Recebo mensagens, todos os dias, sugerindo — na verdade, garantindo — que a imprensa patropi se tornou o sorriso do governo de Lula da Silva e a cárie da sociedade.

A crítica não procede. De fato, como queria se livrar de Jair Bolsonaro — espécie de porta-voz remido da vanguarda do atraso —, a imprensa, assim como ministros do Supremo Tribunal Federal, se alinhou com o petista-chefe.

Ou melhor: alinhou-se contra Bolsonaro e, ao fazer isto, teve de ficar ao lado do único político que poderia livrar o país do ex-presidente. Noutras palavras, o Brasil — e sua tenra democracia —, e não apenas a imprensa, precisou de Lula da Silva para devolver ao passado trevoso um político que, se pudesse, teria dado um golpe para se manter no poder.

Frise-se: não existe imprensa independente em lugar nenhum lugar do mundo. Nem na França de Émile Zola e Nathalie Sarraute. Nem na Alemanha de Thomas Mann (cuja mãe era brasileira) e Herta Müller (nascida na Romênia). Nem na Inglaterra de Shakespeare e Jane Austen. Nem na Itália de Luigi Pirandello e Elsa Morante. Nem no Japão de Yoko Ogawa e Sayaka Murata. Nem na China de Xinran e Mo Yan. Nem nos Estados Unidos de Katharine Graham e Joyce Carol Oates.

Quem acredita em imprensa inteiramente autônoma — ou imparcial — tende a acreditar em salvadores da pátria e, até mesmo, no Curupira e no Saci-Pererê.

É bem provável que nem os leitores queiram uma, digamos, imprensa livre. Querem, na maioria das vezes, um veículo que reproduza, ao menos parcialmente, aquilo que eles pensam.

A Jovem Pan era bolsonarista e tinha seu público. Os ouvintes e telespectadores buscavam e buscam a rádio-televisão menos para ter uma ideia realmente divergente e muito mais para “saber” aquilo que já sabia. Noutras palavras, que Bolsonaro, de acordo com os jornalistas da emissora, era o “gênio da raça” e Lula da Silva era a “excrescência da raça”.

Assim como os que buscavam a GloboNews — e vários jornais — sabiam, de cara, que ouviriam notícias negativas (e verdadeiras, por sinal) a respeito do governo e da pessoa física Bolsonaro.

A ideia de jornalismo “imparcial” é uma, por assim dizer, ficção. Leitores cautos nem se preocupam com isto. Portanto, querem um jornalismo factual mais amplo — que apresentem bem as questões — e um jornalismo de opinião mais crítico, não importando tanto se os articulistas têm lado ou se fingem que são independentes.

Crise da Globo e a “chegada” do mundo

A GloboNews, sobretudo o “Em Pauta” e o “Estúdio I” — que são muito bons e críticos —, ainda não escapou da ressaca da vitória. Fica-se com a impressão, ao ouvir seus comentaristas, que Bolsonaro, e não Lula da Silva, ainda é o presidente do país. Perdem muito tempo falando do ex quando deveriam falar do atual (e de sua gestão), que é, no fundo, o que interessa aos brasileiros.

Como se sabe, Bolsonaro — que não quis entender a força (relativa) da imprensa na sociedade democrática — planejou “destruir” a Globo. Os incautos que o acompanham e repetem a cantilena dos manipuladores dos gabinetes do ódio chegaram a acreditar que a rede da família Marinho estava em “crise” porque o chefão da direita, então na chefia do governo, entre 2019 e 2022, não lhe repassava grana farta.

Poderia não ser farta, mas Bolsonaro não deixou de anunciar nos veículos de comunicação do Grupo Globo — até porque figuram entre os melhores e mais lidos, ouvidos e vistos do país.

A crise da Globo, se crise há, não tinha a ver com Bolsonaro. Tem a ver com a mudança global da comunicação. Antes, os concorrentes não concorriam, a rigor. Eram candidatos a disputar o segundo lugar, quer dizer, o “último” lugar. SBT e Record nunca foram competidores da rede criada por Roberto Marinho.

