Filme mostra que o Plano Real, atento às regras do mercado, estabilizou economia e gerou crescimento

20 junho 2017 às 17h19

COMPARTILHAR
O governo de Itamar Franco-Fernando Henrique Cardoso, com economistas atentos, como Gustavo Franco e Persio Arida, debelou a inflação, estabilizou a moeda e gerou confiança no mercado
Greice Guerra Fernandes
“Real — O Plano Por Trás da História” é um filme brasileiro, do gênero thriller político-drama, com direção de Rodrigo Bittencourt e roteiro de Mikael Faleiros de Albuquerque. O longa-metragem foi inspirado no livro “3000 dias no Bunker — Um Plano na Cabeça e um País na Mão” (Record, 332 páginas), do jornalista Guilherme Fiuza.
Trata-se de uma tentativa de retratar os bastidores da criação daquele que foi o maior plano econômico do Brasil nos últimos anos. O Plano Real combateu a hiperinflação que deixava os brasileiros em pânico, nos primeiros anos da década de 1990. O economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, é o personagem-protagonista. O filme destaca sua importância na formação e implantação das metas do plano, apresentando-o como herói — o que contrariou outros economistas, como Persio Arida e, possivelmente, André Lara Resende.

O filme mostra o “irritadiço” Itamar Franco, que assumiu a Presidência da República, em dezembro de 1992, logo após o impeachment de Fernando Collor, herdando um país com uma inflação acumulada em 12 meses de 1.119%, uma turbulenta crise política, uma economia em frangalhos, baixa arrecadação tributária e recessão. Como consequência de tais acontecimentos, o governo apenas ordenava ao Banco Central — que podia comprar títulos diretamente do Tesouro — que imprimisse mais moeda para fazer frente às despesas. O resultado era um moto-perpétuo inflacionário.

A população não tinha a menor perspectiva de que houvesse qualquer arrefecimento da inflação de preços — uma vez que a hiperinflação favorecia a má distribuição de renda, impossibilitava o setor produtivo de realizar investimentos a longo prazo, o que, por sua vez, causava retração econômica.
A hiperinflação acarretava queda do poder de compra da moeda, favorecendo a dolarização da economia — o que causava drásticos impactos econômicos e sociais, como a baixa qualidade de vida da maioria da população, na década de 1980 e na primeira metade da década de 1990.

Criadores do Plano Real
Devido ao caos econômico, o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, convocou uma equipe de economistas com o objetivo de evitar o desastre absoluto. O economista Pedro Malan, um dos principais auxiliares de Fernando Henrique Cardoso, convidou o economista Gustavo Franco, professor da PUC-Rio, para contribuir no redesenho da política econômica.
O filme sugere que Gustavo Franco era um personagem ambicioso, polêmico, explosivo, obstinado e, às vezes, introspectivo. Era visto, por muitos, como “arrogante”. Ao menos segundo o filme, outros componentes da equipe econômica não tinham a sua imagem futurista-modernizante. Persio Arida tem realçado que Gustavo Franco deve ser visto como uma figura menor na elaboração do Plano Real, ressaltando que André Lara Resende, Pedro Malan e Edmar Bacha tiveram papeis mais cruciais. Persio Arida, numa entrevista ao “Valor Econômico”, sublinha que o filme reduz até mesmo o papel de Fernando Henrique Cardoso. “É ruim, é grotesco. Oscila entre a fantasia e a mentira”, ataca Persio Arida.

Contrafação histórica ou não, o filme ressalta que Gustavo Franco, dotado de grande capacidade intelectual — o que ninguém discute —, contribuiu para elaborar o Plano Real, no qual a moeda, senão atrelada, se tornou muito próxima, em valor, ao dólar. Ao mesmo tempo, o governo não permitiu que a economia se dolarizasse, o que, se ocorresse, levaria o Plano Real ao descrédito e, até, ofenderia os brios nacionalistas.
A equipe comandada pelo ministro Fernando Henrique Cardoso e pelo economista Pedro Malan criou a Unidade Real de Valor (URV) — com o apoio de Gustavo Franco —, que era tão-somente um nome técnico para tangenciar a palavra dolarização. No dia 29 de junho de 1994 — há 23 anos —, morria o cruzeiro real e, em 1º de julho de 1994, nascia o real. Sem sobressaltos e tumultos na economia. A transição foi feita com tranquilidade, e no momento em que o Brasil se tornava tetracampeão na Copa de Futebol de 1994.

