Livro do repórter brasileiro Rodrigo Lopes mapeia a guerra da Rússia contra a Ucrânia

30 outubro 2022 às 00h00

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Só há uma profissão no jornalismo: a de repórter. Editor é cargo e o verdadeiro editor é o que nunca deixa de ser repórter.
Rodrigo Lopes é, acima de tudo, repórter. Por isso, assim que começou a guerra da Rússia contra a Ucrânia, viajou para a região do conflito, para reportá-lo, não como outsider, e sim como insider.
Analista do “Zero Hora” e participante ativo de outros meios do grupo RBS, Rodrigo Lopes decidiu publicar um livro, e não apenas para descrever a batalha e o sofrimento dos ucranianos, mas também para analisar a geopolítica da região e o choque com outras vertentes da política internacional, como a europeia e a norte-americana.
O livro “Trem Para Ucrânia — Viagem a um Lugar de Onde Todos Querem sair” foi publicado pela editora BesouroBox e tem 152 páginas (já pode ser pedido no site das livrarias, como a Travessa). O subtítulo resulta de um equívoco do autor: nem todos querem sair da Ucrânia; o mais provável é que a maioria queira ficar — tanto que a resistência civil e militar é intensa, e, em parte, vitoriosa. Mas, de fato, milhões já abandonaram o país — fugindo da brutal agressão dos russos de Vladimir Putin. A obra contém prefácio de Guga Chacra, comentarista internacional da GloboNews.
Numa entrevista ao Portal Imprensa, publicada na quinta-feira, 27, Rodrigo Lopes conta que permaneceu 11 dias na Alemanha, Polônia, Eslováquia, Hungria e Ucrânia. “Viajei no primeiro dia do conflito, em 24 de fevereiro de 2022.”

Na Polônia, na fronteira com a Ucrânia, Rodrigo Lopes teve “o primeiro contato com o drama da guerra: a rota dos desesperados que tentavam fugir do conflito. Vi cenas dramáticas, de muitas crianças sem pais (homens entre 18 e 60 anos foram obrigados a ficar no país para lutar), mulheres que deixavam o país com os filhos, sem comida e sem roupas. A temperatura à noite caía abaixo de zero. E, do outro lado, as pessoas se acotovelavam em uma massa disforme na tentativa de cruzar a fronteira. Muitas, sem conseguir, adormeciam ao relento ou iniciavam o retorno a Lviv, a pé, a cerca de 80 quilômetro dali”.
Rodrigo Lopes não conseguiu entrar a pé pela fronteira de Medyka nem de carro pela fronteira da Hungria. “Foi então que descobri que era possível ingressar de trem, a partir da Polônia. Em minha terceira tentativa, ingressei na Ucrânia. Fiquei em Lviv, cidade do oeste ucraniano, por dois dias. Na cidade, testemunhei uma população em armas — havia barricadas em todos os acessos à cidade e em frente a prédios públicos.”
O repórter permaneceu “dois dos 11 dias de cobertura dentro da Ucrânia”. Não são muitos dias, o que pode afetar uma visão mais ampla da guerra e da reação popular. Mas, para um jornalista perceptivo e com capacidade aguda de observação, são suficientes para se contar histórias e, em seguida, analisar o que está acontecendo na região. Sobretudo, porque está acontecendo.
Houve momentos de tensão. “No trem, durante o trajeto, já dentro da Ucrânia, as luzes se apagaram. A composição percorreu longos trechos no país em guerra às escuras”, relata Rodrigo Lopes. Como Lviv estava sob toque de recolher, o contato local não pôde buscá-lo e o repórter teve de dormir na estação, ao lado de “milhares de refugiados que tentavam sair. Não havia trem para todo mundo. As pessoas passavam dias na estação. Outro momento de tensão era quando as sirenes tocavam. Como jornalista, eu precisava correr para o abrigo antiaéreo, mas, ao mesmo tempo, registrar as imagens. (…) Ficava de um a dois minutos sem entrar nos bunkers em função do trabalho — o que gerava uma tensão, uma vez que não se sabia se um míssil ou bomba cairia sobre a cidade.”
O correspondente de guerra vive um dilema: se se esconder, salva-se, por vezes. Porém, se não ficar no centro dos acontecimentos, não tem o que reportar de forma direta. O fato de ter dormido na estação, com os refugiados, deu a Rodrigo Lopes a percepção exata sobre o comportamento (sofrimento) dos civis, ou seja, daqueles que não estão lutando, exceto pelas próprias vidas.
Rodrigo Lopes afirma que “a guerra na Ucrânia é um fato jornalístico e que tem e terá impacto por muito tempo em nossas vidas, na história e na geopolítica”. De fato, a batalha colabora, no momento, para ampliar a recessão na Europa, que, de acordo com o economista Nouriel Roubini, o Dr. Apocalipse, será profunda em 2023.
“Tentei buscar três pilares: a história da jornada do repórter e as pessoas que encontrei no caminho, as origens das divergências entre Rússia e Ucrânia e alguma análise geopolítica.” Portanto, ao fornecer um contexto — que diz respeito a uma longa história (sob Stálin, a União Soviética criou uma fome “artificial” na Ucrânia; morreram cerca de 3,5 milhões de ucranianos) —, a obra de Rodrigo Lopes não é um mero “livro de oportunidade”.
O repórter cita duas frases seminais: “Guerra é ruim, mas, sem a presença de jornalistas, é muito pior” (José Hamilton Ribeiro, um dos mais importantes repórteres do país) e “Na guerra, a primeira vítima é a verdade” (do senador americano Hiram Johnson; a frase foi popularizada por Phillip Knightley, no livro “A Primeira Vítima”). “Está muito difícil o acesso às informações não apenas na Rússia, mas na própria Ucrânia. E, na ausência de jornalistas para verificar os fatos in loco, a desinformação corre solta — de ambos os lados”, assinala Rodrigo Lopes, que, sim, merece o título de Repórter, com “R” maiúsculo.