Só que os erros da polícia não invalidam o fato de que Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá mataram, talvez sem intenção, a menina de 5 anos

Alexandre Nardoni, Isabella Nardoni e Anna Carolina Jatobá: a convivência entre os três era considerada cordial por todos os familiares; o que terá provocado a crise que levou ao assassinato culposo da menina de 5 anos? Pura maldade? Até hoje, não se tem uma informação precisa

O poema transcrito a seguir parece nada ter a ver com o que se escreverá a seguir, mas, aqui e ali, há certa sintonia, mais fina do que parece, com o as­sunto. William Wordsworth o es­creveu em 1807: “Eu sinto o co­ração bater mais forte/Quando o arco-íris posso ver./Assim foi quando a vida começou,/Assim é agora quando adulto sou,/E as­sim será quando eu envelhecer…/Senão, melhor a morte!/O me­nino é pai do homem;/E eu hei de atar meus dias, cada qual,/Com elos da piedade natural” (a tradução é de Paulo Vizioli; Ma­chado de Assis citou o verso “o menino é pai do homem”).

Os indivíduos “precisam” ressaltar a monstruosidade daqueles que consideram monstros — até atacá-los com palavras ou mes­mo fisicamente — para realçar sua “normalidade”. Se­guin­do a voz corrente, o jornalista Ro­gério Pagnan, da “Folha de S. Pau­lo”, poderia ter tratado o casal An­na Carolina Trotta Peixoto Ja­to­bá e Alexandre Alves Nardoni — condenados pelo assassinato de Isabella de Oliveira Nardoni, de 5 anos — como uma “aberração”. Não é, porém, o que faz no livro-reportagem “O Pior dos Cri­mes — A História do Assas­si­na­to de Isabella Nardoni” (Re­cord,­ 335 páginas). Não se trata de obra vingadora-condenatória, tam­pouco, embora pareça, é uma de­fesa (uma tentativa de “ab­sol­ver”) de Anna Jatobá, a madrasta, e Alexandre Nardoni, o pai de Isa­bella Nardoni. O repórter ex­põe os fatos, faz questionamentos e, o que poderá desagradar o lei­tor que busca sensacionalismo, não é conclusivo. O trabalho é uma aula de jornalismo sério e equilibrado.

Afinal, Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni mataram Isabella Nardoni, em 29 de março de 2008, na zona norte de São Paulo? Por que o fizeram? Os dois, ou um deles, teriam agredido a menina, que teria desmaiado e, acreditando que estivesse mor­ta, decidiram arremessá-la do sex­to andar do Edifício London, em São Paulo? Os jovens, então com menos de 30 anos, ao descarta­rem a criança não queriam matá-la, e sim livrarem-se do corpo de uma “morta” e, em seguida, criarem uma história “rocambolesca”? É uma possibilidade, mas, até hoje, o casal alega inocência. Eles dizem que um ladrão, ou la­drões, jogou a menina. Por que um assaltante faria tal crueldade nin­guém conseguiu explicar — a história nada tem de crível — e a polícia não conseguiu descobrir nenhuma pista objetiva de que uma pessoa tenha entrado no apartamento dos Nardoni. Um soldado disse ao sargento Messias que teria “visto um homem fugindo entre os carros da garagem” — e só. “Os PMs da Rota fizeram uma revista, mas não encontraram ninguém.”

Mesmo jogada do sexto andar, Isabella Nardoni não morreu ime­diatamente. Sua mãe, a bancária Ana Carolina Cunha de Oli­vei­ra, a Carol, relata: “Eu coloquei a mão no coraçãozinho dela, que batia bem rápido”.

O livro de Rogério Pagnan, repórter da “Folha de S. Paulo”, não é um livro vingador-condenatório, nem pretende absolver o casal Anna Jatobá e Alexandre Nardoni, mas mostra que, quando se trata de julgar aqueles que estão “desgraçados”, há uma tendência de “desgraçá-los” ainda mais

Carol de Oliveira admite que Isabella Nardoni era amada por Alexandre Nardoni e não era maltratada pela madrasta. No apartamento do casal, um quarto havia sido reservado para a menina (e decorado de acordo com sua vontade, inclusive com um cobiçado baú da Hello Kitty) — que gostava de visitar o pai e os dois irmãos, Pietro e Cauã. A avó Cida Nardoni adorava a criança, seu “botão de rosa”, dizia. Isabella Nardoni era gentil e educada. Por ser ciumenta, Anna Jatobá “asfixiou” a criança? Seria uma forma de afastar, de vez, Carol Oliveira de Alexandre Nardoni? O ciúme é um fato, mas Anna Jatobá chegava a buscar a menina na casa de Ca­rol Oliveira.

