Evandro Teixeira não sai de cena porque suas fotografias o eternizaram
10 novembro 2024 às 00h00
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Uma imagem vale mais do que mil palavras? Agora, ensinou Millôr Fernandes, diga isto sem palavras. Entretanto, quando as palavras não bastam, fotografias e vídeos podem tornar o esclarecimento de um fato mais convincente e impactante. Os Estados Unidos e os vietcongs cometeram atrocidades na guerra do Vietnã. Quando o fotógrafo Nick Ut mostrou a menina Phan Thi Kim Phúc — viva, com 61 anos e morando no Canadá — queimada com napalm jogando por americanos, em 8 de junho de 1972, o mundo ficou chocado. (Como por sinal deveria ficar suspantado com a mortandade de crianças na Faixa de Gaza. Os israelenses não estão apenas caçando soldados, oficiais e líderes do Hamas. Estão castigando um povo, o palestino, matando-o em larga escala. Não se busca mais justiça, e sim vingança.)
Fotógrafos são repórteres que “escrevem” por meio de imagens. Diz-se: são fotojornalistas. São. Talvez seja mais apropriado chamá-los de repórteres-fotográficos. Por sinal, vários deles escrevem, e não apenas via imagens.
Há fotógrafos que parecem convocar os fatos à sua presença para se tornaram fotos, às vezes notáveis. As fotografais, com seu realismo, podem, se não fabricar, gerar fatos correlatos aos narrados pelas imagens.
Evandro Teixeira, que morreu na segunda-feira, 4, aos 88 anos, era um mestre da fotografia. Um dos maiores, ao lado de Robert Capa, Cartier-Bresson e Sebastião Salgado. A fragilidade gerada pela leucemia levou à pneumonia e, daí, à falência múltipla dos órgãos. A morte também chega para os mortais que a arte tornou imortais.
Na “Folha de S. Paulo”, o repórter Naief Haddad publicou trecho de um texto do jornalista e escritor Otto Lara Resende, mineiro escrevendo sobre baiano, publicado no “Jornal do Brasil”: “Aqui, na verdade, está um estilo. Aqui se vê uma sensibilidade. É Evandro Teixeira que está aqui. Mais do que o seu visor, é sua visão”.
Cronista incontornável, Otto Lara Resende acrescentou que Evandro Teixeira era um profissional de “olhos iluminados”. Este, sim, um epitáfio dos mais precisos.
Estudantes e o Chile de Pinochet e Neruda
Nascido para a fotografia, pela qual apaixonou-se cedo, Evandro Teixeira começou a ler a revista “O Cruzeiro” e as fotos de José Medeiros o mesmerizaram. Acabou por fazer um curso por correspondência com o mestre do Piauí. De acordo com o diretor de cinema Glauber Rocha, Medeiros era “o único que sabia fazer uma luz brasileira”.
O começo profissional se deu no “Diário de Notícias”, em Salvador, em meados da década de 1950. Irrequieto, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde conseguiu um emprego nos Diários Associados, de Assis Chateaubriand.
Convidado pela então seleção brasileira de jornalismo, o “Jornal do Brasil”, Evandro Teixeira declinou. “Não posso ir para o ‘Jornal do Brasil’. O ‘JB’ é a elite, e não estou preparado”, relatou na biografia “Evandro Teixeira — Um Certo Olhar”, de Silvana Costa Moreira.
Quando se julgou qualificado, dois anos depois, Evandro Teixeira passou a integrar a redação do “Jornal do Brasil”. Era “o cara que resolvia” — tanto que trabalhou durante 47 anos no “JB”.
Homem-profissional certo na hora e lugar certos, Evandro Teixeira, na anotação de Naief Haddad, “fotografou um soldado na contraluz, sob uma chuva forte” no dia 1º de abril de 1964, quando o golpe de Estado civil-militar estava se consolidando, ante a falta de uma reação sistemática.
Em 21 de junho de 1968, com a dita cada vez mais dura, na “Sexta-Feira Sangrenta”, Evandro Teixeira fotografou policiais espancando estudantes.
No Chile, em 1973, com a queda de Salvador Allende e a ascensão do general Augusto Pinochet, Evandro Teixeira fez dois registros emblemáticos.
Primeiro, mostrou o poeta Pablo Neruda morto (não se sabe se envenenado ou infartado). Segundo a “Folha”, “Teixeira foi o único fotojornalista a registrar o momento imediatamente após a morte” do bardo chileno.
Segundo, no Estádio Nacional de Santiago, Evandro Teixeira fez fotografias de presos políticos. Vários foram, em seguida, assassinados pela cruenta ditadura de Pinochet.
No centenário do massacre de Canudos, em 1997, Evandro Teixeira lançou o livro “Canudos — 100 anos”.
O repórter-fotográfico publicou também “Evandro Teixeira — 50 Anos de Fotojornalismo”, “Passeata dos 100 Mil” e “Vou Viver — Tributo ao poeta Pablo Neruda.
Sob controle do Instituto Moreira Salles, o acervo de Evandro Teixeira inclui mais de 150 mil fotografias.