Fake news sobre Vera Magalhães confirma como opera a “midiosfera bolsonarista”
04 setembro 2022 às 00h01
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Na entrevista que concedeu ao Jornal Opção em sua passagem por Goiânia, o professor e pesquisador João Cezar de Castro Rocha citou nominalmente o grupo Jovem Pan de comunicação como bastião estratégico do que dele chama de “midiosfera bolsonarista”, para dar amplitude a teorias conspiratórias absurdas, como sobre vacinas, urnas eletrônicas etc., e outras desinformações.
Não por coincidência, na segunda-feira, 29, o veículo foi fundamental para multiplicar a aceleração de mais uma fake news. Desta vez, as vítimas foram duas jornalistas: Fabíola Cidral, do portal UOL, e Vera Magalhães, da TV Cultura.
Fabíola foi uma das apresentadoras do debate entre os presidenciáveis, que havia ocorrido no dia anterior. Vera foi uma das jornalistas convidadas a questionar os candidatos e fez uma pergunta para Ciro Gomes (PDT) responder, indicando Jair Bolsonaro (PL) para comentá-la. A questão era sobre o Plano Nacional de Imunização e ela fez referência ao presidente pela disseminação de desinformação sobre as vacinas. Em seu momento de comentário, Bolsonaro atacou Vera, chegando a falar que ela pensava nele quando ia dormir e sentenciando-a como uma “vergonha para o jornalismo”.
Na manhã do dia seguinte, depois de compartilhado pelo influenciador de extrema-direita Leandro Ruschel no Twitter, espalhou-se um vídeo com um trecho de um depoimento de Fabíola sobre os bastidores do debate, retirado de um perfil em outra rede social, o Tik Tok:
(…) com ela logo na sequência e ela falou para mim assim: “Eu sabia que ele ia ficar nervoso, eu fiz até de propósito, para mostrar quem ele é
Ao postar o vídeo com a fala de Fabíola Cidral – que, para quem entende o mínimo de fake news, já era de desconfiar, pelo jeito abrupto com que sua declaração se inicia –, Ruschel fez o seguinte comentário: “A prova que Vera Magalhães não agiu como jornalista, mas sim como militante.”
Na verdade, como se poderia constatar com o acesso do vídeo original, na íntegra, a jornalista não contava uma inconfidência da colega, mas da também candidata Simone Tebet (MDB), com quem falara após o debate. Com concorrente de Bolsonaro, a senadora quis atingir seu ponto fraco – a difícil relação que tem com as mulheres – e chamou à pauta esse assunto.
Ainda na segunda-feira e sem fazer nenhuma checagem prévia, no programa mais assistido da Jovem Pan, o Pingo nos Is – transmitido por TV, rádio e via YouTube –, a ex-jogadora de vôlei da seleção brasileira e hoje comentarista política Ana Paula Henkel usou o trecho de vídeo alterado em seu comentário, como se a referência fosse a Vera e não a Tebet. No bloco seguinte, retrocedeu em parte, dizendo que ainda estava em verificação quem teria realmente conversado com Fabíola.
E aqui entra novamente João Cezar para ajudar a entender como funciona essa forma de comunicação que parece um jornalismo manco, mas que, na verdade, tem bastante estratégia por trás: “O que está em jogo hoje é a criação sistemática de dissonância cognitiva coletiva em um plano inédito. É razoavelmente simples explicar: há um acordo entre os bolsonaristas de só se informar naquilo a que eu chamo de ‘midiosfera extremista’.”
Para os bolsonaristas, então, o que houve foi apenas um “engano”, ou nem isso. Como ficam dentro da própria bolha a que foram condicionados, não observam a repercussão da notícia como uma mentira. E, se por acaso lhe mostrarem algum material jornalístico fora dela, estão igualmente condicionados a refutar a fonte de informação. Ou seja, um pseudojornalismo como o que resolveu fazer a Jovem Pan trabalha em uma zona de conforto para usar da “liberdade de expressão” de uma forma enviesada.
Leandro Ruschel, o influenciador bolsonarista que catalisou a fake news, mora nos Estados Unidos, conta com mais de 820 mil seguidores no Twitter e se diz um “empreendedor” que preza “os valores cristãos”.
Em seus perfis no Instagram, o portal UOL postou o conteúdo na íntegra do vídeo de Fabíola Cidral. “Acho que o momento mais quente do debate foi quando Simone Tebet e Bolsonaro se enfrentaram. E eu vou confessar uma coisa: eu conversei com ela logo na sequência, e ela disse que sabia que ele [Bolsonaro] ficaria nervoso”, revelou a jornalista.
Veja a fala completa e confira a postagem clicando aqui.