“Não posso garantir que não enfrentaremos privações na floresta, mas pelo menos temos uma chance de viver. Saiam imediatamente”, disse Tuvia Bielski

O nazista Adolf Hitler invadiu a Polônia, em 1939, pouco depois de ter assinado um pacto de não-agressão com seu amigo comunista Josef Stálin. Na Polônia e na Bielo-Rússia (Belarus, ocupada em 1941), os nazistas torturavam e matavam qualquer um, mas a preferência recaía nos judeus. No início da matança, muitos judeus avaliaram que poderiam escapar se colaborassem com os nazistas — trabalhando para eles — e não quiseram fugir. Famílias inteiras foram trucidadas. Os carrascos matavam adultos, velhos e crianças. Uma mãe caiu, num gueto, e um alemão pegou seu bebê nos braços, jogou-o para cima e matou o espetado na sua baioneta.

Túvia Bielski: especialista em salvar judeus na Bielo-Rússia

Entretanto, havia, entre os judeus, aqueles que não acreditavam que a “culta civilização alemã” teria compaixão de alguém e, por isso, decidiram reagir. Na liderança desses judeus resistentes estava a impressionante família Bielski, da aldeia de Stankevich, na Bielo-Rússia (que fazia parte da Polônia). Muitas vezes pensa-se que os judeus foram para o “matadouro” pacificamente, sem nenhuma resistência. Na maioria dos casos, a resistência levou à morte. Mas os irmãos Túvia, Asael e Zus Bielski conseguiram salvar mais de 1.200 judeus. A história está documentada no livro “Um Ato de Liberdade: Os Guerrilheiros de Bielski — A História do Maior Resgate Armado de Judeus Durante a Segunda Guerra Mundial” (Record, 402 páginas, tradução de Dinah Azevedo. Em inglês, o título é sintético, “Defiance”, que quer dizer “rebeldia”, “desafio”), da socióloga Nechama Tec, da Universidade de Connecticut .

Perseguidos pelos nazistas, Túvia, Asael e Zus decidiram morar nas florestas da Bielo-Rússia. Quando os pais, David e Beyle, e Cila Bielski e sua filha, bebê, foram mortos pelos nazistas, os irmãos decidiram que era preciso fazer alguma coisa, que era impossível aos judeus sobreviver se ficassem nas cidades, em guetos, ou em suas fazendas. Procuraram os parentes, e alguns deles não queriam trocar o conforto da cidade pelo frio e falta de proteção das florestas. Túvia mandou um recado: “Não posso garantir que não enfrentaremos privações na floresta, mas pelo menos temos uma chance de viver. Saiam imediatamente”. Muitos saíram e sobreviveram. Os que ficaram foram brutalmente assassinados.

No início, Túvia e os irmãos pensavam em sobreviver nas florestas com parentes e amigos mais próximos. O objetivo principal era salvar as próprias vidas. Aos poucos, por conta da consciência de Túvia, o acampamento da floresta começou a receber outros judeus e a comunidade foi crescendo. Seu líder percebeu, então, que não bastava trabalhar pela sobrevivência material — era preciso lutar contra os nazistas. Em contato com os soviéticos — com a Rússia invadida, passaram a tratar os nazistas como inimigos —, Túvia conseguiu armas e começou a organizar os homens de seu grupo em unidades de guerrilheiros.

O otriad (destacamento) Bielski era diferente dos guerrilheiros soviéticos. Os soviéticos não aceitavam famílias, crianças e velhos. Enfrentando a resistência de alguns aliados, Túvia recebia todos os que apareciam na floresta e enviava emissários aos guetos com o objetivo de atrair mais judeus. Porque seu objetivo era muito mais salvar judeus do que matar alemães. Chegou a ser criticado pelos russos, que passaram a dirigir suas ações, mas não desistiu e continuou salvando judeus capazes e incapazes de lutar.

A vida na floresta era difícil — a comida era escassa e não havia medicamentos. Mas dos 1.200 judeus que acompanharam os Bielski apenas 5 por cento morreram. 49 pessoas “morreram por causa de ataques inimigos”, quatro foram fuziladas pelo otriad Bielski, houve um suicídio e uma pessoa morreu afogada. Cumpriu-se o objetivo de Túvia: manter os judeus vivos.

Num dado momento, os alemães entraram na floresta, caçando os irmãos Bielski, mas o grupo escapou, entrando num pântano. Mais tarde, com a reação soviética, que foi empurrando os alemães para fora de seu território e da Bielo-Rússia, Túvia e os seus organizaram uma espécie de aldeia na floresta, com oficinas e incentivo à cultura. A partir de 1944, a vida melhorou e, em seguida, os judeus ficaram livres. Muitos, porém, foram enviados para o Exército soviético e morreram no front, como Asael.

Terminada a guerra — caçado pelos stalinistas, que não aceitavam sua independência —, o bonitão Túvia, o “Clark Gable dos judeus”, foi para a Palestina, com a mulher Lilka e o irmão Zus. Líderes judeus perguntaram o que poderiam fazer por Túvia e, surpreendentemente, ele pediu um táxi. Era pouco, mas Túvia nunca se pensou como um herói que merecia muito mais. Fosse outro, teria se tornado general do futuro exército de Israel. Depois, mudou-se para os Estados Unidos, onde se tornou dono de dois caminhões. Morreu esquecido, aos 81 anos, em 1987, mas foi enterrado, em Jerusalém, como herói nacional.

A obra de Nechama deu origem ao filme “Um Ato de Liberdade” (2008), com Daniel Craig (o James Bond do vale-tudo). Craig aparece na capa do livro. Dez anos depois do lançamento do livro de Nechama Tec, o jornalista americano Peter Duffy publicou “Os Irmãos Bielski” (Companhia das Letras, 313 páginas, tradução de Marcos Padilha).