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“Refletir sobre os dez anos passados desde o início da Operação é tentar entender como o país foi cooptado por um pequeno grupo de agentes, que – com intenções escusas e de cunho eleitoral – manipularam a opinião pública e fizeram milhões de brasileiros acreditarem que Sérgio Moro e seus asseclas “salvariam” o Brasil da corrupção. Uma espécie de jus-messianismo com pés de Curupira.” — Lenio Streck, jurista

Quem incendiou Roma? Claro, foi o ex-magistrado Sergio Moro. Com qual objetivo? Culpar Lula da Silva, do PT, o Nero dos trópicos.

A piada à parte, fica-se com a impressão, pós-nova entronização de Lula da Silva na Presidência da República, que não havia corrupção no seu governo e no da ex-presidente Dilma Rousseff. O que havia, decerto, era uma conspiração entre Sergio Moro, procuradores da República e policiais federais.

Postula-se que o objetivo do “sergio-morismo” era arrancar o PT do poder e entregá-lo à direita.

Mas será que Sergio Moro era adivinho? Porque, quando a Lava-Jato começou, em março de 2014, a direita não era viável eleitoralmente. Jair Bolsonaro, da extrema-direita trevosa, não era presidenciável. Era, no máximo, um membro ativo do baixo clero, ou melhor, do sub-baixo clero.

Sergio Moro e Lula da Silva: os homens da “guerra” da Lava Jato | Fotos: Reproduções

Vanguarda do atraso, Bolsonaro é um fenômeno de 2018, quando a Lava Jato já era, por assim dizer, “adulta”.

Na verdade, havia corrupção nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Trata-se de um fato.

Investigar poderosos, aqueles que contam com os melhores escritórios de advocacia do país — hábeis em inocentar culpados —, é muito difícil. Seguindo as leis, às vezes contornando seus rigores, a Lava Jato fez um trabalho hercúleo de investigação e penalização da corrupção.

Mas eis que surge, no horizonte tropical, uma direita golpista, supostamente liderada por Bolsonaro — se este adepto da cultura inculta comanda alguma coisa, com aquele sorriso parvo —, e parte das elites, inclusive dos meios judiciais, percebeu que só havia uma maneira de contê-la.

Jair Bolsonaro e Sergio Moro: ninguém iludiu ninguém | Foto: Adriano Machado/Reuters

Libertar Lula da Silva era crucial, mas, paralelamente, era precisa destruir a Lava Jato.

Qual a minha posição a respeito do, digamos, imbróglio? Por incrível que pareça, me alinho com aqueles que avaliaram que era melhor “salvar” Lula da Silva para barrar a extrema-direita golpista de Bolsonaro.

Os ataques do bolsonarismo ao Supremo Tribunal Federal, sobretudo ao ministro Alexandre de Morais, eram e são dirigidos à democracia. O que se queria derrubar, como em 1964, era a democracia. O STF e o magistrado eram apenas uma “etapa”.

A extrema-direita “aprecia” a democracia porque é o único regime em que se pode conspirar para derrubá-la.

Bolsonaro e sua turma, acometida de bolsonarite — uma infecção aguda no cérebro — , não têm nenhum apreço pela liberdade de expressão. Quando falam em sua defesa não estão a defendê-la. Na verdade, estão defendendo o direito de lutar para abolir a democracia. É isto que entendem por liberdade de expressão.

Livro de Luís Nassif sobre a Lava Jato

A direita, e não apenas a extrema-direita, ataca, há tempos, o jornalista mineiro Luís Nassif, de 74 anos, um dos melhores analistas de economia do país.

Não me alinho entre os que destratam Luís Nassif, que leio há vários anos, desde quando escrevia na “Folha de S. Paulo”. Porque entende realmente de economia e sabe se posicionar contra a corrente.

Por vezes, na defesa de Lula da Silva, de seus governos, e nas críticas àqueles que são duros nos petardos contra o presidente da República, Luís Nassif exagera. Mas é preciso lê-lo. Porque tem o quer dizer e o faz bem, com rara decência num país em que a amoralidade tira nota 10.

Luís Nassif lançou, este mês, o livro “A Conspiração da Lava Jato — O Jogo Político Que Comprometeu o Futuro do País” (Contracorrente, 534 páginas).

Luís Nassif: um dos críticos mais contundentes da Operação Lava Jato | Foto: Reprodução

Será que comprometeu mesmo? Luís Nassif não estaria, ao supostamente exagerar, sendo por demais cético? Afinal, Bolsonaro foi derrotado, na eleição de 2022, por Lula da Silva. Seu grupo pode voltar ao poder em 2026? Pode. Se acontecer, será um retrocesso.

A extrema-direita existiria sem a Lava Jato? Talvez não. Mas pode-se sustentar que a Lavo Jato foi forjada para criar uma direita extremista? Talvez não. Mas é fato que contribuiu para seu nascimento ou renascimento (o bolsonarismo é o udenismo de Carlos Lacerda piorado).

Para Luís Nassif, a Lava Jato não deve ser examinada tão-somente como uma operação.

O jornalista sugere, que potencializada pela mídia — que, sem fazer mea-culpa, passou a criticá-la (como se não fosse partícipe entusiasmada de suas ações) —, e contando com a leniência de instituições da sociedade, a Lava Jato contribuiu para destruir um projeto de poder da esquerda, abrindo espaço para a vigência da extrema-direita.

Neste sentido, a Lava Jato não era apenas uma operação técnica e não ideológica. Era, por assim dizer, um projeto de poder. Indiretamente, ou seja, não de maneira dolosa, e sim culposa, “gerou” um ogro político, Bolsonaro.

Como não há inocentes e iludidos em política, seara do realismo absoluto, Sergio Moro e Deltan Dallagnol — talvez não tenham percepção ampla do que fizeram — se tornaram instrumentos da extrema-direita. Destruíram um sistema, que era corrupto, e abriram espaço para outro sistema, que, além de corrupto, é golpista. O projeto de Lula da Silva e do PT pelo menos é democrático. O que é uma diferença muito grande, na comparação com o bolsonarismo.

Leia sobre outro livro de Luís Nassif