Jornais fingem não entender simpatia do público por Luigi Mangione
15 dezembro 2024 às 00h00
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Na segunda-feira, 9, a polícia americana prendeu Luigi Mangione, suspeito de assassinar Brian Thompson, CEO da seguradora de saúde UnitedHealthcare. Primeiro nos Estados Unidos e depois no Brasil, a imprensa ignorou enquanto pôde a celebração de Mangione como Folk Hero. Na realidade, a cobertura foi protocolar, com o familiar tom de reprovação genérica à violência urbana. Entretanto, o clamor cresceu tanto que desconsiderar o fenômeno se tornou impossível, e jornais foram obrigados a refletir sobre o assunto.
Parte da imprensa fingiu perplexidade, parte julgou o público com condescendência. O Fato é que as doações para Luigi Mangione pagar sua defesa ultrapassam R$ 490 mil em poucas horas. Vale a pena refletir honestamente sobre a exaltação do bandido como herói popular, que comove os Estados Unidos desde Bonnie e Clyde, o Brasil desde Lampião, o México desde Pancho Villa, etc.
Cabe lembrar que, antes da revelação de que Luigi Mangione é herdeiro de uma influente família de Maryland, ele surgiu na atenção do público como um jovem universitário comum, apenas mais bonito e instruído do que a média. Em seu perfil no X, exibia a radiografia de uma coluna com pinos. As cápsulas das balas que usou no homicídio tinham as palavras Delay, Deny, Defend (atrase, recuse, defenda) — uma referência ao livro de mesmo nome sobre como companhias de seguro de saúde ganham dinheiro ao atrasar e recusar serviços e defendendo-se de processos.
No imaginário do público, Luigi Mangione já tinha sido injustiçado pelo sistema de saúde, como tantos outros americanos. Como Ted Kaczynski, o Unabomber, ele também deixou um manifesto. Mangione resolveu cometer um ato político, encarnando o ressentimento popular e a vingança por uma causa maior.
Por que o atentado contra a vida de um CEO sobre quem pouco se sabe foi visto como justo? Em parte, porque, quando as pessoas se convencem de que estão perdendo e que não têm poder para mudar o jogo, a violência parece razoável. A maioria dos americanos sabe que não importam as eleições; nem Harris nem Trump têm interesse de mudar a relação das seguradoras de saúde com os clientes que lhes entregam todas as suas economias de vida mas têm suas reivindicações recusadas quando mais precisam.
A citação de John F. Kennedy se aplica: “Aqueles que tornam a revolução pacífica impossível, tornam a revolução violenta inevitável.” Em 1933, quando a grande depressão assolou os EUA, líderes políticos e empresariais temiam a revolução e a anarquia. Franklin Roosevelt atendeu a principal demanda — aquela por oportunidades — via investimento estatal em infraestrutura, para criar empregos na construção civil. Quando há alternativa, a maior parte das pessoas escolhe seguir as regras.
Outra parte do apoio a Mangione se explica pela reação das corporações (inclusive de jornalismo) ao crime. Com moralismo, como se fosse papel da imprensa esclarecer aos leitores que crimes são maus, se insinuou que as pessoas não tinham razão para se sentir revoltadas com a forma como vêm sendo tratadas em um país com enormes problemas de saúde pública.
No Brasil, onde o Estado é mais presente e as grandes corporações não são tão associadas à exploração do cidadão comum, é difícil imaginar um Luigi Mangione recebendo solidariedade por atirar em diretores de empresas. Segundo pesquisa de novembro de 2024 do instituto Ipsos, a classe profissional menos confiável é a dos políticos.