Presidente dos EUA, Barack Obama | Foto: Michael Reynolds/EPA/Agência Lusa
Presidente dos EUA, Barack Obama | Foto: Michael Reynolds/EPA/Agência Lusa

Jornalistas brasileiros tendem a ver os Estados Unidos como a pátria da liberdade, quando se trata da ação do governo em relação à imprensa. Mas não é bem assim. O site The Intercept, editado por Glenn Greenwald, divulgou documentos confidenciais do FBI indicado que a polícia federal dos EUA pode espionar (escutas) jornalistas sem autorização da Justiça.

Se é suspeito de espionagem, ou se estiver contribuindo com o serviço secreto de outro país, o jornalista poderá ser grampeado pelo FBI. Porém, as coisas não funcionam com regras muito bem definidas. O jornalista que estiver investigando ações ilegais ou mesmo legais (mas de interesse público) do governo americano poderá, se apontado como suspeito de espionagem, ser investigado e grampeado pelo FBI.

É quase um Obamagate, a imprensa está em polvorosa, mas tudo indica que Barack Obama se tornou uma espécie de James Bond da política: tem licença para quase tudo — espionar, grampear e, até, matar adversários dos Estados Unidos (ah, claro, no exterior).

É provável que os oito anos de Barack Obama na Presidência sejam considerados, quando for possível fazer um balanço qualificado e objetivo, como dos mais letais da história dos Estados Unidos.

Há dois Barack Obama. O mais acentuadamente público é adepto de uma retórica humanista, até meio angelical. O estadista dos bastidores, adepto da realpolitik, não pensa duas vezes em autorizar assassinatos de adversários no exterior. O atenuante é: “Estamos matando terroristas”. Ainda não se fez a contabilidade, mas é provável que o número de inocentes mortos pelos militares e agentes americanos é muito maior do que o número de terroristas mortos.

Há livros de qualidade sobre a ação militar dos Estados Unidos no exterior, mas falta um livro detalhado sobre o assassinato de inocentes em decorrência de ações americanas no Oriente Médio e na África. É provável que, assim que surgir um Raul Hilberg dos tempos contemporâneos, se poderá falar numa espécie de genocídio americano crudelíssimo. Os mortos árabes e africanos são menos lembrados (e até nada lembrados) do que os mortos europeus e americanos. É como se não existissem, é como se não fossem gente. É como se fossem não-seres — indivíduos descartáveis. Parece discurso de esquerdista? Quem escreve isto nada tem de esquerdista, mas também não adere à cegueira interessada dos que avaliam que, na luta contra o terrorismo, vale tudo — inclusive matar inocentes, desde que no Oriente Médio e na África, terras de supostos bárbaros liquidáveis.