Num primeiro momento, Carol Oliveira defendeu a ma­dras­ta, numa conversa com jornalistas, “classificando-a como pessoa ‘bastante carinhosa’ e que cons­tantemente levava a filha pa­ra passear”. Seu irmão, Felipe, acres­centou: “A menina adorava vi­sitar a casa do pai para brincar com seus irmãos menores”. O pai de Carol Oliveira, José Arcanjo, dis­se: “Ele [Alexandre] pode ter to­dos os defeitos, mas com os fi­lhos era muito carinhoso. Era mui­to carinhoso com a menina”. Mais tarde, com os ânimos exaltados, tudo mudou. Depois de ou­vir várias pessoas, o repórter assinala: “Se Alexandre ou Anna realmente agrediram Isabella naquela noite, foi a primeira notícia de que isso aconteceu nos quase cin­co anos de convivência entre eles. O que a menina fez de tão grave para isso ter ocorrido? A polícia não conseguiu achar nenhum de­ta­lhe que transformasse aquele em um sábado diferente de outro qual­quer”. Então, por que Isa­bel­la Nardoni foi morta? “Nem mes­mo o Ministério Público arriscou-se a apontar a motivação.” No julgamento do casal Nardoni, a mãe da criança foi inquirida: “A Isa­bel­la chegou a comentar alguma vez que teria sofrido maus-tratos, que foi maltratada seja por Alexandre, seja por Anna Carolina?” Ela respondeu: “Não”.

Falhas da perícia

O delegado Laerte Idalino Mar­zagão Júnior e Antônio Nar­do­ni, pai de Alexandre Nardoni, te­riam negociado uma confissão do pai de Isabella. “Segundo Mar­zagão, Nardoni pai declarara que o filho fizera uma besteira. Ele che­gou a sugerir ao Marzagão que o filho poderia confessar o crime des­de que não fosse preso”, conta Ro­gério Pagnan. Porém, com o pe­dido de prisão do casal, Antô­nio Nardoni recuou.

Rogério Pagnan, jornalista: autor de um livro ponderado e sem sensacionalismo

No capítulo 22, “Não é sangue”, Rogério Pagnan discute as fa­lhas da perícia. “A história contada pela perícia diz que Isabella foi agredida pela madrasta ainda no interior do veículo, na garagem do London, com um objeto des­conhecido, talvez a chave tetra da família, causando-lhe um pe­que­no corte na região frontal es­quer­da da cabeça. Ocorrera, en­tão, um pequeno sangramento que deixa manchas ‘no assoalho do veículo, na face posterior do en­costo do assento do condutor e la­teral esquerda da cadeira de transporte do bebê’.” O trecho entre aspinhas é da perícia.

No apartamento, Alexandre Nardoni “arremessa” Isabella Nar­doni “violentamente contra o chão”. Em seguida, segundo a pe­rí­cia, “Isabella passa a ser asfixiada pela madrasta, que usa as próprias mãos. Neste momento, são ou­vidos os gritos de ‘para, pai’” (se­gundo o professor Lúcio, mo­ra­dor do Edifício London). Daí, o ca­sal discute, “por cerca de dois a três minutos”, e decide cortar “a te­la de proteção da janela do dormitório dos filhos, utilizando uma te­soura multiuso e uma faca. Exa­mes feitos na tesoura detectaram fios compatíveis com o da tela de pro­teção”. A perícia avalia que, “pa­ra passar o corpo da menina pe­lo buraco”, Alexandre Nardoni “te­ve ajuda da mulher. A menina es­correu, então, pelo lado externo da parede, quando deixou marcas com os dedos das mãos nas pastilhas do prédio. Um rastro”. O lau­do aponta, sintetiza Rogério Pag­nan, que “Isabella não teria so­frido nenhum ferimento grave em razão da queda dos cerca de 20 metros de altura. Só dentro de casa”.

A perícia levou à prisão preventiva do casal. Mas continha fa­lhas — e dizer isto não é o mes­mo que defender o casal Nardoni, e sim evidenciar que peritos po­dem equivocar-se, ­