ARACY DE ALMEIDA - NÃO TEM TRADUÇAO

Aracy de Almeida (1914-1988) ficou na história da música como uma espécie de viúva artística de Noel Rosa, um dos maiores compositores do Brasil. Porém, a cantora também gravou músicas de Ary Barroso, Wilson Batista, Ismael Silva, Antônio Maria, Assis Valente, Lamartine Babo, Ataulfo Alves, Orestes Barbosa, Caetano Veloso, entre outros. Araca gravou mais de 300 músicas. Não há uma grande biografia da artista. Depois de “Araca — Arquiduquesa do Encantado, um Perfil de Aracy de Almeida” (Edições Folha Seca), de Hermínio Bello de Carvalho, sai “Aracy de Almeida — Não Tem Tradução” (Veneta, 214 páginas), de Eduardo Logullo. Não são textos ruins, mas não são biografias exaustivas. A de Logullo nem se pretende biografia, e sim recortes sobre a vida e a música da “noelista”.

Respeitada pelo escritor Mário de Andrade, estudioso da música brasileira, pelo compositor, músico e cantor Paulinho da Viola, Aracy de Almeida tornou Noel Rosa mais popular e abriu as portas para novas cantoras, em geral tributárias de suas primeiras “adaptações”.

O livro de Logullo discute se Aracy de Almeida era homossexual — usa-se a palavra “sapatona”. Mas nada conclui, optando por citar Hermínio Bello de Carvalho, que a vê como “pan-sexual”. A cantora foi casada com o José Fontoura, goleiro do Vasco, mas o deixou. “… O homem dos meus sonhos nasceu morto”. Era boêmia, num tempo em que isto, para uma mulher, não era bem-visto.

Os mais jovens, quando conhecem, lembram-se de Aracy de Almeida como jurada de programa de calouros, notadamente de Silvio Santos, dono do SBT. A cantora foi jurada dos programas de Pagano Sobrinho, Aérton Perlingueiro, Bolinha, Chacrinha e Silvio Santos. Ela morreu, em 1988, aos 73 anos.

Os trechos abaixo estão no livro de Logullo.

Paulinho da Viola ressalta afinação de Ary de Almeida

“Isso é uma coisa muito comum, a pessoa está acostumada com determinado timbre. Então, quando ouve uma coisa diferente… Tem aquela coisa de já rejeitar um pouco assim, né? Se sentir mal, não gostar de tudo. É um passo para dizer que não gosta. Todos podem desafinar ao cantar. Aracy, nunca.”

“Entre tantas coisas do Noel que ela gravou, quase todos eram sambas de complexidade harmônica. Noel tinha muitos sambas que não eram para qualquer um, não.”

“Emocionante ver Aracy cantando. E o que mais me toca é a afinação nessa região tão aguda e com timbre tão bonito, não é? Tão afinada, tão diferente de tudo. É muito emocionante.”

[Depoimentos de Paulinho da Viola em “Mosaicos: a arte de Aracy de Almeida”, documentário dirigido por Nico Prado, com coordenação musical de Fernando Faro e produção de Fernando Abdo. TV Cultura, São Paulo, 2009.]

Aracy de Almeida por Mário de Andrade

O escritor Mário de Andrade, numa conferência de 1943, elogiou “os nasais e a pronúncia vocálica da cantora”:

“Mais vagos, ao nosso ver como regionalismo de caráter vocal, ainda surgem numerosos cantores brasileiros, bem constantemente nasais. É, por exemplo, o sr. Mota da Mota (“Vou Girá”, Victor, 33380), embora exagere um pouco a maneira rural de entoar. É o nasal admirável do sr. Raul Torres nesse dolente e brasileiríssimo ‘É a morte de um cantadô’ (Odeon, 11238, https://www.youtube.com/watch?v=nwq32LUYkFE). É o sr. Gastão Formente que no ‘Foi boto, Sinhá’ (Victor, 33807, https://www.youtube.com/watch?v=R6ZI51QHlCY), apesar de sua voz bastante ingrata, adquire uma cor nasal perfeitamente nossa. É também a sra. Aracy de Almeida (‘Triste Cuíca’, Victor, 33927, https://www.youtube.com/watch?v=o3UgmSIZQck), com ótima cor de vogais e menos feliz prolação de consoantes. Neste disco, se apresenta um bom exemplo de variabilidade de pronúncia do ‘não’, bem claramente ‘nãum” quando mais vigoroso, e na outra face do disco, escurecendo-se na dicção mais rápida, até que, num quase presto, chega a soar quase exclusivamente ‘num’. As variantes melhores estão no fim da música (“Tenho uma rival”), após refrão instrumental.”

[Trecho da palestra de extraído de “Aspectos da Música Brasileira”, de Mário de Andrade, Nova Fronteira, 2012.]