Livro de Judy Blume, “Ei, Deus”, censurado nos EUA chega ao Brasil

14 janeiro 2024 às 00h01

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Ah, o eterno retorno. Fala-se na Idade Média como “idade das trevas”. Critica-se o índex da Igreja Católica. Mas estamos mesmo tão “distantes” dos velhos tempos? Em pleno século 21, o da nova revolução tecnológica — a inteligência artificial na primeira fila da infantaria —, assistimos indivíduos, inclusive da excelência do mundo acadêmico, defendendo que é preciso censurar, em busca de um caminho politicamente correto, obras literárias de alguns escritores, como Roald Dahl e Monteiro Lobato.
Pessoas bem-intencionadas podem, por vezes, serem prejudiciais ao entendimento do que aconteceu no passado, e não apenas em termos de literatura. A história ajustada, quiçá edulcorada — com a eliminação de contradições —, levará à reconstrução do passado de maneira perversa. Se divulgará não mais o que era, o que aconteceu, e sim o que deveria ter sido. E, sendo assim, se terá dificuldades para compreender os fatos e as linguagens de determinadas épocas.
Novas linguagens, criadas para “contornar” o racismo, não devem reconstruir o que aconteceu. O que aconteceu deve ser contado como aconteceu, inclusive com a preservação das linguagens do tempo. Não está se defendendo que o passado e suas linguagens não devem ser criticados. Pelo contrário, a crítica é vital. O que está se sugerindo é que não se ajuste o que ocorreu sob o tacão das ideologias corretivas.

Ao mesmo tempo, os policiais literários, mesmo os bem-intencionados, parecem tratar crianças e adolescentes como seres incapazes de compreender os problemas das sociedades. As pessoas, crianças ou adultas, precisam ter contato com as cruezas do mundo real. Só assim poderão amadurecer. Textos ajustados não criam sociedades melhores — sem racismo, sem violência, sem machismo.
No caso das redes sociais de fato há necessidade de certo controle. Porque há excessos, abusos. Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal e o Parlamento precisam ter o máximo de cuidado. Para evitar a censura da diferença. A “purificação” praticada ou exigida pelas ideologias pode parecer muito positiva, mas, a médio prazo, todos, ou quase todos, estarão reclamando do controle exercido pela Justiça. A busca do mundo perfeito, longe de criá-lo, tende a produzir novas imperfeições.
As redes sociais não podem ser inteiramente livres — no sentido de que as pessoas não podem se sentir não responsáveis por aquilo que publicam —, mas também não podem ser cerceadas de maneira praticamente ditatorial. É preciso preservar a liberdade, sugerindo, porém, (mais) responsabilidade.
Judy Blume e “Ei, Deus, Está Aí? Sou Eu, Margaret”
Voltando aos livros. Na sexta-feira, 12, a “Folha de S. Paulo” publicou entrevista da escritora americana Judy Blume, de 85 anos, concedida à repórter Bárbara Blum.
Na década de 1970, Judy Blume publicou o livro “Ei, Deus, Está Aí? Sou Eu, a Margaret” (Rocco, 176 páginas, tradução de Luísa Geisler). A menina Margaret, de 11 anos, discutia as questões da puberdade (a menstruação, por exemplo). É praticamente um romance de formação. Mesmo assim, acabou sendo banido de bibliotecas escolares da Flórida.

“Nos anos 1970 os Estados Unidos eram muito mais abertos, mas quando ‘Ei, Deus’ foi publicado, doei três cópias para a escola dos meus filhos e o diretor retirou dizendo que era inapropriado”, conta Judy Blume.
O livro seguinte de Judy Blume, “Forever”, foi excluído de algumas escolas da Flórida, Estado governado pelo republicano Ron DeSantis, pré-candidato a presidente dos Estados Unidos, possivelmente contra Joe Biden. A autora é “acusada” de “abordar temáticas sexuais e raciais”. Excluir tais assuntos das obras literárias vai expurgá-los da vida real? Claro que não.
País liberal, que nunca teve uma ditadura, os Estados Unidos passam por uma onda puritana que nem mesmo os democratas no poder conseguem dispersar. A sociedade persegue autores como Maia Kobate (do quadrinho “Gênero Queer”) e Art Spiegelman (autor de “Maus”).
A Pen America, organização pela liberdade de expressão, citada pela “Folha de S. Paulo”, denuncia que “as ações para banir livros cresceram 33% no ano escolar que vai do segundo semestre de 2022 ao primeiro de 2023, em relação ao ano anterior. E 40% dos banimentos se concentram em distritos da Flórida de DeSantis, com 1.406 casos de proibição”.
Judy Blume sublinha que “a censura é uma questão de controle. Os censores querem controlar o que as crianças pensam, mas isso é impossível. Não querem que as crianças vão até eles com perguntas que eles não sabem responder”.
“Ei , Deus” foi levado ao cinema com o título de “Crescendo Juntas”, com as atrizes Abby Ryder Fortson e Rachel McAdams.