Marita Lorenz apaixonou-se por Fidel aos 19 anos e teve um filho com ele. Recrutada pela CIA e pelo FBI, teve a chance de assassiná-lo, mas faltou-lhe mais vontade do que coragem

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Livro da bela espiã alemã Marita Lorenz mostra o empenho do governo dos Estados Unidos para matar o comunista e latin lover Fidel Castro

O livro “Eu Fui a Espiã Que Amou o Co­man­dante — Dos Campos Nazistas a Fidel Castro, da CIA ao Assassino de Kennedy” (Planeta, 269 páginas, tradução de Luis Reyes Gil), de Marita Lorenz, conta histórias fascinantes. Trata-se de um ajuste de contas da alemã Ilona Marina Lorenz, nascida em 1939, consigo mesma, com Fidel Castro, com agentes da CIA e do FBI (o governo dos Estados Unidos). Recomenda-se um pé atrás com histórias “ajustadas” de espiões, que quase sempre sabem mais do que contam e às vezes “revelam” o que não sabem. São hábeis na coleta de informações e na vulgarização de contrainformações. O que não se pode negar é que a “Alemanita” teve uma vida movimentada.

Marita Lorenz não deixa de mencionar as “desgraças” de sua vida — com quase 80 anos, apesar de ter ganhado um bom dinheiro, vive na pobreza —, mas tenta cristalizar a imagem de que é uma vítima (do governo americano, sobretudo), o que certamente não é, ao menos a partir de determinado período. Nem é tão ingênua assim. Convivia com espiões e mafiosos, porém, ao relatar a história, quase sugere que estava, com exceções, entre “anjos-bandidos”. Manteve ligações com Frank Sturgis, envolvido no caso Watergate, o que levou o presidente

Richard Nixon à renúncia, e Lee Harvey Oswald, o assassino do presidente John Kennedy. Teve uma filha com o ex-ditador da Venezuela Marcos Pérez Jiménez e um filho “com um homem que espionava diplomatas soviéticos para o FBI”. Foi party girl da máfia nova-iorquina. Criança, foi enviada para o campo de concentração de Bergen-Belsen. Mas tornou-se famosa mesmo por ter sido namorada ou amante de Fidel Castro, quando o advogado cubano era um protótipo de ditador.

Quando se conheceram, Fidel Castro tinha 32 anos e Marita Lorenz, 19 anos. O alemão Heinrich Lorenz, pai da bela garota, era capitão do navio Berlin, que fazia um cruzeiro pelo Caribe, em fevereiro de 1959. De repente, homens barbudos subiram na embarcação. “Nunca vou esquecer da primeira vez que observei de perto aquele olhar penetrante, aquele belo rosto, aquele sorriso maroto e sedutor, e posso dizer que já naquele instante comecei a flertar com ele.” Tratava-se de Fidel Castro, o nacionalista que estava se tornando comunista.

Apresentando-se em inglês, Fidel Castro disse: “Sou o doutor Castro, Fidel. Sou Cuba”. Há pouco tempo no poder, comportava-se como Luís XIV: “O Estado sou eu”. A garota disse: “Seja bem-vindo. Está na Alemanha”. O chefão replicou: “A água é Cuba, e Cuba é minha”.
Depois da conversa preliminar, Marita Morenz convidou Fidel Castro para conhecer o navio. “Fidel tocou minha mão, e naquela hora uma descarga de eletricidade me percorreu inteira.

Olhou-me e perguntou qual era meu nome.” O líder cubano, que passou a chamá-la de Alemanita, beijou-a. “Aquele, com Fidel, era na verdade meu primeiro beijo. Aquele beijo foi o prelúdio da minha primeira experiência sexual voluntária [foi estuprada quando criança]. Naquele camarote não chegamos a fazer amor, mas exploramos cada canto dos nossos corpos, eu sentindo o dele, ele descobrindo o meu.”

Conta-se que mulheres, como intelectuais europeias e americanas, “desmaiavam” ao se aproximarem de Fidel Castro. Homens ficavam siderados ao vê-lo falando interminavelmente.

