próprio fim no tic-tac dos poucos relógios que ainda não havia vendido.”
Escritora e jornalista viajou pelo Brasil
O leitor interessado na história da Baronesa de Wilson pode consultar seu verbete na Wikipédia. É relativamente extenso.
A Wikipédia informa que suas cartas são “imprescindíveis para o conhecimento da vida literária do século 19”. Não se sabe a data precisa de seu nascimento — pode ser 1834 ou 1843.
A família de Emilia Serrano mudou-se para Paris em 1840, “acompanhando no exílio a rainha regente”. Desde bem jovem, ela se tornou uma grande leitora, por isso foi apelidada pelas colegas de “Madame Minerva”. Começou a publicar poemas aos 14 anos e escrevia em revistas de Paris.
Segundo a Wikipédia, Emilia Serrano se tornou Baronesa de Wilson por ter se casado com o barão britânico de origem alemã Heinrich Wilson. O nobre morreu quando ela tinha 18 anos e deixou-lhe uma fortuna considerável.
Culta, a Baronesa de Wilson passou a conviver com os escritores Alfonso de Lamartine, Alexandre Dumas, Francisco Martínez de la Rosa e vários outros notáveis.
“Depois de ser redatora de ‘El Eco Hispano-Americano’, fundou a ‘Revista del Nuevo Mundo’, apoiada politicamente pelo barão de Guilmaud, e dirigiu em Madri a revista ‘La Caprichosa’ e, mais tarde, ‘La Nueva Caprichosa’.”
Depois da morte da filha, viajou pela Europa na companhia da mãe, María Purificación García Cano. Passou a escrever crônicas em jornais de Paris e Madri. “Não era habitual que uma mulher fosse aceita no mundo do jornalismo, porém Serrano contava com apoios decisivos. Assinou com seu nome, mas também como Baronesa de Wilson, Gil Paz, Leila, Leilach, Manuel Lescano y Angulo, In Nova.”
Entre as décadas de 1850 e 1860, “publicou obras em quase todos os gêneros literários: o poema ‘Las siete palavras de Cristo na cruz’ (1858), o romance ‘El Ángel de la Paz’ (1859), o poema ‘El caminho de la cruz’ (1859), o poema histórico ‘Alfonso el Grande’ (1860), o ensaio educativo feminino ‘Almacén de las Señoritas’ (1860). E dois livros de viagem, ‘Manual, o Sea Guía de los Viajeros en Francia y Bélgica’ (1860) e ‘Manual, o Sea Guía de los Viajeros en Inglaterra, Escocia e Irlanda… para uso de los Americanos’” (1860). Escreveu também a lenda histórica “¡Pobre Ana!” (1861).
Em 1865, após a morte de sua mãe, decidiu viajar para a América. “Embarcou rumo a Buenos Aires disposta a viver experiências e a escrever sobre a América, seus povos e, sobretudo, a respeito de mulheres anônimas. Seguiu viajando por vários países da América durante 30 anos (fez um total de seis travessias entre a Europa e a América e viveu 14 anos, de maneira intermitente, na região. Esteve no Canadá. E visitou a Patagônia.”
A Baronesa de Wilson era uma viajante incomum — não era uma turista. Ela procurava conhecer os países a fundo, “estudou sua história, seus costumes, seus personagens e os fatos mais importantes”. Ela “conheceu e conversou com a maioria dos presidentes das jovens repúblicas americanas”. Anotava e escrevia sobre o que percebia como relevante e, deste modo, despertou o interesse da Europa pela América. Entre seus livros de viagem mais conhecidos estão “La Ley del Progreso — Páginas de Instrucción Pública para los Pueblos Sud-Americanos” (1880)”, “Una Página en América. Apuntes de Guayaquil a Quito” (1880), “Americanos Célebres”(1888), “América y Suas Mujeres” (1890), “De Barcelona a México” (1891), “América en Fin de Siglo” (1897), “El Mundo Literario Americano” (1903) e “Maravillas Americanas” (1910).
A escritora continuou publicando livros literários, como “La Familia de Gaspar” (1867), “El Ramillete de Pensamientos” (1868), “La Senda del Dever” (1869), “Sembrar para Recoger” (1870), “El Árbol Sano y el Vicioso, o Rosas e Abrojos”(1870) e “La Miseria de los Ricos (Historia de los Millones)” (1872).
Em 1873, voltou para Madri, onde escreveu para revistas, como “La Guirnalda”, e participou de reuniões da sociedade feminina “Las Hijas del Sol”.
Em 1874, casou-se com Antonio García Tornel. Publicou outras obras: “Los Pordioseros del Frac” (1875), “Leyenda Árabe” (1883) “Del Cielo a la Tierra” (1896), ‘Las Perlas del Corazón” (1911), “Cuatemoc o el Mártir de Izancanac”.
A Baronesa de Wilson escrevia livros, publicava artigos em jornais e revistas e operava como agente literária. Ao mesmo tempo, para valorizar os escritores, fazia traduções de seus livros para o espanhol, “sobretudo de franceses”.
A escritora, jornalista e tradutora manteve copiosa correspondência com vários escritores, como Guillermo Fernández Shaw, Juan Eugenio Hartzenbusch, Pedro Antonio de Alarcon.
Mudou-se para Barcelona, “nos finais dos anos 1880” e continuou escrevendo com frequência. Morreu, em 1º de janeiro de 1923, de uma bronquite crônica.
No livro “América y Sus Mujeres”, a Baronesa de Wilson relata suas viagens pelo Brasil, Uruguai, Argentina, Equador, Peru, Colômbia, Bolívia, México, Venezuela, Chile, Panamá, Honduras, Guatemala, Nicarágua, Costa Rica, Canadá e Estados Unidos. Em todos os países que visitou, conversava com mulheres e homens “importantes”, mas não deixava de falar com camponeses e indígenas. Pode-se dizer que, além do registro histórico, fez praticamente um trabalho de antropologia e etnografia.