José Hamilton Ribeiro lança livro que todo repórter tem a obrigação de ler

30 junho 2024 às 00h00

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Só há uma profissão no jornalismo: repórter. Editor é cargo — não é profissão. No Brasil, há vários repórteres notáveis. Na comissão de frente figura José Hamilton Ribeiro, de 88 anos. Até pouco tempo, com mais de 80 anos, fazia reportagens sensacionais para o “Globo Rural” (um dos mais bem-feitos programas jornalísticos da rede da família Marinho).
José Hamilton Ribeiro não é um mero coletor e digitador de fatos. É repórter com “R” maiúsculo. Apaixona-se por aquilo que investiga e, por isso, consegue mostrar os acontecimentos com mestria, precisão — o que leva a uma leitura prazerosa.
O jornalista está lançando uma edição revista e ampliada do livro “O Gosto da Guerra e Outras Reportagens da Revista Realidade” (Companhia das Letras, 256 páginas), com prefácio da repórter Patrícia Campos Mello. Qualquer jornalista que se considere sério deve ler o livro. Se quiser pode, mas não precisa ficar de joelho ante a eminência das reportagens de José Hamilton Ribeiro.

Aos 32 anos, enviado pela revista “Realidade”, José Hamilton Ribeiro marchou para o Vietnã (país pouco menor do que Goiás — o que não significa que seja pequeno; na verdade, o Estado patropi é grande). Lá, cobrindo os fatos de perto, para mostrá-los na sua quentura para os leitores brasileiros, o repórter perdeu a perna esquerda. Pisou numa mina. Acabou na capa da publicação — comovendo os leitores (meu pai, Raul Belém, guardou a revista e a exibia com frequência para os amigos).
Um repórter nunca se aposenta — os fatos e a vida não permitem. Por isso, mesmo morando numa fazenda, em Uberaba, José Hamilton Ribeiro continua lendo livros e devorando jornais. Quem sabe, redigindo suas memórias de repórter — do qual “O Gosto da Guerra” é uma parte substancial.
Espécie de homem-reportagem, José Hamilton Ribeiro ganhou sete prêmios Esso. Leia de novo: sete. Caso raro. Raríssimo. Único, quiçá.
A permanência do coronelismo no Brasil
Estudante de Jornalismo na Cásper Líbero, José Hamilton Ribeiro começou a trabalhar na Rádio Bandeirantes (por sinal, não se formou na área, e sim em Direito). Ele escrevia as reportagens e o locutor só tinha o trabalho de lê-las.

Em seguida, mudou-se de mala e cuia para a redação do jornal “O Tempo”. Em 1956, já escolado pela vida, se tornou repórter da “Folha de S. Paulo”.
Conhecendo seu faro de repórter, Mino Carta levou José Hamilton Ribeiro para a redação da revista “Quatro Rodas”, em 1962. O diretor de redação, que não dirigia automóveis, queria o Repórter — repetindo: com “R” maiúsculo. Em 1968, levou-o para a revista “Veja”.
Para entender o que é a revista “Realidade”, fundada em 1966 pela Editora Abril, o leitor pode ler algumas reportagens da revista “Piauí”. Não são iguais, mas são parecidas, notadamente no aspecto de abrir espaço para reportagens mais elaboradas, de maior fôlego. Lá, como outros profissionais, José Hamilton Ribeiro brilhou intensamente — tornando-se uma de suas estrelas.
Aos 46 anos, na meia idade, aquele notável repórter de texto decidiu testar a televisão. Trabalhou no “Globo Repórter”, no “Fantástico” e se arranchou no “Globo Rural”. Tenho a impressão de que suas reportagens no “Globo Rural” eram sempre maiores do que o escopo do programa. A paixão pela informação precisa e pelas pessoas é evidente nas imagens e textos. José Hamilton Ribeiro era o diamante lapidado do programa.
O jornalista Arnon Gomes escreveu a biografia do escrevinhador: “O Jornalista Mais Premiado do Brasil — A Vida e as Histórias do Repórter José Hamilton Ribeiro” (Eko Gráfica, 256 páginas). O crítico literário Adelto Gonçalves diz que se trata de uma obra qualificada.
Adelto Gonçalves, citando Arnon Gomes, diz que a reportagem preferida de José Hamilton Ribeiro é “Coronel não morre”, que saiu na “Realidade”, em 1965. “Para mostrar como funcionava o coronelismo naquela época, o repórter conseguiu a façanha de acompanhar o dia a dia do fazendeiro Chico Heráclio, grande proprietário de terras e homem politicamente influente em Limoeiro, na zona do agreste de Pernambuco.” (Em “Honra Teu Pai”, o jornalista americano Gay Talese fez algo parecido. Manteve contato direto com uma família de mafiosos americanos, para entender, por dentro, como a máfia funcionava de maneira integral, no dia a dia, e não apenas ao cometer crimes. O livro saiu no Brasil pela Editora Companhia das Letras, com 512 páginas e tradução de Donaldson M. Garschagen.)