O que está “travando” a Globo, se está, é a chegada do “mundo” ao Brasil. O Grupo Globo, assim como outros grupos, está enfrentando uma concorrência internacional — que, vendendo seus produtos (jornalismo, entretenimento etc) em escala, jogam os preços para baixo. Os vários canais por assinatura e o streaming se tornaram “adversários” poderosos da empresa que, durante anos, produziu jornalismo e, por vezes, entretenimento de primeira linha.

O mundo, via internet e outros meios, está dentro da casa de todos os brasileiros. A Globo continua forte, mas já saiu de milhares — talvez de milhões — de residências. Então, para sobreviver num mercado altamente competitivo, a Vênus Platinada precisa se tornar menor, daí a ideia de que está em crise. Enxugar, reduzindo o gigantismo, é mais uma adaptação aos novos tempos. Não dá mais para produzir alta qualidade com os custos de antigamente.

A crítica do Estadão e da Folha de S. Paulo

O filósofo José Arthur Giannotti escreveu, num artigo, que a “Folha de S. Paulo” havia optado pelo “jornalismo de deslize”. Nada presta, nada de positivo vale ser noticiado — exceto os supostos equívocos, ou deslizes dos políticos, dos empresários etc. (A desvalorização da política acaba por gerar horrores do naipe de Bolsonaro.)

Como estava se defendendo de uma crítica da “Folha”, José Arthur Giannotti exagerou, ao menos em parte. Mas há mesmo uma ideia fixa na “Folha”: a de fazer “jornalismo de oposição” só por fazer (daí supostos “petistas”, como Janio de Freitas e Marilene Felinto, terem sido defenestrados — e Marcelo Coelho caiu fora por conta própria, em solidariedade ao primeiro). A ideia fixa foi gestada por Otavinho Frias (falecido) e tem sido mantida por seu irmão, Luiz Frias, e pelo editor Sérgio Dávila.

A “Folha” tem sido dura com o governo Lula da Silva? Tem. Entretanto, até o momento, sem passar dos limites. Então, no lugar de “dura”, talvez seja melhor colocar “crítica”. No geral, o jornal é justo, preciso. Porque ainda faz bom jornalismo, em geral com apuração esmerada.

No momento, o jornal mais crítico do governo Lula da Silva é mesmo “O Estado de S. Paulo”. Colunistas e articulistas estão batendo duro na gestão do presidente da República.

Mas bater duro significa, necessariamente, exceder-se? Talvez não. Aqui e ali, um de seus melhores articulistas, José Roberto Guzzo, excede — não há nada que preste, para ele, no governo Lula da Silva (e, frise-se, o jornalista era um dos apóstolos do governo de Jair Bolsonaro) — a respeito da gestão petista. Porém, no geral, são críticas aceitáveis — no limite. Sobretudo, é importante que se mantenha uma instância crítica. Porque é a crítica que “ilumina” a sociedade e pode “puxar” governantes para um eixo realista.

William Waack, também do “Estadão”, é menos “severo” do que José Roberto Guzzo. Mas é um crítico firme. Suas críticas talvez sejam positivas para a própria gestão do petista-chefe.

A defesa do governo de Lula da Silva concentra-se em blogs, que se tornaram o sorriso da gestão petista. Eles apressam-se a defender as ações do presidente e da maioria de seus ministros — omitindo críticas e vociferando contra adversários do petismo no governo. Não diferem em quase nada (são menos virulentos, talvez) dos blogs que defendiam Bolsonaro.

O que importa mesmo não é que se tenha jornais e blogs que elogiam e/ou criticam o governo de Lula da Silva. Relevante é que, vivendo-se numa sociedade democrática, se tenha espaço para opiniões contrárias e favoráveis à gestão do petista-chefe.

Problemático seria ter uma voz única, sem dissonância. Os leitores podem escolher entre o sorriso do Brasil 247 (que leio com interesse) ou a cárie do “Estadão” (que leio com interesse) para o governo de Lula da Silva. Isto é muito melhor do que a crença em jornalismo independente e imparcial — as ficções mais lorpas que alguns jornais (e leitores) ainda alardeiam por aí.

Àqueles que apreciam economia, noticiário equilibrado e opinião matizada, recomendo o “Valor Econômico”, um dos melhores jornais do país (e também com ótima cobertura política).