Já estou até sonhando com partidas de futebol. Escondido, grito “gol!”. Só para não perder a prática

Cilas Gontijo

O povão costuma dizer: “Só sabemos valorizar valor aquilo que perdemos”. Sinto-me assim neste momento. Talvez a maioria se sinta como eu. Sim, amigos do esporte, estou falando de futebol. Ah, já se esqueceu do que se trata? Claro que não!

Com todos os problemas, o futebol brasileiro é um dos melhores do mundo. Você já imaginou o futebol da Espanha e da Inglaterra sem a presença dos craques brasileiros? Sim, seria bom, mas não tão bom quanto é. Os jogadores dos trópicos encantam as torcidas, com a beleza e a plasticidade de seu futebol-arte — aqui e ali, malemolente.

Diga-me, leitor amigo: tu está ou não está com saudade dos times goianos? Eu confesso: depois de tanto tempo sem assistir nenhuma partida, estou com vontade de ver qualquer jogo, por exemplo do Jaraguá contra o Goianésia. E, se brincar, chamo de Messi qualquer jogador mediano do Goiás, do Atlético e do Vila. Chamo e peço autógrafo. Depois, mando pôr num quadro.

Sinto saudade de aplaudir e, também, de criticar os jogos sofríveis. Mas admito que hoje aplaudiria qualquer jogo ruim e não xingaria a mãe de nenhum árbitro.

Estou com saudade inclusive de ouvir a narração de um jogo, sobretudo dos gols. Pô, amigos, cadê o Galvão Bueno gritando “gol!” com sua voz cada vez mais rouca? Estou de luto. Não fica bem dizer isto. Então, não estou de luto. Estou lutando para não esquecer a emoção de ver a torcida aplaudido uma vitória. Para falar a verdade, já estou com saudade até de ver uma torcida entristecida por causa de uma derrota.

Não pense que estou brincando, não. Recentemente, sonhei que era narrador esportivo. Acordei gritando “gol!”. Aviso logo: não estou ficando doido, não. É só vontade de assistir um jogo de futebol. Ou de ouvir um jogo pelo rádio. Adoro ouvir que a bola, segundo o locutor, passou raspando a trave — quando, na verdade, passou a pelo menos dois metros. Mas rádio é assim mesmo: emoção. E não há futebol, com ou sem craques, sem emoção.

Sabe aquele frêmito de ver um jogador classudo, um driblador, indo em direção ao gol do time adversário? Pois quero sentir isto novamente. As quartas, à noite, e os domingos, à tarde, eram sagrados. Ah, futebol, nunca imaginei que sentiria tanta falta de você. Não vou mentir, não. Já estou assistindo jogos antigos na televisão e comemorando os gols como se fossem atuais. Você me pergunta por quê? Ora, amigos, para não esquecer do futebol, de como se torce.

Cadê nosso Goianão? É provável que o Campeonato Goiano não seja mais disputado em 2020. O tal de coronavírus, um bichinho pequeno mas topetudo — com suas coroas dantescas —, derrotou todo mundo. Ou quase todo mundo.

Goiás, Jaraguá, Atlético, Vila Nova: quem seria campeão? Frise-se que o clube mais prejudicado pela pandemia do coronavírus é o Leão da Terra, o Clube da Lendária Terra. Ah, sim, estou falando do Jaraguá. O time estava dando um verdadeiro show. Era uma espécie de Barcelona do Cerrado. Sim, amigos, admito que estou exagerando. Mas me perdoem: é saudade do futebol. Ainda bem que saudade não mata. Ou será que mata?

O coronavírus, se fosse gente, diria, preconceituoso: “Filho de pobre não tem sorte” (o maldoso Barão de Itararé acrescentaria por seu turno: “Quando pobre come frango, um dos dois está doente”. Típica grosseria gratuita). Pois é: o Jaraguá poderia ser campeão em 2020. Uma de suas únicas chances. O coronavírus demonstra que não aprecia mesmo o time da bela e próspera cidade de Jaraguá. Pelo menos, costumam dizer, não há desemprego na cidade.

Não poderia deixar de lembrar: estou com uma saudade imensa de ver o timaço do Flamengo — a Selemengo — jogar aquele futebol que encanta todo mundo, até os torcedores do Vasco, do Botafogo, do Fluminense e do Corinthians. Não menciono o Mengão porque torço para o clube. Cito-o por seu futebol bonito e, ao mesmo tempo, produtivo. Gente, cadê o Gabigol, o Bruno Henrique e o Michael? Cadê o Walter, com aquele corpo de boxeador peso-pesado? Está aposentado?

Se os torcedores estão sofrendo — e digo e repito: quando o time da gente perdia, a gente sofria, mas sei agora que o importante não é só ganhar, mas poder assistir os jogos —, imagine os jogadores. Muita gente acha que os jogadores são meramente mercenários. Mas não é verdade. A maioria gosta mesmo de jogar. Mas estou falando muito mais dos atletas dos times menos ricos que disputam as séries C e D. Será que estão recebendo seus salários em dia? Será que foram demitidos? Será que tiveram os salários parcialmente cortados?

O certo é que, mesmo se fôssemos autores de livros de ficção científica, não conseguiríamos imaginar uma situação como a atual. E nada voltará a ser como dantes, acredita-se. O coronavírus, um bichinho invisível para nós pobres mortais — e bota mortais! —, conseguiu retirar de campo os gigantes do futebol e “esvaziar” nossas gargantas. Será que, quando os jogadores voltarem aos estádios, ainda seremos capazes de gritar, a plenos pulmões, “gol! gol! gol!”? Talvez sim. Para continuar seguindo em frente é preciso, se não esquecer, ao menos “deixar de lado” as tragédias. Superá-las. Por isso, devemos pensar no futebol, que, representando o belo, um dia voltará. Quando vou ao banheiro, e não tem ninguém escutando, grito “gol!’ Pra quê? Ora, para não esquecer o quanto é bom gritar “gol!” E para não perder a prática.

Coronavírus? Sai! Sai! Sai! Nossas preces são para que, em breve, tudo volte ao normal, não apenas o futebol. Que Deus ajude a humanidade a se livrar do vírus e das doenças que desencadeia. Que a bola volte a rolar os gramados. Urgentemente. Os brasileiros querem a alegria de volta. E futebol é sinônimo de alegria e congraçamento. Gol! Opa, me desculpe…

Cilas Gontijo é comentarista esportivo e estudante de Jornalismo.