Contando com a dificuldade que as instituições públicas têm de apreender o que realmente fazem — dada a sofisticação e a rapidez de suas mudanças tecnológicas —, as big techs costumam deitar e rolar no mercado mundial. Há países mais ágeis na percepção — e, se necessário, penalização — das jogadas das grandes empresas de tecnologia. Austrália, França, Espanha, Canadá e Estados Unidos estão na linha de frente a respeito das ações, às vezes deletérias, das gigantes transnacionais, que fazem o possível para escapar dos tentáculos das leis dos Estados nacionais.

Em nome de uma liberdade que só beneficia tais empreendimentos, seus ideólogos impõem o pensamento de que operam um sistema “livre” para todos (e todos seriam coparticipantes de uma aventura de “iguais”). Há “crentes” que acreditam que estão integrados a um sistema libertário global. São os jovelhos inocentes úteis de sempre (que consomem produtos, e se tornam produtos, mas continuam acreditando no seu “Insta” e no “Face” como centros de liberdade, e não de consumo, às vezes abusivos).

Recentemente, o “Valor Econômico” traduziu uma reportagem do “Financial Times”, jornal britânico, com o título de “Anúncios do Instagram eram direcionados a adolescentes no YouTube, driblando as regras”.

De acordo com o “FT”, “o Google e a Meta (holding que opera o Facebook e o Instagram) fizeram um acordo secreto cujo objetivo é direcionar anúncios do Instagram para adolescentes no YouTube. E isso foi feito driblando as próprias regras do Google sobre como menores de idade devem ser tratados no ambiente online”.

Mark Zuckerberg, dono do Facebook e do Instagem: o lucro acima de tudo | Foto: Reprodução

Segundo “fontes a par do assunto e com documentos aos quais o ‘Financial Times’ teve acesso, o Google trabalhou em um projeto de marketing para a Meta criado para ter como alvo usuários do YouTube de 13 a 17 anos, com anúncios que promoviam o aplicativo rival de fotos e vídeos. A campanha do Instagram foi direcionada de forma deliberada a um grupo de usuários que foram classificados como ‘desconhecidos’ em seu sistema de publicidade, embora o Google soubesse que a probabilidade maior fosse dos usuários serem menores de 18 anos”.

O “Financial Times” obteve informações de que o Google e a Meta decidiram “disfarçar” a jogada comercial, ou seja, a campanha.

O jornal inglês assinala que, no fim de 2023, o Google impôs uma meta para aumentar seu faturamento publicitário — que já é bem alto. Por sua vez, a Meta opera para manter seu público jovem ante uma concorrência forte como a do TikTok.

Google e Meta (Instagram e Facebook) são máquinas de fazer dinheiro, mas, ante um mercado que exige cada vez mais, operam para faturar ainda mais. Por isso, a suposta “necessidade” de fisgar um público mais jovem (menor de idade) — que às vezes escapa para, por exemplo, o TikTok.

O Senado americano aprovou, este mês, “a Lei de Segurança Online das Crianças, que imporá o dever de que as plataformas de relacionamento social online protejam as crianças contra conteúdos online prejudiciais”. Trata-se de “um raro consenso bipartidário [Republicano e Democrata] que deixam os Estados Unidos mais próximos da aprovação plena da importante regulamentação sobre segurança infantil, que é direcionada ao Vale do Silício”.

A senadora republicana Marsha Blackburn disse ao “FT”, de maneira enfática: “Não se pode confiar a proteção de nossos filhos às big techs”.

Daí a importância dos Estados nacionais, porque, dadas as questões técnicas (e a inteligência e atratividade da publicidade), dificilmente os pais têm como controlar o acesso dos filhos à publicidade abusiva (exceto se proibi-los de acessar celulares e computadores, o que é uma missão impossível). Os governantes, parlamentares, promotores de Justiça e magistrados têm de ficar de olho no que está acontecendo, mas parece que não está acontecendo. As big techs querem criar consumidores extremos cada vez mais cedo — desde a infância. Este é o jogo. O resto é ficção para tolinhos liberticidas.

No Brasil, segundo reportagem de Danielle Brant, da “Folha de S. Paulo”, “o Instituto Alana, organização que atua na defesa de crianças e adolescentes, pediu à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) que investigue as práticas de direcionamento de publicidade para menores brasileiros por Google e Meta”. Eis um bom sinal.