Filho do escritor Louis Begley lança biografia de John Updike
10 maio 2014 às 11h12
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Adam Begley, filho do escritor Louis Begley, lança “Updike” (Harper USA, 576 páginas), a biografia do escritor americano John Updike, o Balzac da classe média americana. Orhan Pamuk elogiou o livro, no “New York Times”. Como o autor da série “Coelho” era prolífico, o Nobel turco disse que, lido o livro de Begley, sentiu vontade de sentar-se e escrever.
O motivo é simples: poucos autores escreveram tanto, e tão bem, quanto John Updike (1932-2009), mais conhecido pelos quatro livros (e mais um conto) sobre uma família de classe média americana — a chamada série “Coelho” (republicada no Brasil pela Companhia das Letras). “Corre, Coelho” e “O Coelho Está Rico” são romances do balacobaco. Suas memórias, “Consciência à Flor da Pele”, são tremendamente perspicazes. Ele conta, por exemplo, porque apoiou a guerra do Vietnã, fala de sua psoríase e de ter um neto negro. “Bem Perto da Costa” inclui algumas de suas críticas. Ele era admirador de Machado de Assis e Clarice Lispector.
Durante anos, fizesse calor ou frio, os leitores americanos tinham, todo ano, algum livro novo de Updike para ler, quase sempre com alta qualidade. Eram romances, contos, crítica literária e, sim, poesia. Andrés Hax, em texto publicado no “Clarín”, diz que o escritor tinha um alto poder de observação e sua prosa “celebrava o mundano quase que para santificá-lo”.
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Nascido na Pensilvânia, em 1932, Updike era filho único de um casal de trabalhadores. Sua mãe uma escritora menor que sabia incentivá-lo. Aos 15 anos, ele já falava em escrever para a “New Yorker”, uma das principais revistas americanas. Formado por Harvard e Oxford, apontado como aluno brilhante, logo estava escrevendo para a revista.
Depois do encanto com a “New Yorker”, para a qual continuou escrevendo, Updike decidiu se tornar escritor. Mudou-se com a mulher e a filha para uma cidadezinha ao norte de Boston e passou a vida inteira escrevendo e publicando livros. Ele vivia disso.
Begley mostra que Updike transformou suas vivências em ficção. Não uma mera transposição. Ele usou sua poderosa imaginação, não para embelezar ou caricaturizar aquilo que via — o cotidiano da classe média americana —, mas para entender e explicitar, por meio da literatura, a sociedade em que viveu. Marcel Proust e James Joyce eram os heróis literários de Updike, mas sua prosa realista não tinha tanto a ver com a dos autores de “Em Busca do Tempo Perdido” e “Ulysses”, sobre os quais escreveu tão bem. Não era apenas a linguagem do francês e do irlandês que interessavam ao autor de “Coelho Em Crise”. Ele apreciava o uso que os dois faziam de suas próprias histórias e das histórias de seus povos, países e cidades nas suas literaturas.
No “New York Times”, Louis Manad escreveu: “Updike quis fazer com o mundo da classe média da metade do século [certamente a segunda metade do século 20] o que Proust fez com a Belle Époque e Joyce com um só dia de 1904, em Dublin — e também o que Jane Austen fez com os proprietários de terras ingleses no tempo das guerras napoleônicas e Henry James com os endinheirados americanos expatriados vivendo na Europa nos fins do século 19”.
A criação literária mais importante de Updike é a série sobre Harry (Harold) Angstrom, o Coelho, iniciada em 1960 e concluída em 1990 (há um conto “finalizando” a história). Trata-se de uma história do século 20 americano — a partir de 1960 — recriada pela literatura. A história agrada a presidente Dilma Rousseff, uma leitora compulsiva tanto de Updike quanto de Philip Roth. Os romances contam a história de Harry da juventude, passando pelo casamento, até sua morte. O veículo japonês Corolla, que hoje encanta os brasileiros, é quase um personagem do livro.
Begley mostra que Updike tinha grande interesse pelo conto e pelo jornalismo cultural. Tinha uma curiosidade insaciável e escreveu, com mestria, sobre a prosa de Machado de Assis. Ele também apreciava o poeta e prosador “inglês” Jorge Luis Borges, “por acaso” nascido na Argentina. A biografia mostra que Updike era obcecado com seu trabalho, que revisava-o intensamente. Era um operário da literatura e das artes em geral.
Orhan Pamuk, perplexo com sua capacidade de escrever, com a quantidade raramente sacrificando a qualidade — as quedas eram mínimas —, pergunta: “Como pôde ser possível uma pessoa como Updike?” E tenta responder: “Lida esta convincente biografia, eu diria que Updike foi possível, em parte, porque viveu em um país grande e democrático como os Estados Unidos, com um público leitor, otimista, de classe média; e em parte por sua própria independência de espírito e individualismo rousseauniano. O livro provocou em mim o desejo de sentar-me em meu escritório e trabalhar mais duro e escrever”.
Andrés Hax diz que “Updike é um autor para descobrir e redescobrir. Com o passar dos anos, veremos se sua persona literária vai se agigantar ou se vai ficar menor. Por hora, é um modelo para qualquer escritor, por sua disciplina, sua ambição e beleza de sua escritura”. O tempo é mesmo o teste para os grandes autores, porque ninguém nasce Dante, Cervantes, Shakespeare, Goethe, Flaubert, Machado de Assis, Proust, Joyce e Thomas Mann. Mas tenho a impressão de que Updike ficará como uma espécie de Balzac da classe média americana. Só que mais refinado do que o francês e próximo, porém menos moralista, de Henry James.