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“A Ditadura Acabada” (Intrínseca, 447 páginas), de Elio Gaspari, é o quinto volume de uma série bem-sucedida. O livro contém revelações, mas só tende a percebê-las de maneira mais ampla quem aprecia o ramo dos estudos históricos (e muitos da área não querem apontá-las e, sobretudo, aceitá-las). O segredo do livro está nos detalhes. Onde se encontra informação sobre desentendimento entre o presidente-general Ernesto Geisel e o general Golbery do Couto e Silva? Não há em nenhum outro lugar, especialmente contado com o molho único de Gaspari. O que se sabia é que os dois eram Abel e Abel (não chegaram, claro, a ser Abel e Caim). Não é bem assim. Golbery tentou derrubar o presidente do BNDE (sem S) e Geisel bancou-o. Isto é tão importante assim? Não muito, mas indica que o projeto de distensão-abertura não era mesmo de exclusividade de Golbery e que, de fato, Geisel decidia.
Na página 102 há uma informação que vai chamar a atenção dos historiadores: “Em 1978 a ‘linha dura’, que se associara à máquina repressiva do regime, estava no SNI, comandado por Figueiredo, e nos DOI-CODI. Ela jamais se acercou de Euler”. O general Euler Bentes foi candidato a presidente da República contra João Figueiredo, e pelo MDB. Era, curiosamente, mais duro do que Figueiredo. Não deixa ser interessante: a linha dura com Geisel e, sobretudo, Figueiredo…

Há outras informações interessantíssimas, que revisam, sem explicitar de maneira exibicionista, partes da história do período. Mas a percepção disto é para quem estuda detidamente a história do país. Senão não perceberá o que é novo, único, na obra. Gaspari vai aos arquivos — a crítica dominante é que se trata de arquivos restritos e militares (de Golbery, Heitor Ferreira e Geisel) — e dialoga com a bibliografia e, inclusive, arquivos e jornais. O que não há é servidão à bibliografia. A pesquisa não se restringe aos arquivos de militares e o autor do livro não é “escravo” do material colhido por Golbery e Heitor Ferreira. Ele consultou a bibliografia, pesquisou em arquivos do Brasil e dos Estados Unidos e entrevistou várias pessoas. Na redação, nota-se o distanciamento preciso dos historiadores — inclusive em relação às fontes ditas basilares, Golbery e Heitor Ferreira. Fiquei com a impressão de que, neste volume, Gaspari distancia-se, um pouco mais, de suas fontes essenciais — usando suas informações com mais parcimônia e de maneira mais comparativa.

O quinto volume é um fecho extraordinário, escrito com simplicidade (no sentido de clareza) e sem estardalhaço, quer dizer, as revelações não são apresentadas de maneira explosiva, chocante. Historiadores vão explorar o livro com mais precisão — ao longo dos anos. Por quê? Porque, ao contrário de alguns historiadores, Elio Gaspari teve acesso a fontes exclusivas, inclusive com documentos, entrevistas. Não é livro para ser lido apenas uma vez e de uma sentada — é para ser estudado, verificado, comparado. Mas claro que pode e deve ser lido por qualquer um. Mas o aproveitamento maior só mesmo se o leitor tiver lido, e cuidadosamente, outros livros do período (como os excelentes livros de Ronaldo Costa Couto, Daniel Aarão Reis e Carlos Fico, para citar apenas três estudiosos). Aí saberá o que é novo e o que não é. Há falhas? Possivelmente, como em vários outros livros.

Por que parte da direita e parte da esquerda universitária não apreciam o livro de Gaspari? A primeira, porque o jornalista-historiador, mesmo usando documentos de Golbery e Geisel, não banca a ditadura. A academia, porque Gaspari — que lida muito bem com a pesquisa universitária, citando-a com precisão — é um ente de fora, não é de casa. A universidade é dona do saber, mesmo que diga que está aberta à sabedoria externa. Como pode alguém escrever um livro tão bem-sucedido não tendo a orientação de um mestre ou doutor da universidade? Os mais ranhetas vão discutir a “falta de método”. O raciocínio é mais ou menos este.

O fato é que “A Ditadura Acabada”, com os outros quatro volumes, é uma história incontornável da ditadura civil-militar. Daí o elogio entusiasmado do brilhante historiador britânico Kenneth Maxwell: “Uma história escrita de dentro para fora, repleta de detalhes inesquecíveis”.

Além da pesquisa exaustiva, e muito bem sintetizada (o leitor fica doido por mais informações), Gaspari escreve muito bem, com bossa. Sua fluência verbal é, mais do que de jornalista, de escritor.