Jorge Caldeira investiga causas da riqueza no Brasil e vira Celso Furtado de cabeça pra baixo
18 novembro 2017 às 23h51
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A interpretação de nossa história equivale à construção da identidade nacional; se é elaborada de modo a ressaltar o seu atraso, institui uma identificação com esse abjeto atraso
Everaldo Leite
Especial para o Jornal Opção
Nem todos sabem que o livro “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, nasceu com um título mais extenso e luminoso, quando, em 1776, foi batizado como “Uma Investigação Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”. Talvez, por princípios mercadológicos, resolveram abreviar. Não que a obra não tenha tido boa receptividade entre os leitores, ela se tornou rapidamente um best-seller assim que foi publicada e o autor viu o seu livro traduzido para quase todas as línguas europeias. No Brasil do século 19 seu mais atentíssimo leitor foi ninguém menos que Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá. De fato, até hoje é edição obrigatória em qualquer biblioteca razoável. Pensando em Smith, acho até meio esquisito que alcunhem a economia como ciência da escassez, sabendo-se que sua primeira grande análise foi justamente sobre a riqueza dos homens. A divisão social do trabalho, a produtividade industrial e a “mão invisível” do mercado ainda não tinham sido registradas formalmente até que aquele escocês solteirão se interessou por elas. Ele foi o primeiro pensador moral a descrever, com argumentos refinados, acerca do funcionamento real da sociedade industrial, sobre como certos indivíduos se destacam na coordenação dos fatores necessários à produção e, atendendo aos seus próprios interesses, como estes atendem muitos outros ao seu redor. Ora, não que não existisse escassez nesse processo, mas o filósofo-economista acreditou ser mais conveniente investigar porque algumas nações prosperavam mais rapidamente que outras, ou porque algumas regras econômicas eram como leis naturais que, se fossem desconsideradas, trariam efeitos danosos ao seu subversor. A Inglaterra enriquecia fortemente na esteira da revolução, uma nova conduta humana caminhava para formar um novo paradigma civilizatório e Adam Smith não iria perder grande parte de seu tempo cuidando da falta onde se tencionava a abundância.
Ademais, elogiar Smith é um tributo necessário. Sem ele seria absurdamente difícil se pensar na história econômica de uma nação, já que não saberíamos que variáveis deveríamos observar. O economista não foi o inventor das contas nacionais, mas deixou claras muitas características que deveríamos considerar antes de sairmos por aí comemorando ou lamentando nossa existência como país. Por exemplo, acreditar que a simples divisão do trabalho seria suficiente para formar riqueza é uma estultice caso essa análise não viesse acompanhada de uma avaliação quanto ao grau de liberdade do mercado. Isto é Adam Smith! Mas se tornou também os outros “espartanos” que vieram depois, David Ricardo, Stuart Mill, Hayek, Friedman. Hoje trabalhamos com vários dados, mas para quem pensa em fazer um estudo sobre nossa riqueza o conhecimento de Smith pode ser necessário. Obviamente, a técnica de investigação foi bastante aperfeiçoada desde “A Riqueza das Nações” e outras dimensões sociais também passaram a ser notadas nas considerações sobre enriquecimento ou empobrecimento de um povo. Devemos dizer, com muita humildade, que em economia muita coisa agora tem a ver com muita coisa. Se a imprensa, de modo simplista, afirma que um país está se desenvolvendo porque verifica um crescimento do PIB, é possível que essa constatação seja falsa se não examinarmos também o comportamento da população, que pode estar crescendo num ritmo ainda maior que a sua produção, no mesmo período, fazendo desse mesmo país um lugar cada vez mais pobre. Quanto mais dados estatísticos, mais observações empíricas e mais variáveis forem sendo adicionadas nas planilhas, menos complicado se tornará compreender a conjuntura socioeconômica do país e sua dinâmica em comparação com outros países. Aliás, esse tipo de pesquisa já pode abranger escalas diversas, como regiões menores, de modo bastante objetivo, para melhor compreensão dos interessados sobre à quantas anda nossa vida material nesse mundo, que para alguns é o Jardim do Éden e para muitos é realmente o vale de lágrimas.
