Jornais online copiam textos que estão bombando e deixam de produzir conteúdo próprio

24 fevereiro 2018 às 13h32

COMPARTILHAR
Meios de comunicação que não produzem conteúdo exclusivo estão perdendo credibilidade e leitores
Na semana passada, dei uma palestra no Tribunal de Contas dos Municípios sobre a Imprensa e a Operação Lava Jato. Ao término, uma pessoa pediu meu telefone e enviou uma mensagem, via WhatsApp: “Como você avalia os jornais online do país?” Não é fácil responder. Porque, apesar de consultar alguns jornais — sou assinante do “Estadão”, da “Folha” (via UOL), do “Zero Hora”, todos exclusivamente na internet, da “Veja” e da “Piauí”, no formato impresso —, nunca os estudei de maneira comparativa com a finalidade de retirar conclusões detidas. Arrisco, porém, um breve comentário e friso que o “problema” é nacional, não ocorre apenas em Goiás.
Os jornais online estão se tornando escravos uns dos outros, quer dizer, estão se repetindo. Ocorre mais ou menos assim: os repórteres e editores verificam o que está “bombando” na rede e aí “cozinham” os textos e publicam (junto com vídeos inescapáveis), com ligeiras alterações — para não configurar plágio. Há exceções, aqui e ali, mas a regra é a descrita. Como ficam sabendo que o assunto é quente? Nem precisam consultar as redes sociais ou as listas das reportagens mais lidas. Basta perceber o potencial do escândalo e postar uma “reportagem” (que nada tem de reportagem, embora seja publicada como tal; na verdade, é pura “recortagem”). Depois, para potencializá-la, “é” preciso publicar outra matéria que, mesmo sem acrescentar nenhuma informação nova ou relevante, mantenha o assunto aceso, em voga.
A regra, portanto, é a reprodução dos textos alheios, com enfoques idênticos — e raramente com o acréscimo de algumas análises (até os erros, mesmo quando evidentes, são repetidos).
Há uma saída que, embora simples, tem sido ignorada: a produção de textos próprios, de reportagens de qualidade, menos apressadas. A redação pode escalonar os serviços. Um grupo cuida do factual, daquilo que precisa ser publicado imediatamente, e outro grupo trabalha com textos mais bem elaboradas (aliás, mesmo o factual pode ser mais bem elaborado e ter mais vida, sem menos burocrático). As equipes podem se revezar. Jornais que não produzem conteúdo próprio pouco a pouco vão perdendo credibilidade e, anote, leitores.
Há outro problema: não dá a mínima vontade de ler a maioria das publicações online — dada a indigência dos textos, em geral redigidos num português estropiado (a linguagem é quase sempre bélica: as pessoas não “dizem”, não “afirmam” — elas “detonam”, “fuzilam”, “disparam”. Usa-se “através” quando o correto é “por meio de” ou “por intermédio”). O vocabulário é de uma pobreza franciscana. As reportagens são “desmotivadas” e cópias literais — o que denota falta de esforço dos repórteres — de “relatórios” enviados pelas fontes. As fontes, se são mesmo fontes, são, no geral, os verdadeiros repórteres.
Há um vício que, talvez iniciado em “O Popular”, começa a fazer escola. Se um indivíduo que assediou uma mulher é rico — um médico, como aconteceu recentemente —, os jornais, não só as versões onlines, não publicam seus nomes. Como se houvesse crime sem criminoso definido. A tese dos que não publicam os nomes parece pertinente: as pessoas são suspeitas, não são, a rigor, acusadas e muito menos condenadas. Seria lógico, é claro, se a norma servisse para todos, e não para pessoas consideradas socialmente “importantes” — ao menos para alguns repórteres, editores e proprietários de jornais “seletivos”.
Outra questão me parece crucial: os jornais precisam divulgar de maneira adequada a sua produção de qualidade, e não apenas o lixo que copia sem reciclar. Quem publica apenas joio um dia se torna joio. Quem edita e dirige jornais deveria ler com atenção o que se disse e sugeriu acima.