Ítalo-brasileiro aplica golpe do casamento no filósofo Gianni Vattimo pra ficar com herança

19 fevereiro 2023 às 00h00

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Uma história comove a Europa neste momento: o filósofo italiano Gianni Vattimo, de 87 anos, estaria sendo “explorado” pelo ítalo-brasileiro Simone Caminada, de 38 anos — 49 anos mais jovem.
Gianni Vattimo é apontado como o mais importante filósofo da Itália nos séculos 20 e 21, “autor da teoria do ‘pensamento fraco’ e um dos mais importantes representantes da corrente pós-moderna”, assinala Ángel Gómez Fuentes, do jornal espanhol “Abc”, em reportagem publicada na quarta-feira, 15, com o título de “La fragilidade por amor do padre del pensamento débil, enganado por un hombre 49 años más joven” (“A fragilidade por amor do pai do pensamento fraco, enganado por um homem 49 anos mais jovem”).
Numa cadeira de rodas, Gianni Vattimo não está bem de saúde, de acordo com “Abc”. Ele está envolvido num processo judicial e, ainda assim, não se considera “vítima”.
O Tribunal de Justiça de Turim, onde vive Gianni Vattimo, condenou Simone Caminada a dois anos de prisão. O ítalo-brasileiro, companheiro e faz-tudo do filósofo, é acusado de ter enganado o parceiro.

Simone Caminada teria “induzido” Gianni Vattimo a se casar com ele com o objetivo de ficar com sua herança. “Perfeitamente consciente da situação de fragilidade do filósofo, em condições de ser sugestionável, [Caminada] se aproveitou dele”, sustenta a promotoria de Justiça — que pediu quatro anos de prisão para o ítalo-brasileiro. A Justiça decidiu por dois anos. Na sentença, o magistrado anotou: “[Caminada] Pensa no dinheiro, para converter-se em herdeiro universal. Ele ganhou a confiança de Vattimo, tornando-se o filtro de suas comunicações, o isolou e o excluiu da vida social”.
Segundo o “Abc”, Simone Caminada “havia posto em seu nome apólices de seguro de vida no valor de 450.000 euros, utilizava o cartão de crédito [de Gianni Vattimo] e se apropriou de bens, entre eles um caderno de notas de Fidel Castro”.
O Tribunal de Justiça determinou que Gianni Vattimo não deve continuar casado com Simone Caminada. Porém, o filósofo reagiu de maneira firme contra a sentença da Justiça: “Entre Simone e eu há um amor estável, quero casar-me com ele e será meu único herdeiro”. O mestre italiano teria consciência do que está dizendo? Talvez sim, talvez não. Se restar-lhe alguma lucidez, é um direito dele fazer o que quiser com seus bens. Pelo que disse, avalio que preserva sua sanidade e, portanto, a faculdade de julgar o certo e o errado.

Simone Caminada afirma, peremptório: “Não me arrependo de nada. Para nós, tudo segue igual, não muda nada”.
O cristão Gianni Vattimo não esconde sua homossexualidade. Em entrevista ao jornal “La Stampa”, o filósofo sugere que sua condição de homossexual influiu na decisão do Tribunal de Justiça. “Estamos na mira porque somos gays”, enfatizou. Não estaria em julgamento sua suposta “incapacidade mental”, e sim o relacionamento entre dois homens.
Porém, no julgamento, o juiz Dionigi Tiboni disse: “Aqui não estamos falando de liberdade e amor. E a homossexualidade não tem nada a ver. Assim como a generosidade, as escolhas de vida, a filosofia, não têm nada a ver. Só estamos julgando condutas que constituem um delito”.
No Tribunal de Turim, Simone Caminada compareceu vestido num casaco de pele, ao lado de um repórter de sua confiança que, sob suas ordens, filmava tudo, até ser advertido pelo juiz. O magistrado explicou aos dois que estavam nas dependências do Judiciário.

Simone Caminada trabalha para Gianni Vattimo há 10 anos. Durante o processo judicial, com o objetivo de antecipar-se à sentença, ele apressou o casamento com o filósofo. A celebração civil foi feita no município de Vimercate, na província de Monza (Lombardía), a 160 quilômetros de Turim, residência do casal. Questionado, ele disse, desafiante: “Simplesmente, porque gostamos”. O promotor de justiça conseguiu anular o casamento entre Gianni Vattimo e Simone Caminada.
A condenação de Simone Caminhada não resolveu a questão da herança. “Estão em jogo a poupança e o patrimônio do filósofo.” Ao “Corriere della Sera”, Gianni Vattimo informou: “Só tenho um primo que não sei onde vive. Mas, em meu testamento, o herdeiro universal é Simone e não vejo razão para mudar. Somos casados”. Suposto espertalhão, Simone Caminada não discorda: “Na falta de herdeiros, seu testamento é legítimo”.

