Livro “reabre” caso do assassinato de Isabella Nardoni e aponta falhas graves da perícia
21 abril 2018 às 21h24
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Só que os erros da polícia não invalidam o fato de que Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá mataram, talvez sem intenção, a menina de 5 anos
O poema transcrito a seguir parece nada ter a ver com o que se escreverá a seguir, mas, aqui e ali, há certa sintonia, mais fina do que parece, com o assunto. William Wordsworth o escreveu em 1807: “Eu sinto o coração bater mais forte/Quando o arco-íris posso ver./Assim foi quando a vida começou,/Assim é agora quando adulto sou,/E assim será quando eu envelhecer…/Senão, melhor a morte!/O menino é pai do homem;/E eu hei de atar meus dias, cada qual,/Com elos da piedade natural” (a tradução é de Paulo Vizioli; Machado de Assis citou o verso “o menino é pai do homem”).
Os indivíduos “precisam” ressaltar a monstruosidade daqueles que consideram monstros — até atacá-los com palavras ou mesmo fisicamente — para realçar sua “normalidade”. Seguindo a voz corrente, o jornalista Rogério Pagnan, da “Folha de S. Paulo”, poderia ter tratado o casal Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá e Alexandre Alves Nardoni — condenados pelo assassinato de Isabella de Oliveira Nardoni, de 5 anos — como uma “aberração”. Não é, porém, o que faz no livro-reportagem “O Pior dos Crimes — A História do Assassinato de Isabella Nardoni” (Record, 335 páginas). Não se trata de obra vingadora-condenatória, tampouco, embora pareça, é uma defesa (uma tentativa de “absolver”) de Anna Jatobá, a madrasta, e Alexandre Nardoni, o pai de Isabella Nardoni. O repórter expõe os fatos, faz questionamentos e, o que poderá desagradar o leitor que busca sensacionalismo, não é conclusivo. O trabalho é uma aula de jornalismo sério e equilibrado.
Afinal, Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni mataram Isabella Nardoni, em 29 de março de 2008, na zona norte de São Paulo? Por que o fizeram? Os dois, ou um deles, teriam agredido a menina, que teria desmaiado e, acreditando que estivesse morta, decidiram arremessá-la do sexto andar do Edifício London, em São Paulo? Os jovens, então com menos de 30 anos, ao descartarem a criança não queriam matá-la, e sim livrarem-se do corpo de uma “morta” e, em seguida, criarem uma história “rocambolesca”? É uma possibilidade, mas, até hoje, o casal alega inocência. Eles dizem que um ladrão, ou ladrões, jogou a menina. Por que um assaltante faria tal crueldade ninguém conseguiu explicar — a história nada tem de crível — e a polícia não conseguiu descobrir nenhuma pista objetiva de que uma pessoa tenha entrado no apartamento dos Nardoni. Um soldado disse ao sargento Messias que teria “visto um homem fugindo entre os carros da garagem” — e só. “Os PMs da Rota fizeram uma revista, mas não encontraram ninguém.”
Mesmo jogada do sexto andar, Isabella Nardoni não morreu imediatamente. Sua mãe, a bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, a Carol, relata: “Eu coloquei a mão no coraçãozinho dela, que batia bem rápido”.
Carol de Oliveira admite que Isabella Nardoni era amada por Alexandre Nardoni e não era maltratada pela madrasta. No apartamento do casal, um quarto havia sido reservado para a menina (e decorado de acordo com sua vontade, inclusive com um cobiçado baú da Hello Kitty) — que gostava de visitar o pai e os dois irmãos, Pietro e Cauã. A avó Cida Nardoni adorava a criança, seu “botão de rosa”, dizia. Isabella Nardoni era gentil e educada. Por ser ciumenta, Anna Jatobá “asfixiou” a criança? Seria uma forma de afastar, de vez, Carol Oliveira de Alexandre Nardoni? O ciúme é um fato, mas Anna Jatobá chegava a buscar a menina na casa de Carol Oliveira.
Num primeiro momento, Carol Oliveira defendeu a madrasta, numa conversa com jornalistas, “classificando-a como pessoa ‘bastante carinhosa’ e que constantemente levava a filha para passear”. Seu irmão, Felipe, acrescentou: “A menina adorava visitar a casa do pai para brincar com seus irmãos menores”. O pai de Carol Oliveira, José Arcanjo, disse: “Ele [Alexandre] pode ter todos os defeitos, mas com os filhos era muito carinhoso. Era muito carinhoso com a menina”. Mais tarde, com os ânimos exaltados, tudo mudou. Depois de ouvir várias pessoas, o repórter assinala: “Se Alexandre ou Anna realmente agrediram Isabella naquela noite, foi a primeira notícia de que isso aconteceu nos quase cinco anos de convivência entre eles. O que a menina fez de tão grave para isso ter ocorrido? A polícia não conseguiu achar nenhum detalhe que transformasse aquele em um sábado diferente de outro qualquer”. Então, por que Isabella Nardoni foi morta? “Nem mesmo o Ministério Público arriscou-se a apontar a motivação.” No julgamento do casal Nardoni, a mãe da criança foi inquirida: “A Isabella chegou a comentar alguma vez que teria sofrido maus-tratos, que foi maltratada seja por Alexandre, seja por Anna Carolina?” Ela respondeu: “Não”.
Falhas da perícia
O delegado Laerte Idalino Marzagão Júnior e Antônio Nardoni, pai de Alexandre Nardoni, teriam negociado uma confissão do pai de Isabella. “Segundo Marzagão, Nardoni pai declarara que o filho fizera uma besteira. Ele chegou a sugerir ao Marzagão que o filho poderia confessar o crime desde que não fosse preso”, conta Rogério Pagnan. Porém, com o pedido de prisão do casal, Antônio Nardoni recuou.
No capítulo 22, “Não é sangue”, Rogério Pagnan discute as falhas da perícia. “A história contada pela perícia diz que Isabella foi agredida pela madrasta ainda no interior do veículo, na garagem do London, com um objeto desconhecido, talvez a chave tetra da família, causando-lhe um pequeno corte na região frontal esquerda da cabeça. Ocorrera, então, um pequeno sangramento que deixa manchas ‘no assoalho do veículo, na face posterior do encosto do assento do condutor e lateral esquerda da cadeira de transporte do bebê’.” O trecho entre aspinhas é da perícia.
No apartamento, Alexandre Nardoni “arremessa” Isabella Nardoni “violentamente contra o chão”. Em seguida, segundo a perícia, “Isabella passa a ser asfixiada pela madrasta, que usa as próprias mãos. Neste momento, são ouvidos os gritos de ‘para, pai’” (segundo o professor Lúcio, morador do Edifício London). Daí, o casal discute, “por cerca de dois a três minutos”, e decide cortar “a tela de proteção da janela do dormitório dos filhos, utilizando uma tesoura multiuso e uma faca. Exames feitos na tesoura detectaram fios compatíveis com o da tela de proteção”. A perícia avalia que, “para passar o corpo da menina pelo buraco”, Alexandre Nardoni “teve ajuda da mulher. A menina escorreu, então, pelo lado externo da parede, quando deixou marcas com os dedos das mãos nas pastilhas do prédio. Um rastro”. O laudo aponta, sintetiza Rogério Pagnan, que “Isabella não teria sofrido nenhum ferimento grave em razão da queda dos cerca de 20 metros de altura. Só dentro de casa”.
A perícia levou à prisão preventiva do casal. Mas continha falhas — e dizer isto não é o mesmo que defender o casal Nardoni, e sim evidenciar que peritos podem equivocar-se,