O mundo tem trilhões para investir, mas o governo de Bolsonaro é um empecilho. Os muito ricos podem deixá-lo na chapada em 2022

Ph.D pela Universidade Harvard, o economista Gustavo Franco lança o livro “Lições Amargas — Uma História Provisória da Atualidade” (Intrínseca, 256 páginas). Dada a publicação, “O Globo” e “Valor Econômico” decidiram entrevistá-lo. Feita pelas repórteres Cássia Almeida e Luciana Rodrigues, a entrevista que será comentada saiu no primeiro jornal, sob o título de “‘Demos passos decisivos para o Brasil virar um pária econômico’, diz Gustavo Franco”.

O governo do presidente Jair Bolsonaro tem um ministro de fato liberal, o economista Paulo Guedes, um chicago-old da escola de Milton Friedman (pode-se pleitear que Paulo Guedes é um liberal fora do lugar). Mas o governo nada tem de liberal. Usa-se o liberalismo como “ornamento”, postula Gustavo Franco. Bolsonaro é um nacionalista, como os militares da ditadura civil-militar. Por mais que fale em privatização, é um estatista. Aferrado ao discurso ideológico, formulado por profetas do apocalipse, o gestor patropi parece desprezar e, sobretudo, desconhecer o mundo real. Os gurus do presidente rejeitam a indefectível “integração” mundial. Na verdade, parece mais produto de ignorância — daí o irrealismo do discurso — do que de ideologia.

Gustavo Franco: economista e ex-presidente do Banco Central | Foto: Reprodução

Em 2018, quando bancaram Bolsonaro para presidente, banqueiros e empresários acreditaram que, tendo Paulo Guedes ao lado — e “influente”, afinal, era o Posto Ipiranga (hoje, mais Posto Tabajara) —, acreditaram que se faria um governo liberal. Gustavo Franco sugere que, se Paulo Guedes sair, a situação do país pode piorar. Um substituto como Ricardo “Passa a Boiada” Salles, por exemplo, seria o fim da picada. Curiosamente, o economista não cita Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional (e um dos supostos criadores do “orçamento secreto” — o Bolsolão ou Tratoraço do governo Bolsonaro), que realmente cobiça a vaga do chicago-old. Ex-deputado federal, Rogério Marinho deixa implícito que a reeleição do presidente depende da gastança nos Estados.

Os muito ricos — e parte da classe média, que não se sente representada por grupos político tradicionais —, depois de terem se apaixonado por Bolsonaro, amor decorrente do divórcio litigioso com o PT de Lula da Silva e Dilma Rousseff, já parece às portas de uma nova separação. Porque, como sr. da economia, acima de Paulo Guedes, Bolsonaro põe em risco seus lucros, seus ganhos (a crise com a China não interessa aos exportadores brasileiros). “Eles [empresários, banqueiros] votam com o bolso. Não tem nenhuma lealdade a políticos A, B ou C, pode ser Bolsonaro, como pode ser Dilma. A questão é quem vai melhor conduzir as agendas econômicas de interesse dessas pessoas”, sublinha Gustavo Franco. Portanto, o presidente pode ser deixado na chapada em 2022.

103 trilhões para investimento

O mundo mudou e, por isso, cobra novas práticos em termos de meio ambiente. Bolsonaro parece que quer “devolver” o Brasil a um mundo que está em vias de desaparecer. O presidente parece ter se tornado uma espécie de Rip van Winkle, o personagem de Washington Irving, que, tendo acordado 20 anos mais tarde, percebeu o mundo à sua volta todo mudado, e não o entendeu. De algum modo, Bolsonaro é um soldado invernal da Guerra Fria, mas que não compreende que Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e Rússia estão jogando muito melhor, mais no campo comercial do que na ideologia.

Gustavo Franco frisa que “os fundos que investem nos países emergentes vão querer que certos princípios de investimento responsável, inclusive os de meio ambiente, sejam obedecidos. Está absolutamente correto, o dinheiro é deles. Se você se considera ofendido por uma intromissão estrangeiras nas suas políticas ambientais, ok. Está ofendido, continua isolado, eles investem em outro lugar. São 103 trilhões de dinheiro que vão ser investidos no mundo conforme critérios ESG (ambientais, sociais e de governança). Estamos vendo, a partir do lado negativo infelizmente, o que é desobedecer a esses consensos e viver as consequências: as multinacionais vão embora, os investidores financeiros vão embora, muitos investimentos não acontecem. E o Brasil fica um pária econômico”.

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes: um nacionalista-corporativista e um liberal que, de algum modo, está fora do lugar| Foto: Reprodução/Ueslei Marcelino/Reuters

Pois então: qual tipo de “capitalista” Bolsonaro é se não entende as novas regras do jogo? O “respeito” ao meio ambiente é a nova lógica do mercado, porque as sociedades globais cobram mudança. É o “novo” capitalismo, que, para se reproduzir, precisa que o planeta sobreviva para além do agora. O presidente acredita que é a nova faceta do comunismo.

O Brasil está dando “passos decisivos” para se tornar um pária econômico, mas Gustavo Franco avalia que o problema “não é irreversível”.

“Um terço do PIB brasileiro é produzido por empresas multinacionais. Já estamos abertos ao mundo, e esse um terço é onde a produtividade é maior, a propensão a exportar é maior. As empresas globalizadas brasileiras que produzem um terço do PIB empregam menos de 3% da força de trabalho. (…) Não há contra-argumento contra a ideia de que a abertura [comercial] vai ser bom para o Brasil”, postula Gustavo Franco.

Embora o Brasil seja um país atraente — por vários motivos (matérias-primas abundantes, mercado com 210 milhões de pessoas) —, multinacionais, como a Ford, têm deixado seu território. “Estão saindo porque tem 40 anos que a gente não faz a abertura. A empresa que está aqui no Brasil não consegue se comunicar com suas cadeias de valor, com sua própria matriz. Se não pode fazer isso em escala no Brasil, então é melhor ir para Argentina. É o que está acontecendo.”

Bolsonaro, pode-se dizer, “desatualiza” até Getúlio Vargas, presidente nas décadas de 1930, 40 e 50, e Juscelino Kubitschek, presidente na década de 1950.