O presidente poderá sugerir que, enquanto valoriza as Forças Armadas, a imprensa tem “obsessão” por atacá-las

Sob pressão do presidente da República, Jair Bolsonaro, o Exército decidiu não “punir” o general Eduardo Pazuello, que, contrariando a regras das Forças Armadas, participou de um comício-motorreata no Rio de Janeiro, há alguns dias.

Ao não “punir” Eduardo Pazuello, que cometeu uma infração às regras militares — e se trata de um general —, o Exército ficou mal com a sociedade.

O comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, um general respeitável, teria deixado de “punir” o colega de farda para evitar uma crise com a Presidência da República. Crise que fatalmente ocorreria, possivelmente até com nova troca de comando.

O fato é que o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, mesmo agindo com realismo e visão histórica, se equivocou.

Já a imprensa está “errando” ao falar o certo. Frase estranha, decerto. Entretanto, tem sentido, algum sentido.

Democratas não devem ter medo de se manifestar. A democracia fica mais forte quanto mais se faz sua defesa. Por isso não se deve ter receio de criticar seus adversários — como a família Bolsonaro.

Entretanto, “desmoralizar” o Exército, ainda que dizendo a verdade, pode não ser um bom negócio para a democracia. Porque talvez seja tudo o que Bolsonaro queira.

Bolsonaro não tem o apoio das Forças Armadas para uma quartelada, no momento. Mas um massacre do Exército, por causa de não ter “punido” Pazuello — uma arma ligeiramente sutil do presidente —, interessa muito ao mandatário, sobretudo se realmente tiver intenções golpistas.

Daqui pra frente, Bolsonaro poderá dizer que a imprensa está tentando desmoralizar as Forças Armadas, enquanto ele, pelo contrário, faz “tudo” para valorizá-las.

Portanto, o “excesso” de verdade da imprensa, embora agrade os bem-pensantes, pode-se tornar um instrumento pró-Bolsonaro e não da democracia.

Se até o ex-presidente Michel Temer, legalista ao extremo, admite que Bolsonaro pensa em “golpe”, talvez queira se transformar no Vladimir Putin dos trópicos, por que não abrir as portas para o racionalismo da ponderação?

Se é tosco, Bolsonaro não é nada bobo. Mas o “excesso” de inteligência da imprensa, com sua defesa correta do legalismo, na questão da não punição de Pazuello, pode ser um exercício de irrealismo político. Talvez não seja, mas pode ser.