Celso Furtado
“Em economia muita coisa tem a ver com muita coisa”, apesar de Karl Marx. A frase servirá bem a este ensaio, que encara a agradável tarefa de falar sobre o livro “História da Riqueza no Brasil — Cinco Séculos de Pessoas, Costumes e Governos”, do sociólogo Jorge Caldeira, autor que enfrenta o mesmo desafio de Smith em colocar os pingos nos is no entendimento sobre a riqueza da nação, no caso específico acerca da formação econômica do nosso país, mas finalmente retirando de cena todo o véu ideológico que até então vinha obnubilando nossa percepção histórica. De fato, se Smith e Marx não poderiam frequentar uma festa de aniversário sem a coisa dar em deus-nos-acuda, certamente, e pelos mesmos motivos, hoje não seria boa ideia convidar Jorge Caldeira e os historiadores econômicos tradicionais para uma festa de fim de ano, pois a confusão poderia iniciar por causa de uma coxa de peru e terminar com dedo no olho. Explico.
Tudo começa no século 20, quando se iniciou a busca acadêmica por uma narrativa que desse conta da formação econômica brasileira. Havia um problema sério para a época, os dados e documentos que existiam à disposição eram frágeis em seu teor e fragmentários. Para interpretá-los os pesquisadores pioneiros se fundamentaram sem reservas em teorias sociais, ideologias ou em qualquer coisa que pudesse complementar os seus apontamentos, daí que grande parte não teve nenhuma dúvida em lançar mão de teses marxistas na elaboração de suas explicações. Estava na ordem do dia. Os historiadores, de modo geral, já faziam isso, os historiadores da economia somente prosseguiram com o que iria se tornar a tradição.
Primeiro, com Celso Furtado — herdeiro intelectual de Caio Prado Júnior (que exerceu forte influência em várias gerações de historiadores) —, cujo o pequeno livro “Formação Econômica do Brasil” (1959) constituiu nas últimas cinco décadas o saber essencial de cada estudante de ciências econômicas sobre o tema. O tom lúgubre dos seus capítulos e dos seus argumentos, em quase todos os períodos históricos, é no geral a historieta de um povo passivo e sujeitado aos ditames espoliativos e ditatoriais da metrópole. Sua perspectiva é inconfundível, é a da lógica da luta de classes, com todos os seus atores essenciais. Aqui a mais-valia coletiva de todo o país se dirigiria integralmente para as mãos da classe dominante europeia, sobrando aos brasileiros explorados a infernal subsistência. Dos trabalhadores ao povo, dos capitalistas à metrópole, Furtado só precisou expandir o ladrilho do marxismo até à proporção que lhe interessava.
Segundo, pela narrativa furtadista e caiopradista de outros autores e acadêmicos não menos influentes, como Ruy Mauro Marini, Florestan Fernandes, Maria da Conceição Tavares, Wilson Cano, João Manuel Cardoso de Mello, que, sob o efeito dos mesmos cacoetes marxistas, acabaram por “definir” as diversas condições políticas e econômicas posteriores do país — superexploração, subdesenvolvimento, dependência — como consequências diretas de um hediondo e maniqueísta “pré-requisito” colonial. “E daí?” — os ingênuos poderiam questionar.
Ora, tais historiadores da economia nacional, se não intencionavam construir um conhecimento mais concreto, conseguiram instituir vitoriosamente uma tradição, agora reproduzível ad nauseam em livros didáticos, paradidáticos e, por Zeus!, até em discursos oficiais. Isso não é pouco, fez com que a maioria de nossas gentes tivesse a convicção de que o nosso país fracassa desde suas raízes, que a culpa de nossas incongruências atuais é toda do capitalismo internacional e que o inferno são os outros. Quem entre nós um dia não culpou os portugueses, os ingleses, os americanos por nossas contradições? Conforme essa tradição, nossa história econômica só existiria efetivamente em função da economia desenvolvida de outros países. Pelos seus dizeres, ao se realizar aqui, desde o “ciclo do pau-brasil” até o “ciclo do café”, uma produção europeia “para” a economia europeia, o Brasil não passaria de um fator de produção de menor importância, como a terra. (Não vou nem me referir a certos historiadores que lidam com a história colonial como sendo parte da história de Portugal.) Para aqueles autores a estrutura existente e preexistente no território, todos os povos que aqui moravam, incluindo os nativos, e toda a relação comercial interna — que hoje sabemos, interagia e enriquecia muito além das exportações — não eram motivo suficiente para ser incluídas em quaisquer análises da formação econômica do Brasil.
