Candice Marques de Lima

Especial para o Jornal Opção

Na quinta-feira, 22, às 13h30, no Instituto de Psicologia da USP, ocorrerá um evento com uma conversa com Henry Krutzen, autor do “Índex de Referências dos Seminários de Jacques Lacan — 1952 a 1980” (Toro Editora). O evento é organizado pelo psicanalista Christian Dunker e terá participação de Michele Roman Faria.

O Índex foi organizado pelo psicanalista belga Henry Krutzen, que mora em João Pessoa, na Paraíba. Henry Krutzen já publicou três edições do livro em língua francesa e tinha interesse em publicá-lo em língua portuguesa. Entretanto, as editoras brasileiras justificavam que os psicanalistas lacanianos daqui conheciam a língua francesa e, portanto, a tradução não seria necessária.

Henry Krutzen: psicanalista belga radicado na Paraíba | Foto: Reprodução

No prefácio à edição brasileira, Henry Krutzen conta que, apesar das negativas das editoras brasileiras, recebia “ligações, e-mails ou mensagem de WhatsApp pedindo ajuda para tal ou tal referência dos seminários de Lacan. E uma dúvida emergiu sobre o famoso conhecimento generalizado do francês entre as pessoas interessadas na obra de Lacan”.

Felizmente, a psicanalista e escritora paulista Michele Roman Faria se interessou pelo projeto de publicação. Ela diz ter ficado “inconformada com o fato de que um trabalho de tamanha envergadura e interesse ainda não tivesse uma versão brasileira”. Por isso, procurou Henry Krutzen para a publicação do livro, que foi realizada pela Toro Editora. Foram reunidos para a publicação da obra 28 tradutores e 12 revisores empenhados em trazer para os leitores do país a tarefa à qual Krutzen se impôs.

O Índex é um livro fundamental para todos os que estudam, pesquisam e querem se aprofundar na obra lacaniana. Tem 1195 páginas e traz referências desde o seminário 0 “O Homem dos Lobos (1952-1953)” até 27º seminário de Jacques Lacan “Lições de 1980 + Seminário de Caracas, agosto de 1980”. E ainda não é considerado um trabalho finalizado nem por seu autor, nem pela Toro Editora. Henry Krutzen escreve que é um “work in progress” e a editora coloca na contracapa que é um trabalho permanente, aberto a sugestões. O que significa que todos os leitores podem enviar suas indicações para a editora.

Henry Krutzen relata que, quando terminou a leitura das obras de Jacques Lacan no início dos anos 90, ficou com a impressão de “confusão” e “desordem”. Ele se perguntava sobre como havia sido a evolução de alguns conceitos, como, por exemplo, o falo, que se transforma em função lógica. Além de não poder encontrar a origem de algumas passagens que lhe vinham à memória.

Jacques Lacan: psicanalista francês | Foto: Reprodução

Essas duas questões principais levaram Henry Krutzen a reler os vinte e sete seminários lacanianos em ordem cronológica. E assim foi transcrevendo referências e elementos que lhe chamavam a atenção, para recuperá-los mais tarde. Após três anos, tinha reunido dezessete mil fichas e então percebeu, ao conversar com outros colegas, que a publicação desse trabalho poderia auxiliar muitas pessoas.

Na França, a primeira publicação do Índex ocorreu em 2000 e outras duas novas edições foram revisadas, sendo a última em 2008. No Brasil, a publicação ocorreu em 2022 e o pré-lançamento foi em 6 de maio, dia do nascimento de Sigmund Freud, considerado o Dia do Psicanalista. É importante destacar que a tradução do Índex para a Língua Portuguesa pode facilitar o acesso para falantes da língua espanhola, enquanto a tradução não chega por lá…

Tem-se índice português-francês e francês-português. Há também um índice onomástico, como nomes próprios citados por Lacan. Índice de números e de matemas e escritas matemáticas, já que Lacan se utilizou deles para trabalhar conceitos psicanalíticos. E, a partir da página 93 e nas próximas 1102 páginas, tem-se as palavras, expressões e conceitos em ordem alfabética utilizados por Lacan

Sobre a composição do livro, tem-se índice português-francês e francês-português. Há também um índice onomástico, como nomes próprios citados por Lacan. Índice de números e de matemas e escritas matemáticas, já que Lacan se utilizou deles para trabalhar conceitos psicanalíticos. E, a partir da página 93 e nas próximas 1102 páginas, tem-se as palavras, expressões e conceitos em ordem alfabética utilizados por Lacan. Cada palavra é um tema, onde aparece suas ocorrências nos seminários, a data em que foi proferida e o argumento. Este tem por objetivo “especificar o contexto no qual o conceito aparece em questão”, segundo Henry Krutzen.

