Globo deve preparar Nilson Klava, Andréia Sadi ou Cesar Tralli para o lugar de Bonner e Renata no JN
25 fevereiro 2024 às 00h02
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Não resta a menor dúvida: William Bonner é o melhor apresentador da televisão da brasileira. Ao mesmo tempo, pode ser o último dos moicanos de um tipo de jornalismo que, lentamente, está morrendo.
O apresentador glacial, que apenas apresenta a notícia, sem tecer nenhum comentário, está com os dias contados? Talvez sim. O “Jornal Nacional”, carro-chefe da TV Globo, é muito bem-feito. Não há o que contestar. Mas o modelo de seu jornalismo está, se não esgotado, se esgotando.
As mudanças na comunicação global foram, nos últimos anos, extraordinárias. Os leitores e telespectadores estão, todo o tempo, conectados às notícias locais, nacionais e mundiais. Pelo celular estão integrados àquilo que está acontecendo na Ucrânia e na Faixa de Gaza em tempo real. Se quiserem, podem ter acesso às redes de televisão americanas, europeias, asiáticas e árabes. Os melhores jornais — “El País” (na Espanha, sou assinante do “Abc”), “Le Monde”, “The Guardian”, “Washington Post” e “New York Times” — são facilmente consultados.
Quando o “Jornal Nacional” vai ao ar, depois 20h30, com as informações do dia, os telespectadores minimamente atentos ficam com a impressão de que já estavam super bem-informados e que o meio de comunicação da Globo chegou atrasado, pois estaria divulgando notícias “velhas”.
Como, no geral, o “Jornal Nacional” não comenta as notícias, optando apenas por divulgá-las, seu noticiário, depois das 20 horas, parece mesmo “velho”, ou seja, algo que os brasileiros já viram, durante o dia, na GloboNews ou em outros meios de comunicação.
O “JN” permanece como uma boa e séria síntese do que aconteceu durante o dia, no Brasil e no mundo. Mas suas notícias são, no geral, “velhas”. Pois saíram em quase todos os jornais, sites, emissoras de rádio e televisão.
Há duas saídas. A Globo pode remodelar o “JN” por inteiro, aproximando-o do jornalismo da GloboNews, que mantém comentaristas — às vezes, até excede nas análises. Ou então basta colocar dois analistas para explicar aos leitores o significado de determinados fatos.
Um pode comentar os bastidores do jogo político, esclarecendo, por exemplo, o que realmente está acontecendo entre o presidente da República, Lula da Silva, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (pP). Outro pode discutir economia — explicando, em detalhes, o que a Reforma Tributária vai mudar para os brasileiros — e não apenas para os empresários.
No momento, o “JN” divulga a notícia, mas ela fica solta no “ar”, cabendo a cada um tentar entender o seu conteúdo real.
William Bonner cumpre — muito bem — o papel para o qual foi designado, o de apresentar a notícia… secamente ou com gravidade ou um sorriso rápido. Nada mais. Os repórteres se esforçam para esclarecer o que aconteceu, mas, no geral, as informações são repassadas, mas não esclarecidas.
A “culpa” é de William Bonner? Não. O jornalista pegou o bonde andando e o mantém como dantes, com escassas mudanças. Provavelmente nem mesmo jornalistas da Islândia são tão “frios” ao narrar os fatos.
Se o “Jornal Nacional” mudar, combinando a mera exposição de notícias com análises luminosas — de Demétrio Magnoli, de Maria Cristina Fernandes (a excepcional analista de política da GloboNews e do “Valor Econômico”) e de Flávia Carvalho (é uma ás da argumentação) —, haverá espaço para a permanência de William Bonner e Renata Vasconcellos? É provável que sim, pois ambos são jornalistas e não meros ledores de notícias. Mas terão de passar por uma fase de readaptação.
Aos 60 anos, além de apresentar (desde 1996 — são 27 anos de jornada), William Bonemer Júnior, o William Bonner, é também o editor-chefe do “Jornal Nacional”, o que prova que é um dos responsáveis pela feitura do telejornal, não apenas por sua apresentação. Sua companheira de bancada, Renata Fernandes Vasconcellos, de 51 anos, está no “JN”, como apresentadora-titular, desde 2014. São dez anos. No modelo tradicional, fazem uma dupla perfeita, com eventuais “cacos”.
William Bonner e Renata Vasconcellos são jornalistas bem-informados e atualizados, mas, dado o modelo déjà vu, passam a impressão de que não têm iniciativa e são meros ledores de teleprompter. O que, a rigor, não são.
O mais certo é que a Globo não quer mudar um programa que é bem-sucedido e tem audiência alta. Talvez não queira mudar estruturalmente. Entretanto, para que não “morra”, certamente terá de introduzir algumas modificações, como a sugerida, com o acréscimo de breves análises de jornalistas especializados.