Não por acaso, a nação se tornou um Brasil sem brasileiros, com empresas sem empreendedores, de produção e distribuição sem acumulação interna, resultando numa espécie de teoria do vitimismo colonial (as choramingadas teorias centro-periferia e do círculo vicioso da pobreza) que transcorreria desde a aurora de nossa história até os contornos recentes e mais complexos de nosso tardio processo de industrialização. O que é péssimo, visto que a interpretação de nossa história equivale à construção de nossa identidade nacional, e se ela é elaborada de modo a ressaltar dissimuladamente o seu atraso, sua sujeição abjeta, atribuindo a outros países a responsabilidade disto, ela institui, de modo óbvio, uma identificação com esse abjeto atraso. Mas precisa ser assim? Até quando?
Colônia produtiva
Nossa satisfação é saber que um dia, para o bem ou para o mal, tudo muda, por adaptação ou por extinção. E o que se verifica hoje é que vários estudiosos estão próximos de realizar uma grande reforma estrutural nessa história e no que pensamos sobre ela. São novos pesquisadores que, desvencilhados das amarras marxistas, se apoiando na ciência, na tecnologia da informação e em novas técnicas quantitativas, já vêm cuidadosamente reescrevendo páginas importantes da formação econômica do Brasil, modificando e relocalizando as fundações que sustentaram até então a corroída tradição. E é nesse sentido que se destaca o nome de Jorge Caldeira, intelectual de primeira grandeza que se esmerou na pesquisa sobre a história e as histórias do Brasil, publicando diversos livros sobre o assunto, como “A Nação Mercantilista”, “História do Brasil com Empreendedores”, “Nem Céu Nem Inferno”, e, o mais recente, “História da Riqueza no Brasil”. Com tratamento metodológico inovador, instituído por Stanley Engerman e Robert Fogel no estudo da escravidão nos EUA, Caldeira realizou novas pesquisas que levaram em consideração uma imensidade de dados quantitativos e o emprego destes pela estatística e a econometria (técnica econômica de análise de dados não-experimentais), vinculando-os assertivamente aos novos conhecimentos da antropologia, especialmente aos publicados pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Com efeito, sua interpretação nos leva a uma série de indícios importantes sobre o Brasil colônia: a economia do sertão era mercantil; o mundo dos negócios era fundado em mecanismos informais (por exemplo, “todo o sistema de crédito, mesmo em grandes transações, fundava-se na instituição do fiado”); a democracia era o fundamento da vida política; a estratégia de atrair genros entregando uma filha em casamento era uma herança Tupi e a verdadeira fonte da miscigenação brasileira. Para Caldeira, e essa é a melhor de suas conclusões, geramos aqui naquele período uma economia dinâmica, uma política eficiente e uma sociedade inovadora, quer dizer, nossa história, a princípio, foi o contrário da versão interpretativa da colônia exportadora, que fantasiava uma economia interior da colônia completamente despida de dinâmica própria.
É evidente que o trabalho de Jorge Caldeira não significa um salto do vitimismo esdrúxulo para o otimismo embasbacado, e é isso que é importante nessa revisitação à formação econômica do Brasil. De agora em diante não precisaremos mais lê-la apenas pela ótica do extremo ideológico, mas também como o resultado efetivo de pesquisas que utilizam uma metodologia científica mais bem calibrada. Não conseguiremos salvar a população nativa do morticínio por gripes, sarampo e varíola, ou da escravidão, do avanço da civilização ocidental e das guerras intertribais estimuladas por colonizadores europeus. Mas também não os deixaremos de fora do processo social, político e econômico que determinou a nossa história.
