Javier Marías: “O importante para mim é o ritmo da prosa, a ‘melodia’”
13 setembro 2022 às 12h45
COMPARTILHAR
O escritor espanhol Javier Marías Franco (claro, não usava o sobrenome — e não era parente do ditador Francisco Franco, que perseguiu seu pai, o filósofo Julián Mariás) morreu no domingo, 11. Ele, que estava internado com pneumonia, tinha 70 anos. Num pequeno texto publicado na Espanha, Fernando Savater diz que o considerava “jovem”. Eternamente jovem.
Diferentemente de outros homens, os escritores morrem, mas, de alguma maneira, permanecem vivos, por causa de seu livros e ideias. No Brasil, felizmente, a obra de Javier Marías tem sido publicada com capricho pela Editora Companhia das Letras — com traduções esmeradas (de Eduardo Brandão, que capturou à perfeição o ritmo da frase do autor).
A trilogia “Seu Rosto Amanhã” (“Febre e Lança”, “Dança e Sonho” e “Veneno, Sombra e Adeus”) é extraordinária. A Academia Sueca deveria ter dado o Nobel de Literatura a Javier Marías pelas mais de mil páginas, digamos, celestiais. Infelizmente, morreu sem ter ganhado o Nobel, que só ajuda os autores por um fato: seus livros se tornam mais lidos e, sobretudo, reconhecidos. A obra do madrilenho não é fácil, mas é muito lida — o que prova que vale escrever sem fazer concessões ao vulgar.
Há outros livros excelentes de Javier Marías, como “O Homem Sentimental”, “Os Enamoramentos”, “Coração Tão Branco”, “Assim Começa o Mal”, “Negro Dorso do Tempo”, “Amanhã, na Batalha, Pensa em Mim” e, o último publicado no Brasil, “Berta Isla” (“Tomás Nevinson”, de 688 páginas, ainda não saiu no Brasil. Tem sido elogiado na imprensa europeia).
A obra do madrilenho não é fácil, mas é muito lida — o que prova que vale escrever sem fazer concessões ao vulgar
Aos 19 anos, Javier Marías lançou seu primeiro romance, “Os Domínios do Lobo” (do qual não se envergonhava). Ele o escreveu em Paris, quando morava com o tio Jesús Franco (Jess Franco), diretor de cinema. O escritor “imberbe” fez traduções de roteiros sobre Drácula para o parente.
Autor de 16 romances (mais de 30 livros — inclusive de ensaios de crítica literária e textos biográficos de escritores, como Faulkner, uma das de suas paixões), Javier Marías também foi professor universitário, inclusive em Oxford, onde deu aulas sobre tradução (ele era competente tradutor de obras literárias escritas em inglês). “Todas as Almas” (publicado Brasil pela Martins Fontes, com tradução precisa de Monica Stahel) é um romance sobre, digamos, a vida na famosa universidade inglesa. Um retrato, claro, ficcional, e, talvez por isto, vívido.
Numa entrevista ao jornal “O Globo”, em 2015, ele apontou a musicalidade de seu estilo literário: “As frases podem ser boas de qualquer maneira: breves, medianas, longas, líricas, descritivas, abruptas, concisas, um pouco enfeitadas… Tendo à frase longa e complexa, porque geralmente o que tenho a expressar é complexo, sobretudo nas digressões e reflexões que abundam em meus romances. Mas de vez em quando uso também frases curtas. O importante para mim é o ritmo da prosa, a ‘melodia’. Sou capaz de refazer uma página porque me parece que em dado momento preciso de mais três sílabas, ou uma palavra esdrúxula, ou um terceiro adjetivo. Às vezes tenho a sensação de escrever prosa com a paciência e o senso de ritmo com que o poeta escreve seus versos”.
Quando “Assim Começa o Mal” foi lançado no Brasil, Javier Marías disse ao “Globo”: “A ficção narra o passado de modo distinto da História. E na imaginação coletiva perdura muito mais o que foi ‘visitado’ pela ficção do que o que não foi. Sempre gostei de uma frase de Karen Blixen, algo assim como: é preciso imaginar o vivido, além de viver, e é preciso saber contá-lo como se fosse uma história; só assim chegamos a entendê-lo de verdade. Só quando se passa algum tempo é que podemos ter perspectiva para ver as coisas ‘terminadas’”.