História da espionagem da Abin na Tim lembra o “monstro” SNI e o caso Watergate
07 janeiro 2024 às 00h01
COMPARTILHAR
1
Um monstro chamado SNI
O general Golbery do Couto e Silva criou o Serviço Nacional de Informação e, depois, disse que o SNI havia se tornado um monstro. De fato, o serviço de inteligência, sob controle dos militares da ditadura civil-militar (1964-1985), começou a bisbilhotar a vida de qualquer pessoa, independentemente se tinha ou não ver a com a segurança do país. Tornou-se, muitas vezes, um fomentador de intrigas. Sobretudo, parte do poder para tentar alongar a vida do regime discricionário.
O SNI começou investigando os adversários da ditadura e, em seguida, chegou a investigar os próprios aliados. Porque havia fissuras entre os grupos de generais. A linha dura — de Arthur da Costa e Silva e Emilio Garrastazu Médici — e a linha moderada — de Castello Branco e Ernesto Geisel — não se davam. Eram aliadas até certo ponto. Mas, se a linha dura queria a continuidade da ditadura, a corrente geiseliana, da Sorbonne, planejava liquidá-la, no médio prazo, o que acabou acontecendo, no governo de João Figueiredo.
Golbery do Couto e Silva não era ingênuo e, por isso, sabia que, um dia, o SNI se tornaria um monstro, como se tornou — espionando a vida de qualquer um. Às vezes, por nada — ou só por mera maledicência.
Quando se tem recursos técnicos para espionar, para investigar a vida das pessoas — contando com a fragilidade dos instrumentos institucionais —, agentes, e não tão-somente no nível de diretoria, espionam. Há pouco tempo, ex-arapongas do finado SNI andavam por aí vasculhando a vida de pessoas e, por vezes, vendendo informações confidenciais.
2
Richard Nixon e o caso Watergate
Na década de 1970, o presidente dos Estados Unidos, o republicano Richard Nixon, fazia um governo bem avaliado. Chegou a aproximar-se da China., mostrando uma certa abertura para o mundo comunista. Mas começou a investigar seus adversários, ou seja, membros do Partido Democrata.
Richard Nixon autorizou a invasão do escritório político dos democratas, no edifício Watergate. Arapongas entraram lá em busca de material para desqualificar adversários do presidente — um homem da direita empedernida.
Ocorre que os jornais, como “New York Times” e “Washington Post”, descobriram a tetra, começaram a investigá-la e a denunciaram.
Dois repórteres do “Washington Post”, Bob Woodward — devidamente “orientado” pelo vice-diretor do FBI, Mark Felt — e Carl Bernstein, na época praticamente focas, seguiram a pista, digamos, do poder e do dinheiro (“follow the money”). Descobriram que a invasão do Watergate — a espionagem — havia sido arquitetada por pessoas bem próximas de Richard Nixon.
Para não sofrer um vexatório impeachment, Richard Nixon renunciou, em 1974, à Presidência do país mais rico do mundo. Depois, disse que o que levou à sua queda não foi a espionagem em si, mas a tentativa de escondê-la.
3
Abin, Tim e espionagem
Há uma história que precisa ser investigada de maneira ampla e que não pode ser esquecida. De posse de um software espião, o FirstMille, comprado da empresa israelense Cognyte (nome atual da Suntech/Grupo Verint) — por 5 milhões de reais, sem licitação —, a Abin teria espionado professores, jornalistas, advogados, políticos (e sabe-se lá quem mais).
De acordo com a “Folha de S. Paulo”, na reportagem “PF cita email e diz que software tentou invadir rede de telefonia”, a Abin operou na ilegalidade, portanto contra o Estado Democrático de Direito.
“O FirstMile invadia a rede de telefone brasileira para rastrear a localização do celular de qualquer pessoa a partir dos dados enviados para torres de telecomunicação”, informa a “Folha”. Então dirigida pelo policial e deputado federal Alexandre Ramagem (PL), bolsonarista, a Abin estaria espionando “desafetos políticos” do ex-presidente Jair Bolsonaro.
No email encontrado pela Polícia Federal uma funcionária da Cognyte diz, numa mensagem enviada para um funcionário da Abin, que estava “pesquisando e testando novos métodos para acessar” a rede da Tim. A empresa de telefonia estaria barrando as ações dos espiões.
De acordo com a PF, no relato da “Folha”, “desde o início a Abin sabia do caráter invasivo do software e de sua capacidade de invadir a rede de telefonia regional”.
O relatório da Polícia Federal é explícito: “O Estado brasileiro efetuou o pagamento de 5 milhões de reais para empresa estrangeira realizar ataques sistemáticos a rede de telefonia nacional para comercializar dados pessoais sensíveis que resultaram na disponibilização da geolocalização de diversos cidadãos brasileiros sem qualquer ordem jurídica”.
A reportagem da “Folha”, por cautela, pouco menciona Jair Bolsonaro. O que o ex-presidente sabe desta história, qual seu grau de envolvimento? Como Alexandre Ramagem era de sua inteira confiança, o líder do PL sabia, por certo, o que estava acontecendo.
Portanto, a investigação não pode ficar circunscrita a agentes e ao próprio policial (membro da PF) e deputado federal. Precisa cavar mais fundo.
A espionagem era, afinal, uma política de Estado ou, sobretudo, era uma política de um grupo que, usando a estrutura do governo, queria usar informações destruir minar ou destruir adversários?
A história lembra muito Watergate e oxalá a imprensa não a descarte de imediato e investigue mais a fundo o que realmente aconteceu, num nível de detalhamento que possa apontar não apenas os bagres, mas também os peixes grandes envolvidos nesta história pra lá de nebulosa e cavilosa.