A direita brasileira está preocupada com liberdade de expressão e censura de verdade? Primeiro, é preciso dizer, sem tergiversar, que a direita tem o direito de se expressar, porque o Brasil é um país democrático. Segundo, há indícios fortes, cada vez mais fortes, de que a direita usa a liberdade de expressão contra a democracia e para atacar adversários políticos — às vezes usando “informações” falsas, as chamadas fake news.

Então, parece evidente que a direita, ou extrema direita, quer colocar a liberdade de expressão a seu serviço, e não em defesa da democracia.

Na sua visita ao Brasil, o relator para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o colombiano Pedro Vaca Villareal, está ouvindo líderes da direita, ministros do Supremo Tribunal Federal, jornalistas, membros de organizações da sociedade civil e integrantes do governo federal.

Pedro Vaca está em busca de informações precisas para escrever um relatório, afiança, “justo”.

Pedro Vaca, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes: os ministros realmente defendem a democracia | Foto: Reprodução

De acordo com reportagem de Patrícia Campos Mello (que já foi vítima da “liberdade de expressão” do bolsonarismo), da “Folha de S. Paulo” (sexta-feira, 14), Pedro Vaca “tem dito a interlocutores que está preocupado com a falta de clareza na diferença entre o que é ataque à democracia ou discurso de ódio e o que é discurso crítico legítimo em ações do Supremo Tribunal Federal”.

Patrícia Campos Mello ressalta que “as principais preocupações levantadas por Vaca com diversos interlocutores são a falta de definição clara para o que é desinformação, o julgamento do STF sobre o Marco Civil da Internet, que pode aumentar a responsabilidade das plataformas, a remoção de contas em redes sociais e ataques da direita contra jornalistas e acadêmicos”.

De fato, a preocupação de Pedro Vaca é pertinente. Nem toda crítica da direita deve ser vista como atentado à democracia ou, mesmo, achincalhe aos adversários políticos. A distinção deve ser feita, senão, em nome da democracia, se estará praticando censura político-ideológica.

Ao mesmo tempo, o que sugere que os críticos da direita estão com razão, sobre seus excessos, Pedro Vaca teria dito, de acordo com a “Folha de S. Paulo, “estar assustado com o nível de agressividade das conversas que vem tendo, principalmente com representantes do campo conservador, que alegam ser censurados pelo Supremo” (as aspas são da citação do jornal, e não do relator da Comissão Interamericana).

Numa reunião, Pedro Vaca ouviu queixas de Jair Bolsonaro, do PL, que sustenta que opositores do governo de Lula da Silva, do PT, estariam sendo “perseguidos”. A prova seriam os inquéritos no STF. Ele conversou com os deputados Bia Kicis e Marcel Van Hattem e o senador Eduardo Girão, todos da direita, e com os ministros Alexandre Barbosa e Luís Roberto Barroso, o presidente do Supremo.

A situação de Pedro Vaca é complexa. Suas intenções parecem ser as melhores, ao ouvir as partes em conflito, sem excluir a voz da direita — que precisa ser escutada —, mas, assinala Patrícia Campos Mello, “os Estados Unidos são grandes financiadores do escritório do relator de liberdade de expressão”.

É possível arriscar como será o relatório final de Pedro Vaca? Claro que não. Mas posso especular a respeito. Acredito que o relator não “condenará” o Supremo Tribunal Federal — ou seja, não o apontará como “censor” da liberdade de expressão —, mas vai cobrar clareza em suas decisões. É imperativo distinguir, com o máximo de precisão, o que é crítica lícita dos excessos reais contra a democracia.

Até o momento, na minha opinião, o Supremo tem agido corretamente. Mas corre-se o risco de uma intervenção excessiva, ao examinar os conflitos políticos, de, eventualmente, contrariar a democracia. A crítica é crucial; os excessos, notadamente quando colocam a democracia em risco, são perniciosos. Porém, insistindo, todo cuidado é pouco ao se “penalizar” a crítica. Começa-se a “pegar” a direita e, depois, toda a sociedade, inclusive a esquerda, poderá ser “penalizada”. Ressalte-se que a ideia de uma “ditadura togada”, do Judiciário, é uma fantasia articulada e maliciosa da extrema direita.

Pedro Vaca também constatará, por certo, que os advogados estão atuando livremente em defesa dos processados. Portanto, não há nenhum cerceamento legal à ampla defesa dos indivíduos da direita e da extrema direita. Mesmo sendo golpista — todas as evidências apontam nesta direção —, Jair Bolsonaro, apesar de alegar perseguição, ainda não foi detido (está dizendo que, se for preso, cumprirá a pena e não fugirá do país). Quer dizer, os trâmites legais — com seus devidos prazos — estão sendo cumpridos.