Durante as investigações, descobriu-se que Gianni Vattimo havia tido uma “mulher secreta”, Martine Tedeschi, de 66 anos, médica e psicoterapeuta, prima da ex-modelo e cantora Carla Bruni. Seria alguém para ficar com a herança do filósofo. Ela é filha de uma amiga íntima do pensador.
Martine Tedeschi e Gianni Vattimo ficaram casados de 2010 a 2022, mas nunca viveram juntos. “Gianni era amigo de minha mãe, uma professora muito culta: ele sempre esteve na minha vida desde que eu tinha 10 anos. Elegeu a mim para casar-se, levando cada um a sua vida, dizendo-me que não queria que suas posses se perdessem” (por falta de um herdeiro). “Para que não soubessem da notícia, nos casamos na França, onde ele tinha uma casa. Estavam conosco apenas amigos íntimos. Quando em 2017 Gianni me disse ‘vamos nos divorciar’, fiquei atônita. Gianni não é incapaz de compreender, mas se deixa influenciar facilmente por Caminada, que o obriga a fazer o que quer”, afirma.
No artigo “Vattimo, el derecho a ser débil” (“Vattimo, o direito de ser fraco”), o escritor e filósofo Marcello Veneziani “defende a decisão do pai do pensamento fraco de se casar”.
“Vattimo reclama o direito de ser ‘fraco’. Por que Vattimo não pode repartir seus bens, fruto de seu trabalho e não de heranças familiares?”, inquire Marcello Veneziani. O filósofo afirma que ele tem o direito de escolher como quer viver seus últimos anos. “Quantos outros casos existem de maridos, viúvas, avós que destinam seus bens a cônjuges, filhos, cuidadores, netos que podem assisti-los, fazendo-lhes companhia na velhice, na enfermidade e acompanhando-os em sua morte? Quantos casamentos fictícios se realizam na Itália de idosos com seus cuidadores e cuidadoras, precisamente para deixar-lhes a herança e inclusive a reversibilidade da pensão para ter companhia e assistência?”
Há uma espécie de golpe do baú? Tudo indica que sim. Porém, se é uma escolha de Gianni Vattimo, estando consciente ou meio consciente, tendo a concordar com Marcello Veneziani. Acredito, como sugeriu o filósofo, que há um preconceito em relação à homossexualidade e que a liberdade de os indivíduos fazerem suas escolhas está sendo cerceada pela Justiça. Por que um homem idoso, que não parece inteiramente senil, não pode decidir sobre a própria vida e ter seus, digamos, prazeres mínimos (como uma companhia que avalia como agradável)?
“Abc” relata que “amigos, colegas e discípulos preferem não comentar publicamente a delicada situação” de Gianni Vattimo. Há dois anos, diziam que o filósofo estava “fisicamente cansado, mas sempre lúcido”. Sua mente “deteriorou” em dois anos? Não se sabe.
O biógrafo oficial de Gianni Vattimo, Piergiorgio Paterlini, disse ao jornal “Corriere della Sera”: “É uma pessoa que sempre tende a proteger quem está ao seu lado e tem sido generoso com muitas pessoas. Há um paradoxo. De um lado, é o filósofo que, mais do que qualquer outro no mundo, ligou sua filosofia à vida cotidiana e concreta. Do outro, é o homem menos interessado que conheço em proteger-se dos problemas relacionados com os aspectos materiais”.
“Abc” não faz referência ao fato de Simone Caminada ser negro. É provável que isto pesa contra o jovem marido do filósofo? Acredito que sim.
Vattimo doou seu arquivo pessoal para universidade
Um dos mais importantes estudiosos de Heidegger e Nietzsche, Gianni Vattimo era amigo de Umberto Eco e escreveu uma obra tão extensa quanto densa, abordando filosofia, ética, política e religião. Sua obra é reconhecida internacionalmente. Alguns de seus livros foram publicados no Brasil.
“Com sua teoria do ‘pensamento fraco’, que logo considerou superada, Vattimo propunha o abandono da violência e o controle sobre a destruição da natureza”, assinala o “Abc”.
O jornal conta que Gianni Vattimo “doou seu arquivo pessoal (cadernos, apontamentos de cursos, notas de conferências, correspondência), à disposição do público, para a Universidade Pompeu Fabra de Barcelona, onde é catedrático de Filosofia seu discípulo Santiago Zabala.
Livros do filósofo Gianni Vattimo publicados no Brasil

1 — “Da Realidade — Finalidades da Filosofia” (Vozes, 232 páginas).
2 — “Adeus à Verdade” (Vozes, 144 páginas).
3 — “A Religião” (Estação Liberdade, 168 páginas). Livro organizado por Gianni Vattimo e Jacques Derrida.
4 — “Diálogo com Nietzsche” (Martins Fontes, 376 páginas, tradução de Silvana Cobucci Leite).
5 — “A Tentação do Realismo (Lacerda).

6 — “Depois da Cristandade — Por um Cristianismo Não Religioso” (Record, 177 páginas, tradução de Cynthia Marques).
7 — “Introdução a Heidegger — Pensamento e Filosofia” (Instituto Piaget).
8 — “O Fim da Modernidade — Niilismo e Hermenêutica na Cultura Pós-Moderna” (Martins Fontes, 232 páginas, tradução de Eduardo Brandão).
9 — “Para Além da Interpretação — O Significado da Hermenêutica para a Filosofia” (Tempo Brasileiro).