Sociedade aberta
Índios Tupi foram detentores de diferenciais tecnológicos importantes para o cultivo, hibridismo e manutenção de estoques de segurança de sementes e variedades mais produtivas, que acabaram sendo universalizados através dos europeus. O encontro com estes, na verdade, gerou uma melhoria em sua economia, “com a introdução de uma produção regular de excedentes para troca – e o comércio de produtos vindos de fora, até então muito limitado, passou a fazer parte das vidas e dos planos cotidianos dos grupos Tupi que passaram a consumir produtos de ferro importados”, permitindo a eles poupar tempo de trabalho e ampliar a sua produção agrícola em outros locais. Encontro de povos que também veio acompanhado de uma reestruturação social, que foi a incorporação dos europeus empreendedores aos grupos indígenas não menos empreendedores através do casamento. Tornando-se genros, nossos portugueses abrasileirados ampliaram as suas atividades econômicas, ao mesmo tempo que se adaptaram ao modo de vida Tupi-Guarani, aprendendo a olhar para dentro do país – para o chamado sertão – com desejo de enriquecimento e, quiçá, imaginando a possibilidade real de criação de um mercado interno conveniente.
Uma sociedade aberta, multicultural e não resistente à jornada de mudanças, não são essas as características que marcaram o Brasil desde o encontro entre índios e europeus? Em seu livro “História do Brasil com Empreendedores”, Jorge Caldeira assevera que “raríssimos estudiosos consideraram que a forma específica que se pode atribuir à junção do verbo ‘empreender’ com o substantivo ‘Brasil’ seja o produto também de um gesto deliberado dos tupi-guarani de abrir as portas de casa para aqueles que se lançavam a uma nova vida, para se lançar no caminho. E deram conteúdo a essa aceitação pelo casamento – capaz de gerar uma nova identidade empreendedora para ambos os lados”. Não seria possível alcançar o crescimento econômico do país, experimentado durante o seu período colonial, sem colocar em evidência tais particularidades brasileiras.
Aliás, a colônia foi muito mais bem-sucedida economicamente do que se possa pensar. Do sul ao norte do país os circuitos de produção e distribuição se ampliaram em progressão vertiginosa, elevando extraordinariamente o consumo interno de fumo, açúcar, aguardente, trigo, algodão, arroz, charque, óleo de baleia, erva-mate, mulas e cavalos para tropeiros, farinhas, milho, feijão, toucinho e das chamadas drogas do sertão. Face à escassez de moeda, as trocas eram realizadas com o uso de escravos africanos, o que fez com que a sua demografia se elevasse expressivamente por grande parte do país. Esse volume de negócios não era contabilizado pela metrópole, que só tinha interesse em seu superávit comercial, o que suscitou a ideia de um mercado interno morto ou de uma economia de subsistência no Brasil. Caldeira, ao contrário, sedimenta, na “História da Riqueza no Brasil”, uma ponte que avança desde os primeiros encontros entre índios e europeus até os dias atuais sem se apoiar na muleta dos ciclos econômicos, tese que na realidade nunca exibiu a verdadeira dimensão da economia nacional. Por isso, mesmo estando presentes o pau-brasil, a cana-de-açúcar, o ouro, o algodão, o café e a borracha, tais produtos, que serviram fielmente às atividades de exportação, eram cada qual somente mais um produto entre tantos outros que circulavam na nação.
O centro de análise da tradição foi sempre o das exportações, é o que nos induzia a continuar olhando para a metrópole como sendo um tipo de capitalista que nos oprime e explora, enviando de volta espelhos e machados. O que me fez recordar que há pouco tempo um jornalista, acredito que fiel à tradição, me disse que o agronegócio seria uma atividade voltada para atender somente os interesses da Europa, dos EUA e dos chineses, já que não consumíamos soja por aqui. Faltou a ele observar os números. A exportação de soja em grão, da safra 2016/2017, foi de 51,6 milhões de toneladas, um número realmente expressivo, mas não tão distante do consumo interno de grãos de soja, que foi de 47,3 milhões de toneladas no mesmo período. O jornalista, por não conhecer cadeias produtivas do agronegócio, ignora o que faz frangos, suínos e bovinos engordarem tanto em tão pouco tempo. Desconhecendo, também, o grande volume dos mesmos sendo distribuídos pelos supermercados, açougues e feiras livres, para alimentar a população brasileira, de norte a sul, de leste a oeste.
As exportações são importantes, porque apresentam nossas vantagens comparativas e competitivas ao mundo, possibilitando um equilíbrio na balança comercial, mas o consumo interno sempre foi essencial para o país. No Brasil colonial era assim. Porém, se inexistia um bom grau de liberdade comercial em relação ao mercado internacional, havia liberdade de sobra para que toda aquela diversidade de produtos circulasse por nosso vastíssimo território, engendrando um ambiente de trocas que favoreceria a nossa primeira acumulação de riquezas.
