Livro expõe ideias de mulheres excepcionais. Mas elas não estão no mesmo nível intelectual

02 dezembro 2018 às 00h00

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Não dá para avaliar Pauline Kael e Nora Ephron como pares de Hannah Arendt e Susan Sontag

A intelectual americana Camille Paglia é brilhantíssima. Tão brilhante que às vezes exagera. Discípula de Harold Bloom, das mais rebeldes, escreveu um livro magnífico: “Personas Sexuais — Arte e Decadência de Nefertite a Emily Dickinson” (Companhia das Letras, 655 páginas, tradução de Marcos Santarrita). Força a barra aqui e ali, por exemplo quanto se refere à sexualidade reprimida de Emily Dickinson, mas, no geral, trata-se de obra excepcional, de uma inteligência interpretativa fora do comum. Criticar é, de alguma maneira, forçar a barra. Sobre a poeta, assinala, na página 585: “As muitas vozes de Emily Dickinson são personas sexuais. Enquadram-se em seus dois grandes modos, o sadiano e o wordsworthiano. Os poemas sentimentais são personas femininas, representando uma reação básica à natureza, alegre e confiante. A natureza de Emily tem duas faces, a selvagem e a serena”.
A crítica refinada Camille Paglia, de 71 anos, às vezes é “encoberta” por suas declarações bombásticas sobre a americana Madonna e a respeito da brasileira Daniella Mercury. Dá para exclui-la — assim como Toni Morrison e Rosa Luxemburgo — de um livro sobre mulheres geniais? Possivelmente, não.
“Afiadas — As Mulheres Que Fizeram da Opinião Uma Arte” (Todavia, 416 páginas, tradução de Bernardo Ajzenberg), de Michelle Dean, é um livro de primeira linha. Não porque incluiu apenas mulheres, e sim porque arrola mulheres intelectuais do mais alto gabarito. Mas o leitor certamente concluirá que, de algum modo, o livro poderá ser chamado, pelos ranzinzas, de “Desafinadas”. Porque a disparidade intelectual entre as mulheres listadas é imensa.
Entre as listadas estão a filósofa Hannah Arendt, uma das mulheres mais notáveis do século 20, e Susan Sontag. Esta, excelente crítica — inclusive da literatura do brasileiro Machado de Assis —, publicou prosa de certa qualidade e imaginação de menos. Pauline Kael escreveu textos esplêndidos sobre cinema e é arrolada. Vale? Talvez. Nora Ephron? Sei não. Hannah Arendt, sobretudo, e Susan Sontag estão bem acima das demais mulheres mencionadas.
Leia a sinopse da editora: “Mulheres geniais, como Sontag, [Joan] Didion e Arendt, transformaram o panorama de seu tempo e fizeram de suas opiniões um novo capítulo das letras, influenciando autores e autoras e moldando nosso cenário cultural até os dias de hoje. As mulheres brilhantes que são o foco de ‘Afiadas’ vieram de diferentes origens e tinham opiniões políticas e artísticas divergentes. Mas todas elas fizeram uma contribuição significativa para a história cultural e intelectual dos Estados Unidos e, em última análise, moldaram o rumo do século 20, apesar dos homens que frequentemente as subestimavam ou rejeitavam seu trabalho. Essas mulheres — Dorothy Parker, Rebecca West, Hannah Arendt, Mary McCarthy, Susan Sontag, Pauline Kael, Joan Didion, Nora Ephron, Renata Adler e Janet Malcolm — estão unidas pela precisão de pensamento e sagacidade. ‘Afiadas’ é uma representação vibrante do mundo intelectual da Nova York do século 20, onde as festas repletas de fofocas repercutiam nas páginas da ‘Partisan Review’ ou da ‘New York Review of Books’. Misturando biografa, crítica literária e história cultural, ‘Afiadas’ é uma celebração dessas mulheres extraordinárias, além de uma introdução atraente para suas obras”.
Desconfie da publicidade, mas não deixe de ler o livro — que é bom, até muito bom.