Marina Lorenz relata que, convidada por Celia Sánchez para ajudar a organizar a correspondência, descobriu que dezenas de mulheres — até atrizes famosas de Hollywood — se ofereciam para o cubano. O cativante guerrilheiro que havia se tornado poderoso era intensamente desejado. Como a pós-adolescente precisava voltar para os Estados Unidos — sua mãe era americana —, o sr. de Sierra Maestra garantiu que entraria em contato. Ela havia lhe deixado o número de um telefone.

Logo depois, Fidel Castro liga para Marita Lorenz, que estava em Nova York. “É a Alemanita?”. “Você ligou, você não esqueceu!” O Dom Juan do Caribe respondeu: “Sou um homem de palavra”. Ele indagou se a jovem queria ir para Cuba. “Sim, sim, é claro!” Mandou um avião no dia seguinte. Em 4 de março de 1959, num avião da Cubana Airlines, Pedro Pérez Fonte, Jesús Yáñez Pelletier e um homem não identificado foram buscá-la.

Hospedada no Habana Hilton, com regalias de primeira-dama, Marita Lorenz estava felicíssima. “Forte, com seus 1,91m de altura e seus quase 100 quilos, me pegou nos braços e me balançou.” Naquele momento, Fidel Castro não era o sr. de Cuba, mas o homem da alemã, que ainda não se interessava por política e ideologia. “Ele manifestou seu medo de ser grande demais para mim. Fizemos amor e nos adoramos. Ele a toda hora me chamava de ‘meu anjo’, e eu repetia ‘eu te adoro, eu te adoro’. Era um homem doce e suave, pelo menos como amante, e absolutamente romântico quando estava de bom humor”.

O Casanova latino levou Marina Lorenz para a sacada do hotel e disse: “Tudo isso que você está vendo é minha Cuba. Eu sou Cuba. Você é agora a primeira-dama de Cuba”. Enquanto ele pensava como o dono de um país-latifúndio, ela reagia como uma pessoa apaixonada: “Do lado dele, naquele instante, me senti uma rainha”.

Em abril de 1959, Fidel Castro foi aos Estados Unidos, mas o presidente Dwight D. Eisenhower não quis recebê-lo — foi jogar golfe na Geórgia —, encaminhando-o para o vice-presidente Richard Nixon. “Aquele gesto, que Fidel interpretou como uma flagrante falta de respeito, deixou-o furioso.” O futuro ditador olhava-se no espelho e, segundo Marita Lorenz, dizia: “Sou eu, Fidel. Como podem fazer isso comigo?” Lamentava “que não tinham lhe oferecido ‘sequer um café’”. Detestou Nixon, que, numa anotação da época, ponderou: “O fato do qual podemos estar certos é que tem aquelas qualidades indefiníveis que o tornam um líder”.

Nas entrevistas à imprensa americana, Fidel Castro deitou e rolou: “Se há comunistas no meu governo, a influência deles é nula”.

Grávida em Cuba

imprensa0001Em maio de 1959, quando Fidel Castro estava em lua de mel com o mundo, Marita Lorenz ficou grávida. Ao saber que seria pai, o comandante arregalou os olhos e ficou calado. “Vai dar tudo certo”, disse, por fim. A garota estava feliz, pois teria um filho com o homem que amava. Mas havia alguma coisa errada, pois logo depois foi transferida para o Hotel Riviera. Estava sendo “rebaixada”.

No hotel, o americano Frank Sturgis, então Frank Fiorini — que trabalhava para o governo cubano, para o governo americano (CIA) e para a máfia ítalo-americana —, disse-lhe: “Sei quem é você, a namorada de Fidel. Se precisar de ajuda, posso oferecer, posso tirar você daqui”. Ao saber da conversa, Fidel Castro admoestou-a: “Não fale com ele e fique bem longe”.

Para reduzir a burocracia, Fidel Castro assinava papéis em branco e repassava para Celia Sánchez e Yáñez Pelletier. Persuadida por Frank Sturgis, Marita Lorenz, que alega inocência, pegou alguns papéis e escreveu textos liberando mafiosos que estavam presos na ilha de Los Pinos. Colhia documentos que Fidel Castro jogava fora e os repassava ao “agente” da CIA e da máfia. Tudo, garante, sem a menor malícia.

