O “Cala-Boca Já Morreu” vai prestar “assistência jurídica a qualquer investigado ou processado por criticar autoridades”

O influenciador digital Felipe Neto Rodrigues Vieira disse que a política do presidente Jair Bolsonaro para combater — ou não combater — a pandemia do novo coronavírus é “genocida”. Devido à Covid-19 morreram, até sexta-feira, 20, mais de 290 mil brasileiros e o cientista Miguel Nicolelis postula que, até julho deste ano, tendem a morrer 500 mil. É um dado alarmante. Nos Estados Unidos, cujo presidente Donald Trump era um simulacro do líder patropi, morreram 541.037. Na Inglaterra há o registro de 110.903 mortes. Pode-se falar em genocídio nos dois países? Não. A discussão precisa ser menos acalorada e mais ampla. Bolsonaro criou uma política deliberada para as pessoas morrerem? A rigor, não. Mas sua inação, a lentidão na questão da vacinação — num país que tem um sistema eficiente —, é tão grave que leva as pessoas a denunciá-lo como “genocida”.

Felipe Neto acabou denunciado, com base na Lei de Segurança Nacional — um cadáver insepulto, que, segundo o ministro Ricardo Lewandowski, precisa ser “exorcizado” ou “enterrado” — e no Código Penal por crime de “calúnia”. Mas a Justiça decidiu suspender o inquérito por considerá-lo “ilegal”. Os indícios sugerem que o youtuber está mesmo sendo perseguido pelos “mictórios do ódio” do bolsonarismo.

Felipe Neto: crítico do presidente Jair Bolsonaro | Foto: Reprodução

Atento, e sem receio de enfrentar o poderio do bolsonarismo — que achincalha sem dó quem o critica —, Felipe Neto criou o movimento “Cala-Boa Já Morreu”, que pretende oferecer “assistência jurídica a qualquer investigado ou processado por criticar autoridades”. Segundo o jovem de 32 anos, “os casos não param de surgir por todo país”.

“Eles [os aliados do presidente Jair Bolsonaro] queriam colocar medo na população, nos jornalistas, nos professores. Então decidi procurar os melhores advogados que conheço e perguntar se eles topariam utilizar seus escritórios para defender todo mundo que sofresse essa tentativa de silenciamento absurda que sofri. Eles toparam na hora”, afirma Felipe Neto.

Numa entrevista à repórter Roberta Jansen, do “Estadão”, Felipe Neto relata que “vinte e cinco pessoas foram intimadas pela PF em Belo Horizonte por postagens contra o governo. Quatro rapazes foram presos em Brasília por estenderem uma faixa criticando Bolsonaro. Um homem está sendo perseguido judicialmente por ter colocado um outdoor comparando o presidente a um pequi roído. (…) É imprescindível que a sociedade civil aja para enfrentar o autoritarismo”.

O youtuber está certo, em parte. De fato, não se deve recorrer a Justiça para perseguir e intimidar críticos. E mais: não se deve aparelhar a Polícia Federal para resolver problemas políticos e, por vezes, pessoais. Agora, a busca da Justiça, para dirimir querelas, é a via legal da sociedade democrática. Por isso, os casos têm de ser examinados em sua especificidade. Mas há mesmo uma escalada autoritária, disfarçada por usar a lei como instrumento de pressão. Recentemente, dois professores universitários — um deles Pedro Hallal, epidemiologista respeitado — tiveram de assinar um termo de ajustamento de conduta para evitar um processo judicial. Os mestres fizeram críticas, mas não ataques, ao presidente Jair Bolsonaro. Não excederam. O que fizeram com eles é um sintoma de que algo grave está acontecendo na sociedade brasileira. Por isso, Felipe Neto faz muito bem ao oferecer apoio àqueles que, ao criticar, às vezes não têm como se defender de autoridades poderosas.

Motivo da fúria contra Felipe Neto

Há de se perguntar: por que o bolsonarismo escolheu Felipe Neto como “inimigo” — mais do que adversário — na e fora da internet?

O motivo é prosaico: Felipe Neto influencia pessoas, sobretudo jovens. O bolsonarismo avalia, por isso, que está retirando ou tentando retirar votos de Jair Bolsonaro, que irá tentar a reeleição daqui a um ano e seis meses.

Felipe Neto, goste-se ou não dele, tem uma legião de seguidores na internet. Não influencia todo mundo, mas certamente influencia milhares de pessoas, sobretudo jovens.

Por isso, o bolsonarismo o escolheu para “inimigo”. Mas o garoto não aceitou a política de intimidação e o desgaste, ao final da querela, certamente será muito maior para Bolsonaro — que terá reforçada a imagem de “autoritário” e “perseguidor” — do que para o youtuber.