“Suas imagens românticas são secundárias, mas sua beleza está na delicadeza e na pureza de ritmo e linguagem”, diz Simon Sebag Montefiore
[Publicado no Jornal Opção em 2008]

Stálin: adolescente | Foto: Reprodução
O inglês Simon Sebag Montefiore brinda os leitores com outro excelente estudo, muito mais do que uma biografia — “O Jovem Stálin” (Companhia das Letras, 528 páginas, e tradução precisa de Pedro Maia Soares).
Sebag conta que Ióssif (José) Vissariónovitch Djugachvíli, Stálin (nome que só passou a utilizar em 1912), leitor compulsivo, foi grandemente influenciado pela prosa dos escritores franceses Victor Hugo e Émile Zola. A literatura e a vida miserável na Geórgia o transformaram num revolucionário duro, inflexível e cruel. Desde o início, e não apenas depois de chegar ao poder, em 1924, era extremamente violento com adversários e aliados que caíam em desgraça. Filho único, Stálin foi criado por uma mãe possessiva, Ekaterina “Keké” Geladzde, que fez o impossível para que estudasse. Stálin foi educado por padres. Vissarion “Bessó” Djugachvíli, que não tinha certeza de ser pai de Stálin — Montefiore aposta que o sapateiro era pai do grande líder, mas deixa a dúvida —, abandonou a família. Pelo menos quatro homens eram tidos como pai de Stálin — um deles padre.
Stálin começou sua vida de revolucionário como assaltante de bancos, para servir à luta de Vladímir Lênin. Um dos assaltos, em 1907, rendeu um valor (3,4 milhões de dólares) parecido com o assalto ao cofre de Adhemar de Barros, no Rio de Janeiro, na década de 1960.
Uma das descobertas de Montefiore é a poesia de Stálin, que não considera ruim. Ele foi primeiro reconhecido como poeta, na Geórgia natal, do que como revolucionário. Seu apelido, antes de Koba e Stálin, era Sossó. Ele assina os poemas como Sosseló. “Foram amplamente lidos e se tornaram um clássico menor georgiano, aparecendo em antologia da melhor poesia do país antes que alguém tivesse ouvido falar de ‘Stálin’”, diz o historiador. “Manhã” foi o primeiro poema de Stálin. “Suas imagens românticas são secundárias, mas sua beleza está na delicadeza e na pureza de ritmo e linguagem”, diz Monteriore, que não é, vê-se, crítico literário. “Na Rússia, a poesia é realmente valorizada; aqui, matam por ela”, disse Óssip Mandelstam, morto no gulag do “poeta” Stálin.

Stálin jovem: um revolucionário cruel | Foto: Reprodução
Transcrevo a seguir alguns dos poemas. Eles foram traduzidos do russo para o inglês pelo professor Donald Rayfield, menos um dos poemas, sem título, que foi traduzido pelo poeta brasileiro Nelson Ascher (o exímio tradutor de Púchkin). As traduções para o português são de Pedro Maia Soares.
1
Manhã
O botão de rosa florescera
E estendera-se para tocar a violeta
O lírio estava acordando
E inclinava sua cabeça na brisa
No alto das nuvens, a cotovia
Cantava um hino gorjeante
Enquanto o alegre rouxinol
Com voz suave dizia:
“Enche-te de flores, ó terra amada
Rejubila-te país dos Ivérianos
E tu, ó georgiano, ao estudar Traz alegria para tua terra natal.”

Stálin: preso pelo czarismo | Foto: Reprodução
2
À Lua
Move incansável
Não inclina tua cabeça
Dispersa a névoa das nuvens
A Providência do Senhor é grande.
Sorri gentil para a terra
Estendida abaixo de ti;
Canta à geleira um acalanto
Que desce suave dos céus.
Tem certeza que depois de
Derrubado ao chão, um homem oprimido
Luta de novo para subir a montanha pura,
Quando exaltado pela esperança.
Então, adorável lua, como antes,
Brilha através das nuvens;
Na abóbada celeste, suavemente,
Faz teus raios brincarem.
Mas eu abrirei minha veste
E mostrarei meu peito à lua,
De braços abertos, reverenciarei
Aquela que ilumina a terra!

Stálin jovem e mais velho | Foto: Reprodução
3
Quando a lua cheia luminosa
Cruza flutuando a abóbada celeste
E sua luz, brilhando intensamente,
Põe-se a brincar no anil do horizonte;
Quando suavemente o rouxinol
Começa no ar seu gorjeio sibilante
Quando o anseio da flauta de pã
Plana acima do pico da montanha;
Quando, contida, a fonte da montanha
Torna-se torrencial e inunda o caminho,
E a floresta, acordada pela brisa,
Começa, farfalhando, a se agitar;
Quando o homem expulso por seu inimigo
Volta a tornar-se digno de seu país oprimido
E o enfermo privado de luz
Volta a ver o sol e a lua;
Oprimido também, vejo, então, a bruma da tristeza
Se dissipar, desfazer-se e logo sumir;
E a esperança da vida boa
Faz meu coração se abrir!
E, arrebatado por uma esperança assim,
Sinto júbilo n´alma e meu coração bater em paz;
Mas será autêntica tal esperança
Que me foi mandada nestes tempos?
(Tradução de Nelson Ascher)

Stálin criança | Foto: Reprodução
4
Velho Ninika
Nosso Ninika ficou velho,
Seus ombros de herói lhe faltaram…
Como esse triste cabelo grisalho
Quebrou uma vontade ferro?
Ó mãe! Muitas vezes,
Brandindo sua foice “hiena”,
De peito nu, no fim do trigal,
Ele deve ser soltado um rugido súbito.
Ele deve ter empilhado montanhas
De feixes lado a lado, e sobre seu
Rosto governado pelo suor gotejante
Foto e fumaça devem ter jorrado.
Mas agora, ceifado pela idade,
Ele não move mais os joelhos.
Deitado, sonha ou fala do passado
Aos filhos de seus filhos.
De tempo em tempo, capta o som
Da cantoria nos trigais próximos
E seu coração que outrora era duro,
Começa a bater com prazer.
Ele se arrasta para fora, trêmulo,
E dá alguns passos com seu cajado.
E, quando consegue ver os rapazes,
Solta um sorriso de alívio.
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