Veja-se, por exemplo, o conceito de “objeto a”, fundamental na obra lacaniana. São oito páginas dedicadas a ele, com todos os seminários em que aparece. Sua primeira aparição foi no seminário 4, na aula de 5 de junho de 1957 e tem como argumento “Hans lumpf e objeto caído, véu e falo, banheira”. E sua última ocorrência se deu no seminário 24, aula de 10 de maio de 1977 e argumento “os-bjet e nó borromeano, letra”.

Michele Roman, psicanalista e escritora: editora do Índex de Referências | Foto: Reprodução

Mesmo termos pouco tratados na obra lacaniana, como “entre-duas-mortes”, tem sua ocorrência notificada no Índex, o que facilita a pesquisa pela compreensão da terminologia.

Os seminários do psicanalista francês Jacques Lacan tiveram início em 1952 e continuaram até um ano antes de sua morte, que ocorreu em 1981. Lacan passou por três instituições na transmissão de suas ideias. Muitas foram as pessoas que gravaram seus seminários, mas foi ao psicanalista e genro Jacques Alain-Miller que Lacan deixou confiada sua obra e a quem delegou a tarefa de substabelecimento dos seminários.

No Brasil, a obra de Jacques Lacan foi traduzida e lançada pela Editora Zahar, que foi vendida recentemente ao grupo alemão que controla a Editora Companhia das Letras. Miller já substabeleceu 17 seminários, e nas contracapas da Zahar lê-se que eles terminam no livro 25, que ainda não foi publicado. Por essa lógica, ainda existem oito a serem publicados, mas, pela circulação dos seminários em francês, sabe-se que são 27. O que significa que ainda faltam 10 seminários.

Index Référentiel em francês | Foto: Divulgação

Para quem quiser ler os seminários em francês, pode acessar o site www.staferla.free.fr. Nele, é possível encontrar de forma gratuita todos os 27 seminários, além de alguns textos escritos por Lacan e que no Brasil foram publicados pela Zahar nos “Escritos”. É possível também encontrar nesse site a obra de Sigmund Freud em alemão, publicada pela Editora Gesammelte Werke.

Àqueles que se interessarem em ouvir os seminários proferidos por Jacques Lacan, há um site do psicanalista Patrick Valas (www.valas.fr) no qual se tem acesso às gravações. Ali se pode ouvir a fala de Lacan com pausas, entonações e pontuações. O que pode alterar a maneira de ser ler algumas partes de sua obra.

Há ainda um problema a ser observado: os seminários subestabelecidos por Jacques Alain-Miller contêm algumas alterações que Miller se autorizou a fazer a partir da fala de Lacan, sem que esse “detalhe” seja apontado na edição. Assim, quando se coteja a leitura dos seminários da Zahar com a obra em francês percebe-se essa questão. Algumas vezes parágrafos inteiros ditos por Lacan são suprimidos e em seu lugar aparece apenas uma leitura milleriana do que ele imagina que seja o que Lacan quis dizer.

Enfim, ainda vai demorar quase trinta longos anos para que a obra de Jacques Lacan (o psicanalista morreu em 1981) caia em domínio público para que sejamos — não sei se ainda estarei por aqui — brindados com traduções e publicações diversas de sua obra.

Por ora, aproveitemos o que temos à mão, acrescidos do trabalho criterioso e dedicado de Henry Krutzen trazido a nós com uma edição cuidadosa pela Toro Editora.

Candice Marques de Lima é professora na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás e pesquisadora de educação inclusiva e psicanálise.