Filho de Pablo Escobar planeja processar José Padilha e Netflix. Quer dinheiro?
10 novembro 2015 às 23h11
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As centenas de parentes de pessoas assassinadas a mando do narcotraficante deveriam processar Sebastián Marroquín e sua família
Pablo Escobar era uma espécie de assassino duplo. Mandava matar políticos, empresários, advogados, traficantes rivais e magistrados. Como traficante de cocaína, o criminoso colombiano também contribuiu para a morte ou para deteriorar a saúde de milhares de pessoas pelo mundo afora. Vários livros registram sua crueldade com o máximo de rigor e não há quem não se impressione com seus excessos e descontrole. Era um bandido implacável, que se julgava acima de todas as leis, desafiando os poderes constituídos.
Se os livros são em geral rigorosos, raramente condescendentes, documentários, filmes e séries às vezes, mesmo que não seja a intenção, glamourizam o homem que criou uma poderosa máfia colombiana e inundou o mundo de cocaína. Nas telas bandidos ganham, não raro, ares heroicos. A imagem cristalizada quase nunca é apenas a de criminoso. Os protagonistas sempre se tornam, por assim dizer, bandidos-mocinhos. A série “Narcos” recriou Pablo Escobar — para pior ou para melhor? — com as nuances necessárias? O diretor José Padilha e a Netflix deturparam a vida do Corleone dos trópicos, tornando-o mais cruel? Nada disso. O Pablo Escobar da série é tão cruel quanto o Pablo Escobar da vida real. A ficção é utilizada tão-somente para realçar certos aspectos, mas, a rigor, não há distorções. É bem provável que o Pablo Escobar da vida real fosse ainda mais virulento.
Para a família, porém, Pablo Escobar (na foto com Juan Pablo) jamais será visto apenas como bandido cruento, desumano. Será o filho, o marido e o pai. Mas a história do narcotraficante, que destruiu tantas vidas na e fora da Colômbia, não é mais patrimônio exclusivo de seus familiares. Dada sua alta implicância na vida pública, de seu país e de outras nações, sua vida se tornou coletiva e deve ser contada com o máximo de objetividade possível. Pode-se dizer também que a família de cada vítima é proprietária da história do Al Capone dos trópicos. A família de Pablo Escobar é dona apenas parcial de sua história.
Numa visita recente ao Brasil , Sebastián Marroquín (Juan Pablo Escobar), filho de Pablo Escobar, anunciou que pode processar tanto a Netflix quanto o cineasta José Padilha. Numa entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, disse que ambos usaram a imagem da família sem consultá-la. “Os diretores falam que é liberdade poética quando são criticados. Mas quando se fala sobre o seriado, dizem que a história é verdadeira. Se você ler as letras pequenas, dizem que é tudo parecido com a realidade e casualidade. Eu desconfiaria muito de uma série que disse ser a verdade histórica, mas nunca se interessou em falar com a família do protagonista. Queria saber do sr. Padilha como ele reagiria se eu escrevesse uma história da vida dele sem que soubesse?”
Será que as centenas de famílias que perderam a vida em decorrência das ações de Pablo Escobar e sua quadrilha teriam mais a dizer do que a família do narcotraficante? Vale dizer que, durante o reinado do criminoso, seus filhos eram pequenos. O que sabem do pai é a partir do que leram e viram na televisão ou daquilo que os familiares lhes contaram. Quer dizer, como no caso de José Padilha e da Netflix, é uma história de segunda mão. Sebastián Marroquín entrega o jogo quando admite que se ofereceu para ser consultor da série. Uma grana extra, ainda que seja para exibir o pai como bandido, é sempre bem-vinda?
Sebastián Marroquín sustenta que “Narcos” equivoca-se ao supostamente mostrar Pablo Escobar com “o único responsável” pelo que aconteceu na Colômbia no período em atuou fortemente como traficante internacional de cocaína. “É um insulto à história da Colômbia, à memória do meu pai e à de milhares de vítimas que perderam a vida dentro dessa história. É uma maneira muito horrorosa de representar meu pai como o único responsável por tudo o que aconteceu. Omite fatos históricos que não deveria, sobretudo quando se apresenta ao público uma história supostamente verdadeira”, afirma.
Ora, a série conta a história de Pablo Escobar, não a do Cartel de Calí, para ficar num exemplo. A história é “horrorosa” não por que José Padilha e Netflix querem, e sim por que o narcotraficante criou uma escola de terror na Colômbia. O criminoso, sim, é um insulto à história da Colômbia.
José Padilha, entrevistado pela “Folha de S. Paulo”, não deixou por menos: “Pablo foi representado por muitas pessoas em muitos livros e filmes, às vezes de maneira heroica, como fez seu primo, Roberto Escobar. Por que será que este sr. ficou chateado só agora? Por que não saiu batendo no que narrou o seu tio, que vivenciou a vida criminosa de Pablo diretamente? Pode ser que este sr. seja mais um especialista em Pablo Escobar, mas será que é especialista em ética?” Uma resposta adequada — dura e verdadeira.
“A Netflix tem todo o direito de contar a história de Pablo como bem entender e de explorar comercialmente a sua narrativa, como qualquer escritor e cineasta têm, posto que Pablo Escobar é uma figura pública. E tem também o direito de contratar os consultores que preferir, segundo a sua avaliação, assim como este sr. tem o direito de ficar chateado por não ter sido contratado”, disse José Padilha.
“Narcos” não é uma hagiografia. Será isto que irrita tanto Sebastián Morroquín ou o filho do assassino serial quer apenas uma grana? Ou as duas coisas?
(Ao “Estadão”, Sebastián Marroquín disse que Frank Sinatra era sócio de seu pai. Apresentou alguma evidência? Nenhuma. Será processado pelos herdeiros do cantor norte-americano?)
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