Grupo Globo demite Trigueiro, Andreazza e Kfouri: crise tem origem externa e não é política
12 novembro 2023 às 00h21
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Na semana passada, o Grupo Globo demitiu mais de 20 jornalistas e outros funcionários. Foram afastados profissionais da CBN e dos jornais “Valor Econômico” e “Extra!”.
Entre os demitidos estão figuras consagradas do jornalismo, como André Trigueiro, Berenice Seara, Carlos Andreazza (por sinal, ótimo editor de livros, tendo se destacado na Editora Record), Juca Kfouri e Ricardo Mendonça.
Desde já, é preciso esclarecer que André Trigueiro permanece na GloboNews (prestigiado como excelente comentarista de temas ambientais e outros) e no “Jornal Nacional”, da Globo. Carlos Andreazza foi mantido como articulista de “O Globo”. Juca Kfouri, um dos mais qualificados analistas esportivos do país, mantém sua coluna no UOL.
Se a Fenaj fala, com propriedade, em “demissão coletiva” — dada a quantidade de profissionais —, o Grupo Globo não apresentou informações sobre os motivos de defenestrar profissionais que estavam há anos em suas redações.
No meio jornalístico, fala-se em “contenção de despesas” e “reposicionamento editorial”. O primeiro motivo é plausível. Empresas tentam, a qualquer custo, manter (ou aumentar) sua margem de lucro ou, em certos casos, evitar a ampliação de possíveis prejuízos financeiros. A segunda razão é, por certo, duvidosa. Pode uma empresa de comunicação se reposicionar em termos editoriais despedindo alguns de seus funcionários mais competentes e experientes?
Os gabinetes do ódio e do tédio — produzem tanta mentira que cansam até os mais crédulos dos mortais — diziam que a Globo estava em crise e a “causa” era que o governo de Jair Bolsonaro não enchia os cofres da família Marinho. Na verdade, até por razões de mercado, a gestão federal, quando precisou, buscou anunciar na maior (e melhor) rede de comunicação do país.
Se havia uma crise na Globo, a causa não era o governo Bolsonaro. Tanto que, no governo de Lula da Silva, do PT — que não é hostil à empresa —, a Globo persiste demitindo.
O que há, de fato, é uma crise global das comunicações. A competição intensa com o entretenimento e o jornalismo internacional — cada vez mais acessíveis, com custos relativamente baixos (porque os produtos são vendidos em escala, em todo o mundo) — gera crises locais, reduzindo tanto a audiência quanto o faturamento comercial.
Então, se há uma crise na Globo, a causa não são governos ou personalidades da política, como Jair Bolsonaro.
A Globo (e não só a Globo, mas todos aqueles que são “grandes”, filhos dos tempos das vacas gordas) terá de se reinventar para — ficando menor — permanecer grande.
A Globo já está se reinventando, e há alguns anos. A empresa está mais enxuta, mas, como foi surpreendida por um “movimento” internacional — a respeito do qual não tem nenhum controle —, gestado em parte pelo streaming, não pôde reduzir, de maneira rápida, sua estrutura gigantesca.
A estrutura hoje é menor, mas a margem de lucro permanece baixa. A luta parece ser muito mais para estancar prejuízos.
A impressão que tenho é que a Globo vai sobreviver, em especial por sua capacidade de gerar produtos de alta qualidade — tanto no entretenimento (a Globoplay está se firmando) quanto no jornalismo (a GloboNews é um grande acerto).
No futuro, a Globo poderá se associar a algum grupo externo, com uma possível mudança na legislação, com capital e expertise nas áreas que são caras à empresa patropi. Para obterem lucros extraordinários, os programas da Globoplay precisam alcançar os telespectadores de dezenas de países — como os Estados Unidos, a China, a Índia, a Alemanha, o México etc. A venda em (alta) escala é que possibilita preços mais baixos e, portanto, a conquista de mais telespectadores.
O Brasil tem, na literatura, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Yêda Schmaltz e, entre tantos e tantas, Ana Maria Gonçalves (autora do romance “Um Defeito de Cor”). Na música, a mais conhecida (samba, MPB), Noel Rosa, Ataulfo Alves, João Gilberto, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, Elis Regina, Gal Costa, Maria Betânia, Paulinho da Viola, Fernando Perillo, Marisa Monte, Chico César. Nas artes plásticas, Di Cavalcanti, Portinari e Siron Franco.
Em termos de televisão, a qualidade da TV Globo é indiscutível. E talvez seja tão criticada exatamente por ser boa, acima da média. Por não ser tabajara. Sem a Globo, ressalvando as saudáveis exceções, o que se tem? Sensacionalismo excessivo e entretenimento mambembe.