Um dia, no hotel, Marita Lorenz tomou leite e começou a passar mal. “Segundo algumas versões, praticaram um aborto; segundo outras, tive um parto induzido e me tomaram aquele bebê. Dizem que a cirurgia foi praticada por um tal de doutor Ferrer, que sequer era ginecologista. Estava sangrando muito, e teria morrido ali se não tivesse aparecido Camilo Cienfuegos.” O companheiro de Fidel Castro teria dito: “Ai, meu Deus! O que fizeram com você, menina?”

Camilo Cienfuegos ligou para Joe Lorenz, irmão de Marita Lorenz, e a embarcou num voo da Cubana de Aviación para os Estados Unidos. “Dias depois, em 28 de outubro de 1950, o aviãozinho Cessna 310 no qual Camilo viajava para Havana vindo de Camagüey, onde havia sido preso seu amigo Huber Matos, acusado de traição por Fidel, desapareceu com ele dentro.” Não se sabe o que de fato aconteceu, mas há indícios de que Camilo Cienfuegos era rebelde e avesso ao controle totalitário do poder por parte de Fidel Castro. Sua morte, se foi assassinato disfarçado de acidente, tem mais a ver com isso, por certo, do que com a “fuga” de Marita Lorenz. Porém, quando se trata de Fidel Castro, intensamente paranoico, tudo é possível.

James Bond americana

Nos Estados Unidos, por ter convivido tão próxima de Fidel Castro, Marita Lorenz foi imediatamente assediada pelo FBI — os agentes Frank Lundquist e Frank O’Brien não saíam de sua cola — e pela CIA. Os agentes a aproximaram do Movimento de Recupe­ração Revolucionário, criado por Manuel Artime, anti-Fidel Castro. Manteve contato com Rolando Masferrer, El Tigre. Seu contato mais frequente era Alex Rorke, ex-jesuíta ligado ao FBI e à CIA.

Das reuniões contra o governo de Fidel Castro participavam cubanos, agentes americanos e integrantes da máfia — que, expulsa de Cuba, não perdoava o líder comunista. Frank Nelson, da máfia de Ohio, era um de seus contatos e um dos financiadores de Frank Fiorino.

Ao mesmo tempo que frequentava os círculos contrários a Fidel Castro, Marita Lorenz participava de encontros do Movimento 26 de Julho, em Nova York, que era favorável a Cuba.

Tinha carteirinha e chegou “a ser nomeada ‘secretária de propaganda da seção H”. Garante que sentia-se melhor com os comunistas do que com os anticomunistas. Mas prestava contas de seus atos ao FBI. Quando Yáñez Pelletier sugeriu que poderia desertar, a espiã avisou o FBI.
Aos poucos, Marita Lorenz percebeu que era um importante “ativo na incipiente quantidade de planos que tinham como objetivo acabar com Fidel, atrás dos quais estavam os exilados anticastristas, os mafiosos que tinham visto fechar a torneira de seus lucrativos negócios em Havana e o próprio governo dos Estados Unidos, às vezes separadamente, às vezes juntos”.

Alex Rorke convenceu os pais de Marita Lorenz a escreveram uma carta a Fidel Castro, na qual pediam uma espécie de “indenização”, pois ela havia voltado doente de Cuba. “Fiquei furiosa”, assinala. Um artigo publicado no “Confidential”, assinado por sua mãe, mas escrito por outra pessoa, apresentou o comunista como um monstro. “Fidel violou minha filha adolescente” é o título do texto. Não era verdade, admite Marita Lorenz. Fidel Castro mandava prender e fuzilar adversários, sem julgamento, mas, no caso, o relacionamento havia sido consensual. A Alemanita permanecia apaixonada pelo Porfirio Rubirosa, em termos sexuais, da terra de Reinaldo Arenas.

Marita Lorenz diz, sem muita convicção, que acabou inteiramente envolvida pela conspiração para retirar Fidel Castro do poder e, se necessário, matá-lo. “Tratava-se da chamada Operação 40, uma trama governamental classificada, que Eisenhower havia aprovado em março de 1960 e à frente da qual estavam o vice-presidente Nixon e Allen Dules, diretor da CIA. A instrução do Conselho de Segurança Nacional, que foi assinada pelo presidente e permaneceu secreta por vários anos, autorizava o órgão a treinar e a equipar refugiados cubanos numa guerrilha para derrubar o governo de Fidel”, escreve Marita Lorenz.

