Quem mais perde com a saída da rede francesa são empresas que vendem televisões, computadores, smartphones, cafeteiras — não as editoras. As editoras Penguin e HarperCollins apostam no país

A Fnac é cada vez menos uma livraria

A Fnac anuncia que vai sair do Brasil. Não é uma boa notícia. Porque antes uma Fnac razoável que nenhuma Fnac. As editoras patropis vão “sofrer” com o fechamento. Mas quem mais vai sofrer são as empresas que vendem televisões, computadores, toca-discos, cafeteiras, smartphones e, eventualmente, poltronas. Tais produtos ocupam a maior do espaço das “livrarias” Fnac, que, a rigor, são cada vez menos livrarias (confira um fato: quase não há lançamentos na Fnac em Goiânia. “A Maldição de Stálin”, do historiador Robert Gelatelly, pode ser adquirido na Livraria Saraiva, mas não na Fnac. As duas estão no mesmo shopping, o Flamboyant, a pouco metros uma da outra). Há, porém, notícias positivas para os amantes dos livros e para o mercado. No sábado, 11, o “Valor Econômico” e a “Folha de S. Paulo” traduziram uma reportagem do “Financial Times” com uma informação inusitada. O texto de John Gapper mereceu o título de “Página virada” (tradução de Paulo Migliaci) na “Folha” e “Amazon muda a tática para vender livros” (tradução de Sabino Ahumada) no “Valor”. Contra todos os prognósticos, apontando uma crise nas livrarias físicas, a Amazon, criada por Jeff Bezos, vai abrir uma livraria — física — em Manhattan. Quem sabe, ante a crise da Livraria Cultura, decida ocupar o espaço da Fnac no Brasil.

John Gapper nota que, ao lançar o Kindle, leitor eletrônico de livros, Jeff Bezos anotou: “O livro é uma forma tão evoluída e tão apropriada à sua tarefa que é muito difícil substituí-lo”. Quer dizer, embora estivesse lançando um produto para ocupar o seu lugar, o fundador da Amazon admitia a hegemonia do livro. Provando a vitalidade do livro impresso — não se sabe por quanto tempo —, o “Financial Times” registra que, “no segundo semestre deste ano, a despeito do desordenamento digital que o Kindle deflagrou, a empresa vai abrir uma livraria em Manhattan”. Quem pensava que isto poderia ocorrer? Ninguém, possivelmente. Nem mesmo o todo-poderoso Jeff Bezos.

Jeff Bezos: a Amazon rende-se ao livro impresso e abre uma livraria em Manhattan

O “Financial Times” observa que “há sinais de renascimento para os livros em toda a parte. A cadeia britânica de livrarias Waterstone saiu do vermelho no ano passado depois de seis anos de prejuízos. As vendas de livros em papel subiram 3% nos Estados Unidos, enquanto as de livros eletrônicos caíram”.

Por que o livro em papel resiste tanto? O “FT” assinala que “os compradores gostam da sensação táctil dos livros. Os americanos leem em média 12 livros por ano, e a maioria é em papel”. Registre-se um fato: a indústria pressionou as pessoas, de variadas formas — inclusive indicado que era mais moderno usar Kindle, Lev e Kobo e quem não usava seria uma espécie de dinossauro (os “dinos” estão vencendo) —, mas não adiantou. Por isso, sublinha John Gapper, agora “a Amazon prefere o papel”. A rede de livrarias virtuais de Jeff Bezos estaria fechada se vendesse apenas livros eletrônicos.

O “FT” frisa que, como não conseguiu vencer os leitores de livros impressos, Jeff Bezos, sabiamente, mudou de tática. Vai investir em livrarias físicas, ao menos num primeiro momento, de maneira parcimoniosa. “Em 2016, a Amazon vendeu 35 milhões de livros em papel a mais do que em 2015, nos Estados Unidos.” Quer dizer, ao contrário do que era previsto, até a Amazon, a rainha do virtual, vende mais livros impressos do que livros eletrônicos.

Antes uma Fnac razoável do que nenhuma Fnac

O “renascimento”, afirma o “Financial Times” — prefiro dizer resistência (em nenhum momento os livros em papel perderam terreno para os eletrônicos)—, dos livros em papel gerou outro fenômeno: a Amazon reaproximou-se das editoras, deixando de confrontá-las. Limitou, por exemplo, “os descontos que podem ser oferecidos para os livros eletrônicos”. “O renascimento do livro, em suma, interessa à Amazon, às editoras e aos leitores”, diz o “FT”.

“A verdade é que as pessoas gostam de livros em papel, se não forem punidas financeiramente por isso”, pontua Mike Shatzkin, da consultoria Idea Logical. “Uma década depois do lançamento do Kindle, Bezos as está recompensando”, escreve John Gapper. Os livros eletrônicos não canibalizaram os livros impressos; pelo contrário, convivem relativamente bem, e não como Caim e Abel.

Livro digital vende pouco no Brasil

Na reportagem “No Brasil, o digital não assusta mais”, Gustavo Brigatto, do “Valor”, conta que, “em quase uma década de vendas de livros e leitores eletrônicos, a fatia desse segmento não passou de 5% do mercado total” (na Alemanha, um dos maiores consumidores de livros, não passa de 3%).

Pesquisa da Nielsen constata que “o mercado de livros no Brasil encolheu 11% em volume, para 39,4 milhões de unidades e 3,1% em faturamento em 2016”. Aposta-se que 2017, com a possível retomada do crescimento econômico, o mercado (editoras e livreiros) se estabilize. A Livraria Cultura, tida como a mais charmosa do país, está em crise. Cogita-se, inclusive, de fusão com a Livraria Saraiva.

Se a Fnac está indo embora, grandes editoras — Penguin e HarperCollins — estão desembarcando no Brasil. Motivo: o mercado é considerado dos melhores e está em crescimento, dado o maior incentivo à educação.