No modelo atual, William Bonner persiste insubstituível, pois ninguém, nem mesmo os apresentadores da GloboNews, são melhores do que ele.
Há espaço para os repórteres César Tralli, Andréia Saddi e Nilson Klava apresentarem o “Jornal Nacional”? Por certo, há. Pois os três são excelentes jornalistas, que sabem apresentar, reportar e, também, comentar.
1
César Tralli
César Augusto Tralli Júnior, de 53 anos, é um dos notáveis repórteres da Globo. Como apresentador da GloboNews e do “Jornal Hoje”, da Globo, está indo muito bem. Ao mesmo tempo que apresenta, percebe-se que não abdica de ser repórter. Por isso é um apresentador que às vezes supera os colegas e se relaciona de maneira estreita — tudo indica — com os repórteres. Porque não deixou de ser, acima de tudo, repórter.
No “Jornal Nacional”, dada à sua personalidade forte e, ao mesmo tempo, delicada (observe como fala dos colegas — de Fernando Gabeira, por exemplo), César Tralli poderia acrescentar algo, com ênfase na reportagem e na análise, sem descaracterizar o produto, que obtém sucesso há décadas.
2
Andréia Sadi
Andréia Koudsi Sadi, de 36 anos, faz sucesso porque é bonita e elegante (tem o porte das melhores modelos e uma elegância natural, não afetada)? Engana-se quem pensa assim.
Andréia Sadi é, como César Tralli, uma repórter incansável. É o seu diferencial. Sob seu comando, o “Estúdio I” deixou de ser espetaculoso e se tornou um espaço para o debate dos acontecimentos do país e do mundo. Dada sua ancoragem segura, o programa se tornou, de fato, mais jornalístico, e menos entretenimento. Ela sabe explorar, com precisão, as competências diferentes dos comentaristas que a acompanham.
Se assumir o “Jornal Nacional” no modelo atual, a Globo perderá uma repórter de qualidade e uma comentarista que está se aperfeiçoando. Para agasalhá-la, com uma exploração qualitativa de seu talento e brilho (it?), o “JN” terá de mudar. Ao vivo, depois de um intervalo, a repórter que é pode entrar, como apresentadora, e dizer: “Acabo de apurar que o ministro João Adriano Barbosa Rubinato acaba de pedir o boné. Na verdade, foi demitido”. Então, se quiser aproveitar o talento de Andréia Sadi, enriquecendo-o, a Globo precisa permitir que continue repórter e comentarista — não mera leitora de notícias.
3
Nilson Klava
Li, nalgum site, que Nilson Klava tem problema de convivência com um ou outro colega. Não parece. Há empatia visível entre o apresentador e repórter, de 28 anos, com apresentadores, comentaristas e repórteres. Certo, ninguém é perfeito. Mas no ar a empatia entre ele e os demais é visível.
Com a ida de Tiago Eltz para o “Jornal Nacional”, como repórter especial, Nilson Klava apresentará o “Em Ponto”, da GloboNews, ao lado de Mônica Waldvogel — uma das mais importantes repórteres, apresentadoras e comentaristas da televisão brasileira (ela não grita, não se impõe pelo palavreado forte, e sim pela qualidade de suas informações, pela capacidade de analisar sem forçar os dados e, também, pela classe).
Durante a licença-maternidade de Aline Midlej, Nilson Klava apresentou o “Jornal das 10”, da GloboNews. Como dizem os brasileiros, não deixou a peteca cair. Pelo contrário, foi muito bem como âncora, sobretudo por ser um repórter qualificado, daí a empatia com os demais repórteres. É tão simpático quanto Aline Midlej — esta, além de tudo, uma estrela (e, ao contrário do se pode pensar, é bem-posicionada ante os fatos).
Com seu jeitão de menino, com a fala mansa de quem é amigo de todo mundo, Nilson Klava foi muito bem. Tanto que foi promovido.
Se der certo no “Em Ponto”, quem sabe uma “escola” para outros voos, Nilson Klava poderá, mais tarde, daqui uns cinco anos — quando William Bonner, aos 65 anos, poderá ficar tão-somente como editor-chefe —, assumir a bancada do “Jornal Nacional”, ao lado, talvez, de Andréia Sadi.
Se William Bonner é o presente que, aos poucos, vai se tornar passado, Nilson Klava e Andréia Sadi, assim como César Tralli, são o futuro que está chegando, ou talvez já tenha chegado. Dois deles, possivelmente, estão sendo preparados para apresentar o “Jornal Nacional”. Um “JN”, decerto, remodelado, com mais comentários, sem deixar de ser uma síntese mais ou menos precisa do que a aconteceu de relevante no país e no mundo durante o dia.