Folha de S. Paulo demite Janio de Freitas, o Pelé do jornalismo, e Sylvia Colombo

18 dezembro 2022 às 00h00

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Otavio Frias Filho, Otavinho, faleceu em 2018, aos 61 anos. Desde sua morte, há quatro anos, a “Folha de S. Paulo”, jornal do qual foi diretor de redação durante décadas, perdeu energia criativa e diversidade de opiniões. Aderiu ao politicamente correto e perdeu jornalistas e colaboradores de primeira linha. Há um editor, mas quem dirige mesmo é Luiz Frias, que, se é um empresário eficiente, não tem o tino jornalístico do irmão — aliás, nem é jornalista.

A prova de que a “Folha” está perdendo substância, massa crítica, foi a demissão, na semana passada, de Janio de Freitas, o jornalista que, ao lado de Reynaldo Jardim e outros, operou uma verdadeira revolução no “Jornal do Brasil”, tornando-o, em seu tempo, um jornal incontornável.
Aos 90 anos, Janio de Freitas está perfeitamente lúcido e se mantém atento às coisas da política. Pode-se sugerir que, durante anos, foi uma voz dissonante ou autônoma na “Folha”. A rigor, escrevia seu próprio “jornal” dentro da “Folha”. Seu “cantinho”, o espaço exíguo concedido a petardos verbais irretocáveis, era, a rigor, um verdadeiro jornal. Seus comentários e denúncias reverberam noutros jornais e internamente, pois servem de pautas para as redações.

Quando a “Folha” era anti-Lula da Silva, Janio de Freitas não se engajou no chamado “jornalismo de deslize” da redação. Mesmo assim, preservando sua independência crítica, Otavinho Frias nunca o incomodou. O editor tinha um respeito imenso pelo decano da redação — uma figura inspiradora para todos, dos mais jovens aos mais velhos.
Num tempo em que alguns jornalistas aceitam prebendas e cargos, legais ou sub-reptícios, Janio de Freitas sempre foi de uma decência exemplar. Porém, para a gestão de Luiz Frias e Sérgio Dávila, a história do jornalista, que dedicou 42 anos de sua vida ao jornal, não tem nenhuma importância — daí sua demissão, e por telefone. Não tiveram a decência de explicar, pessoalmente, a razão da demissão. Sérgio Dávila deveria ter ido ao Rio de Janeiro — de avião ou, para economizar para o patrão, de ônibus — para se explicar. Oxalá não publique uma daquelas cartas “falsas” que editores escrevem quando demitem profissionais do quilate de Janio de Freitas.
A “Folha” está em crise? A demissão de Janio de Freitas resolve a suposta crise? Claro que não.

Ricardo Balthazar e Sylvia Colombo foram demitidos
A “Folha” demitiu também Ricardo Baltahzar, Sylvia Colombo, Marilene Felinto, Thea Severino e Gregorio Duvivier (ator e apresentador, era colunista do jornal).
Sylvia Colombo, correspondente latino-americana, emplacou diversas reportagens de qualidade no jornal. A jornalista divulgou, com mestria, a cultura de vários países, como Argentina, Colômbia, Chile, México, Uruguai, entre outros. Escreveu resenhas muito boas a respeito das obras de vários escritores. Fiquei sabendo da existência de autores talentosos, porém pouco divulgados no Brasil, lendo seus textos na “Folha”. Sua demissão empobrece o jornal do Luiz Frias e de seu fiel escudeiro, Sérgio Dávila.

Ricardo Balthazar era repórter especial da “Folha”. Trata-se de um dos jornalistas mais completos de sua geração e era e é respeitado na “Folha” e no mercado jornalístico do país.
Marilene Felinto, colunista, escreveu na “Folha” anos atrás e saiu. Depois, voltou e, agora, é demitida. Trata-se de uma escritora de qualidade — “As Mulheres de Tijucopapo” é um belo livro — e uma polemista feroz, que não poupa nem mesmo a “Folha”. Seus artigos não deixam ninguém indiferente, porque a autora jamais fica em cima do muro. São puras facas só lâmina. Leio seus textos sempre com atenção, às vezes discordando das pedradas verbais, mas sempre me instruindo e, por vezes, me divertindo com sua verve crítica corrosiva.

Thea Severino era editora de arte da “Folha”.
Qual o motivo real das demissões? Comenta-se, na redação, que tem a ver com contenção de despesas. Fala-se que, como 2023 possivelmente será um ano de agudização da crise econômica — se o economista Nouriel Roubini, o Doutor Apocalipse, estiver certo —, a “Folha” já estaria se prevenindo com o corte de despesas. Cá entre nós, pagar o salário de um Janio de Freitas é “despesa” ou “investimento”? Claro que é investimento.
A histórica denúncia sobre a Ferrovia Norte-Sul
Em 1987, o jornalista Batista Custódio decidiu editar um caderno — praticamente, um livro de reportagens — sobre a Ferrovia Norte-Sul, contando com o apoio do governo do presidente José Sarney e do governador de Goiás, Henrique Santillo. Para editá-lo, convocou o jornalista Washington Novaes, que havia trabalhado na “Folha de S. Paulo”, no “Estadão” e na TV Globo. Ao entrar na redação, Washington foi logo me convidando para trabalhar com ele, ao lado de Fábio Nasser, Britz Lopes e, mais tarde, Eloí Calage. O diagramador era Antônio Só (ou Soh).
Comecei como repórter e me tornei, ao lado de Eloí Calage, editor assistente de Washington Novaes, um editor notável cujas pautas, todas por escrito, eram verdadeiras reportagens. A redação funcionava na Avenida 24 de Outubro, em Campinas, e um dia o editor me disse: “Ligue neste telefone, é de Janio de Freitas, da ‘Folha de S. Paulo’ e o entreviste”.
Recebi cópias de reportagens da “Folha”, nas quais Janio de Freitas havia denunciado a fraude da licitação da ferrovia. Reli o material e liguei para Janio de Freitas, que não quis falar. Disse que me atendeu porque eu mencionei o nome de Washington Novaes e informou que o que tinha a dizer seria dito na “Folha”. Despediu-se e desligou o telefone. A licitação foi cancelada pelo governo Sarney devido à denúncia consistente do jornalista.