Estadão comete erro e diz que Marcelo Pires Perillo, ouvido pela Polícia Federal sobre acusação em Rondônia, é irmão de Marconi Perillo. Não é. Eles não mantêm nenhuma ligação

As redes sociais são Céu e, ao mesmo tempo, Inferno. Permitem e ampliam o contato entre os indivíduos. Sobretudo, abrem espaço para pessoas que não teriam outros lugares para expor suas opiniões, às vezes sensatas e produtivas. Isto é o Céu. Mas há a questão da responsabilidade e, aí, as redes sociais assemelham-se aos processos de linchamento. É o Inferno.

Ao participar de um linchamento, o indivíduo como que se dissolve, tornando-se parte da massa ou turba. Daí acredita-se que se pode tudo, até agredir e matar, pois, se a responsabilidade é coletiva, não haveria crime individual. Dito de outra maneira, não haveria nem mesmo responsável ou responsáveis. O “nós” dilui o “eu” e se torna sinônimo de “ninguém”.

Mas e quando o problema não são apenas as redes sociais — nas quais impera uma desordem supostamente democrática, próxima da anarquia —, mas chega também às publicações consagradas?

Nas redes sociais, ao ler uma “notícia” produzida por uma fonte não confiável, o usuário pode ao menos não replicá-la, evitando que se torne, de algum modo, “viral”. Recentemente, divulgaram no Twitter e no Facebook que o doleiro Alberto Youssef havia sido envenenado e cidadãos de reputação ilibada, iludidos por outros igualmente seriíssimos, replicaram a “notícia”. Aquilo que não era notícia acabou se tornando notícia, ainda que falsa.

Agora, se uma publicação séria, com anos no mercado, publica uma notícia falsa, demorando para corrigi-la, acontece que, em poucos minutos, é repercutida noutros sites e, daí, nas redes sociais — tornando-se quase indesmentível (e fica “circulando” pelo Google, eventualmente sendo reutilizada para fins políticos e outros às vezes inconfessáveis). A chancela de um jornal, como “O Estado de S. Paulo”, com mais de 100 anos, é vital para que se acredite numa notícia. Sites e usuários de redes sociais, sentindo segurança, dados o amparo da história e a credibilidade, replicam as notícias, eventualmente acrescentando comentários pesados e, até, distorcidos.

Porém, diria um Orson Welles patropi, nem tudo é verdade. Na quinta-feira, 20, o “Estadão”, não mais dirigido pela família Mesquita, publicou uma “reportagem”, na qual a única fonte ouvida aparentemente era a Polícia Federal, sobre a Operação Plateias. A PF prendeu pessoas (ou levou-as para depor) que supostamente desviaram R$ 57 milhões do governo de Rondônia. O empresário Marcelo Reis Perillo, apontado como um dos envolvidos no esquema — o secular jornal paulistano não o ouviu —, foi citado como “irmão do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB)”. Em seguida, devido à credibilidade do “Estadão”, ou do “Estadão Conteúdo”, a notícia saiu em vários sites, inclusive no portal da revista “Veja”, e foi replicada num pequeno site de Goiânia.

O que parecia uma grande notícia — um “crime” fica mais interessante e rende mais audiência-leitura quando os envolvidos têm ligações com figuras importantes da República — era, na verdade, uma “informação” falsa. Marcelo Reis Perillo não é irmão de Marconi Perillo. É parente distante. O avô dele é primo (em segundo grau) do avô do tucano-chefe. Não há ligação entre Marcelo e Marconi. Acionado imediatamente, o “Estadão” demorou pelo menos duas horas para fazer a correção e, neste tempo, a notícia espalhou-se por outros sites e redes sociais. Tanto que a revista “Veja” manteve a informação equivocada por mais tempo. O canal Globo News, amparado no texto do jornal paulista, também deu a notícia errada.

O que fazer? Ao acusador cabe o ônus da prova. Se é assim, depois de publicar uma reportagem com informação falha, o responsável, no caso o “Estadão”, deveria fazer o trabalho de “limpar” o nome do agredido da internet. Mas isto não acontece. É o indivíduo com a honra atacada que tem de trabalhar, telefonando e enviando e-mails, para retirar seu nome dos sites e do Google. “Limpar” o nome na internet, se não é impossível, é uma tarefa complicada, muito difícil.

Jornalistas reclamam de políticos que patrocinam ações judiciais, única forma civilizada de resolver pendências, mas não deveriam fazê-lo. Há, claro, excessos e algumas ações nada querem esclarecer. O objetivo de alguns que processam é mais intimidar e evitar que os jornais e jornalistas voltem a veicular determinados assuntos constrangedores. No caso específico, pois a Polícia Federal não repassou nenhuma informação sobre os laços de parentesco entre Marcelo e Marconi — no site da instituição, uma das mais eficientes do País, não há nenhuma informação a respeito; só um texto explicitando o objetivo da operação —, bastava o “Estadão” cumprir uma regra fundamental do bom jornalismo, ou seja, ouvir o outro lado. Uma ligação, que não atrasaria a publicação da reportagem em mais do que cinco minutos, poderia ter dado outro rumo à reportagem. Ou será que, na Corte, pensa-se mais ou menos assim: por que ouvir a voz de gente que mora lá no Último Mundo, na província?