O filme tem problemas e não mostra de maneira mais profunda e detalhada — consta que Deus e a economia moram nos detalhes — o processo de elaboração e fundamentação econômica do plano; apenas o resume, e de maneira genérica. Caso tivesse exibido suas especificidades, que caracterizam sua inovação, as gerações mais novas poderiam compreender, de maneira mais precisa, como se deu a implantação do Plano Real na economia. A estabilidade da moeda — da economia — poderia ser percebida com mais clareza.
O degringolar do Plano Real, em decorrência das crises internacionais provocadas pelos Tigres Asiáticos, é exposta pelo filme. As economias do sudeste da Ásia — Hong Kong, Coreia do Sul, Singapura e Taiwan —, com forte crescimento e intensa industrialização entre as décadas de 1960 e 1990, acarretaram forte valorização da moeda americana, pressionando o Banco Central do Brasil a vender maciçamente dólares de suas reservas internacionais. Até que, em 1999, com as reservas na metade do que havia em 1998, o Banco Central permitiu que o câmbio flutuasse.

Assim, a ideia original do Plano Real foi para o espaço, pois o governo teve de adotar o famoso tripé macroeconômico: câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. Nenhum desses conceitos existia no Plano Real.
A trama expõe o desapontamento de Gustavo Franco ao observar que o plano não conseguia resistir às crises internacionais que assolavam o Brasil. Apegado ao seu idealismo e talvez devido à falta de flexibilidade, o economista não admitia a vulnerabilidade e a fragilidade do Plano Real — derivadas das crises internacionais — e era resistente à tomada de decisões que pudessem contribuir para debelar ou, pelo menos, amenizar a situação. Acrescente-se que não decidia sozinho, pois era uma peça de uma engrenagem mais ampla.
O comportamento de Gustavo Franco, digamos intransigente, afetou sua trajetória profissional e política. Sua imagem de economista ficou abalada, ao menos em parte, ao ser levado para depor na CPI do Banestado em 2003 — o que causou furor político e afetou a economia. Mas ele é, de fato, altamente competente, um formulador. E sua reputação, em termos de moralidade, não saiu abalada.
Apesar das críticas de Persio Arida e de outros economistas, pode-se dizer que o filme consegue provar que tanto a implantação quanto a transição do Plano Real foram bem realizadas por seus criadores. O fato de o governo não ter congelado preços de produtos, não ter feito confisco e não ter proposto tabelamentos, respeitando as regras do mercado real, mostram que se trata de um plano maduro e realista. Não houve a pirotecnia de planos anteriores, que começavam até bem, mas derrubaram ainda mais a economia, dados os equívocos de seus fundamentos.
O Plano Real estabilizou a economia, melhorou a distribuição de renda, o que permitiu maior acesso da população mais pobre aos bens de consumo. Ao debelar a inflação galopante derrubou a crise de confiança e fortaleceu o mercado. A criação de uma moeda estável, garantidora do poder de compra, deu dignidade à sociedade.
Mesmo com seu declínio, a moeda, o Real, permanece até hoje. Apesar das crises, decorrentes, nos governos petistas, mais de problemas internos do que externos, a moeda persiste estável. A rigor, pode-se dizer que o governo, nos últimos anos, produziu a crise, devido a erros no ajuste da política econômica. A crise, vale insistir, não tem derivação externa. É brasileiríssima. Made in Brasil.
Vale a pena insistir que o Real foi o plano econômico mais importante da história do Brasil e, portanto, representa um divisor de águas na economia local. Trata-se de um plano forte e, ao garantir a estabilidade da economia, o país deve muito a ele e, claro, aos seus criadores — Persio Arida, Pedro Malan, Edmar Bacha, André Lara Resende e Gustavo Franco, os cinco mosqueteiros.
Greice Guerra Fernandes é economia e analista de mercado.