José Murillo de Carvalho diz que há risco para a democracia na eleição de 2022

06 junho 2021 às 00h00

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Há possibilidade de, manipulado por Jair Bolsonaro, o Exército não aceitar uma vitória de Lula na próxima disputa eleitoral
José Murilo de Carvalho, de 81 anos, é um dos mais importantes historiadores e cientistas políticos do Brasil. É doutor pela Universidade Stanford e pós-doutor pela Universidade de Londres, deu aulas nos Estados Unidos (Stanford), França (École des Hautes Études en Sciences Sociales) e Londres (Universidade de Londres) e é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É autor de clássicos incontornáveis. “Forças Armadas e Política no Brasil” (Todavia, 320 páginas) é um de seus melhores estudos. No sábado, 5, ante a crise do momento — o Exército, ao não punir o general “insubordinado” Eduardo Pazuello, que participou de comício-motorreata, no Rio de Janeiro, descumpriu suas regras e a Constituição —, José Murilo concedeu uma entrevista importante ao repórter Sérgio Roxo, de “O Globo”.

“O comandante do Exército e o Alto Comando que o assessora se tornaram responsáveis pela quebra de um dos esteios da corporação (o outro é a hierarquia). Tornou-se clara a consequência política negativa da alta presença de militares no governo”, sublinha José Murilo.
Embora o comando do Exército tenha cedido à pressão do presidente Jair Bolsonaro — a vivandeira que produziu a “insubordinação” do general Pazuello —, José Murilo avalia que a força militar se dividiu. “Será inevitável que a não punição de Pazuello gere um grande debate do Exército e também da Marinha e da Aeronáutica. O argumento frequentemente usado pelas Forças Armadas de serem instituições de Estado e não de governo perde credibilidade”, afirma o pesquisador.
Há pouco, os três comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha deixaram os cargos por se recusarem a aceitar as pressões de Bolsonaro. O novo comando, imposto pelo presidente e pelo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto — por sinal, um apóstolo da democracia —, cedeu ao presidente, desrespeitando a si e ao país. “Houve uma capitulação desairosa e desmoralizante para o comandante e perigosa por poder levar à politização da Força, com sérias consequências para o funcionamento da democracia.”

A decisão de não punir Pazuello — que, segundo o general Hamilton Mourão, já aceitara colocar a cabeça sob o “cutelo” — sugere a possibilidade de uma quartelada em 2022? José Murilo diz que “a transformação do Exército em instrumento da política do presidente vai afetar as eleições de 2022. A libertação de Lula da Silva e a possibilidade de que ele se candidate e, mais ainda, vença as eleições, trazem de volta o fantasma de sua eleição que o general Eduardo Villas Boas tentou com êxito exorcizar em 2018. A dificuldade que têm os partidos de centro em montar uma terceira via eleitoral vai contribuir para esse cenário polarizado. As Forças Armadas terão que decidir se vão adotar a linha de Villas Boas, configurando nova intervenção política ou se vão reafirmar o papel que se atribuem de instituição do Estado”.