Caldeira fala de brasileiros que empreenderam de forma bastante moderna ainda no século 17, como o capitão Guilherme Pompeu de Almeida, que “acumulou seu primeiro capital introduzindo uma novidade técnica para os padrões do tempo: dando escala ao trabalho numa manufatura de escravos”, e multiplicando-o ao fornecer “o produto a um mercado em que as trocas, feitas com índios, não tinham expressão monetária direta – mas de onde ele arrancava dinheiro e o transformava em capital”. Almeida se tornou uma espécie de banqueiro de investimentos do seu tempo (o BNDES não existia nem em sonhos) e a gestão do capital acumulado foi seu maior ativo econômico. Ora, isso mostra que as oportunidades comerciais internas abriram portas para que comerciantes que acumulavam dinheiro investissem na aplicação deste como capital em negócios de terceiros. O empreendedorismo é aqui! Milhas e milhas distante da velha Coroa Portuguesa, pode ter sido aquela época a maior experiência liberal que o Brasil tenha vivenciado em toda a sua história.
Um extenso território, com províncias e capitanias afastadas umas das outras, onde as economias locais exerciam atividades quase vocacionadas, propiciava negócios internos análogos a negócios entre países soberanos que falam a mesma língua. Aliás, até a metade do século 18 o idioma mais utilizado por aqui era o tupi, e foi por intermédio dessa língua que os nossos empreendedores, desde os genros dos Tupi, realizaram seus negócios em todo o território nacional. Não deveria surpreender, portanto, quando, no início dos anos 1800, o Brasil se provou uma economia efetivamente mais vigorosa que a de Portugal, sua metrópole.
O escocês Adam Smith, se soubesse o que estava acontecendo em nosso território, certamente olharia para cá com bons olhos, entendendo que logo entraríamos numa era de industrialização e de desenvolvimento de uma economia aberta de mercado. Infelizmente isso não ocorreu, nem Smith olhou para cá, nem o país deslanchou. Aconteceu o pior, o Brasil Império não entendeu bem o novo momento do mundo pós-revolução industrial e apostou dinheiro e tempo demais no lamentável escravagismo. Apostou errado, é evidente. Durante o império até 1890 fomos um fracasso em crescimento. Tivemos, logo após, muita sorte com os preços internacionais do café e com a implementação de alguma indústria.
Em 1930 padecemos com a crise internacional advinda da quebra da bolsa de Nova York, mas recuperamos fortemente a boa dinâmica econômica e crescemos muito — através do fechamento da economia e do processo internalizador da industrialização —, isso pelo menos até o início dos anos 1970. Os sucessivos ciclos macroeconômicos então encurtaram nosso fôlego e voltamos rapidamente ao declínio, e depois ao êxito, e ao declínio, e ao êxito, e ao declínio, onde estamos hoje.
Não respondemos positivamente à globalização e, se há 40 anos crescíamos mais do que a China, agora crescemos menos do que a maioria dos nossos países vizinhos. Pior, ainda somos subdesenvolvidos e habituados à desigualdade. Atualmente, em função de nossa crise, que vai mais além da econômica, muitos se perguntam se um dia o Brasil será um país desenvolvido, ou se conseguiremos atingir um certo equilíbrio satisfatório. Poucos se lembram de olhar para a história e ver como nossa identidade veio sendo edificada, como o empreendedorismo vem sendo importante interna e externamente para produzir riqueza nesta nação, como a visão sobre nós mesmos pode ser mais interessante do que revelava a tradição, como podemos nos erguer a partir daqui e não necessariamente após uma revolução exótica.
Se algo fica muito claro ao lermos “História da Riqueza no Brasil”, é que nós os brasileiros, não podemos mais ficar culpando os outros pelas nossas falhas, que são muitas como foram nossos êxitos, e sim devemos nos voltar para nossas possibilidades de autotransformação face ao mundo, o mesmo mundo que já acolhemos durante cinco séculos dentro de nós pela miscigenação.
Everaldo Leite, economista, é colaborador do Jornal Opção.