Imprensa brasileira morde o anzol de Bolsonaro como a americana morde o de Trump

18 novembro 2018 às 00h01

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Bob Woodward sugere calma aos repórteres e que foquem mais nas ações do que no palavreado do político

O livro “Medo — Trump na Casa Branca” (Todavia, 432 páginas, tradução de Pedro Maia, Paulo Geiger, André Czarnobai e Rogerio Galindo), do repórter Bob Woodward, de 75 anos, vendeu numa semana, nos Estados Unidos, 1 milhão de exemplares. O motivo é que os leitores americanos querem ler um jornalista que, apesar de crítico, não se tornou militante das brigadas contra o presidente Donald Trump. Na edição de 10 de novembro, o jornal “El País” publicou “Bob Woodward: ‘A imprensa mordeu o anzol de Trump’”, uma entrevista que pode conter lições para os jornalistas que estão cobrindo o presidente eleito Jair Bolsonaro.
A repórter Amanda Mars cita uma frase de Trump, “o verdadeiro poder é o medo”, e quer saber de Woodward se tem razão. “Parte do poder verdadeiro é o medo, embora não seja a parte principal”, admite o repórter do “Washington Post”.
Há quem aposte que as diatribes de Trump são planejadas. Woodward discorda: “Não é estratégico, ele age por impulso. Não planeja”. Sua equipe, a que pensa na governança sensata, fica nervosa.
Uma sugestão de Woodward é que o repórter foque menos no palavreado e mais nas ações efetivas de Trump. “Olhar o que faz como presidente” é o “enfoque” do jornalista.
Com sua posição de “estou em guerra, portanto saia de minha frente”, Trump consegue levar a imprensa a segui-lo, direta ou indiretamente. A mídia está sendo pautada. “Mordemos o anzol. Ele quer conflito e pôs os repórteres em modo de combate, então temos uma guerra entre Trump e a mídia. Minha postura é: ignore-o, faça seu trabalho, cheque o que está acontecendo, ponha em um livro que conte às pessoas. A guerra entre o presidente e a imprensa só beneficia o presidente, deveríamos ser frios com isso.”
Ecoando Seymour Hersh, Woodward sublinha que “Trump enlouqueceu os jornalistas, tornaram-se instáveis a favor ou contra ele”. Em proporção diferente, parece o mesmo que aconteceu na campanha eleitoral para presidente no Brasil, quando os repórteres passaram a formular pautas de combate a Jair Bolsonaro, fisgados por sua retórica de direita. Deram-lhe o que precisava — mais espaço nos jornais, nas tevês e nos rádios —, pois, no primeiro turno, tinha escasso tempo no programa de televisão e rádio. Emprestaram-lhe visibilidade. Jornalistas, para além do trabalho de repórter, passaram a escrever textos duros o líder do PSL. O que, longe de afastar eleitores, contribuiu para conquistar novos e reforçar a convicção dos que já estavam integrados. O antibolsanarismo da imprensa serviu à vitória de Bolsonaro. Não que isto tenha decisivo. Os principais eleitores do novo presidente foram mesmo Fernando Haddad e o petismo.
Se há certa histeria na imprensa, com o objetivo de “achar” qualquer coisa no garimpo de reciclados que desabone Bolsonaro e sua turma, uma ideia de Woodward — que está tratando de Trump — pode ser útil às redações: “Devemos recuperar a confiança [dos leitores], e a única maneira de fazer isso é recuperar a calma, produzir boas informações, apresentar os fatos às pessoas, e não ir a programas de televisão para dar soco na mesa”.
Quando o “Washington Post” conseguiu levar o presidente Richard Nixon à renúncia, em 1974, o jornal caiu nas graças do público, deixara ser um produto provinciano, da capital, para se tornar um veículo nacional. Mas, quando ainda estavam comemorando o feito, os repórteres Woodward e Carl Bernstein receberam um comunicado de Katharine Graham, a publisher do “Post”: “Tudo bem, Nixon renunciou e vocês escreveram algumas das reportagens, mas não comecem a pensar muito em vocês mesmos. Deixem que eu lhes dê um conselho: tomem cuidado com o demônio da pompa, dessa autocomplacência incapacitante”. Quase 50 anos depois, o jornalista não esqueceu o conselho — o que prova sua vitalidade.
Woodward insiste que “os jornalistas precisam de calma, estar em calma e ter tempo. (…) Temos que fazer um produto melhor e mais útil para as pessoas. Simples assim. Você tem que pegar o jornal ou o seu aparelho e dizer: ‘Uau, olha isso. Que surpresa não sabia’”.
No Brasil, a mídia tem sido pautada pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e, no caso de Bolsonaro, pela indignação moral (é praxe ser de esquerda nas redações, mesmo quando não se é). O que parece jornalismo investigativo é, no mais das vezes, meras informações repassadas por determinadas fontes, em geral “oficiais”, que são hábeis em manipular jornalistas (que acham, não raro, que estão usando tais fontes).