A conspiração era dirigida pela CIA com a participação de “agentes duplos da inteligência cubana”, registra Marita Lorenz, e de cubanos radicados nos Estados Unidos. Havia “a seção de assassinato”, da qual faziam parte Frank Fiorani e, sim, Marita Lorenz.

Em 1961, ou fim de 1960, agentes falaram para Marita Lorenz sobre a possibilidade de matar Fidel Castro. Numa conversa em Nova York, no edifício do FBI, ela conversou a respeito com os agentes O’Brien e Lundquist e com Alex Rorke. “Utilizaríamos pílulas, um método que diziam ‘adequado a uma senhorita’, e eu teria apenas que colocar o conteúdo das pílulas na comida ou na bebida de Fidel e ir embora.”

“Você está pedindo que eu o mate?”, perguntou Marita Lorenz a Alex Rorke. O ex-jesuíta disse: “Às vezes Deus trabalha de formas que não conseguimos entender. Essa é a vontade dele. Ele irá absolvê-la. Você fará isso em nome de Deus e do país”.

“Não vou matá-lo. Não posso tirar a vida de alguém”, replicou Marita Lorenz. Depois de cerca de 20 reuniões com agentes da CIA e do FBI, aceitou assassiná-lo. “As pílulas cujo conteúdo eu devia pôr na comida ou na bebida de Fidel tinham sido ‘especialmente elaboradas em Chicago’ e seriam entregues a mim por um tal de Johnny Rosselli, um dos homens-chave de Sam Giancana, o padrinho da máfia de Chicago na ilha.”

O encontro de Johnny Rosselli, Frank Fiorini, Alex Rorke, Robert Maheu, empresário ligado à CIA, com Marita Lorenz ocorreu em Miami. “Não sei se vou conseguir fazer isso”, disse. Ríspido, Frank Fiorini contrapôs: “Você irá fazê-lo pelo seu país”. O agente entregou-lhe um envelope com as duas pílulas e disse: “Isto vai mudar a história”.

Embora pressionada, ao menos é o que diz, Marita Lorenz garante que “sabia que ia não matar Fidel: sentia-me incapaz de fazer isso”.

De volta a Cuba, Marita Lorenz dirigiu-se ao hotel Habana Libre. Ela tinha a chave, desde a visita anterior, e entrou no quarto que compartilhava com Fidel Castro. Ao examinar as pílulas, que havia colocado num pote de creme facial Ponds, percebeu que “estavam destruídas”. Jogou-as na privada.

Pouco depois, Fidel Castro chegou e disse: “Oh, Alemanita!” E perguntou: “Não veio para me matar?” Ela admitiu: “Sim”.

O líder comunista colocou sua pistola nas mãos de Marita Lorenz, que empunhou-a. Fidel Castro, de olhos fechados, disse: “Ninguém pode me matar. Ninguém. Nunca, jamais”. “Eu posso”, replicou a garota da CIA-FBI-máfia. “Mas não vai”, sublinhou o cubano confiante. Ela não atirou.

Filho com Fidel Castro

Aproveitando-se que o clima, depois do choque inicial, havia ficado ameno, Marita Lorenz perguntou pelo filho. “O menino está bem”, disse Fidel Castro, acrescentando que era “um filho de Cuba”. Os dois se acariciaram. “Amava Fidel e queria ficar, mas precisava ir embora.” Mas estava com receio de voltar, pois não havia cumprido a missão.

No seu retorno aos Estados Unidos, Marita Lorenz foi devidamente pressionada, chegaram a ameaçá-la, mas, como um espião não deixa jamais de ser espião, continuou trabalhando, direta ou indiretamente, para os serviços secretos e para a polícia.

Em 1981, aos 42 anos, a espiã voltou a Cuba e reencontrou-se com o grisalho Fidel Castro. “Fidel, sou eu.” Esticando a minimalista conversa kafkiana, o ditador disse: “Você voltou”. Marita Lorenz insistiu em obter informações sobre o filho. “Está bem”, disse o agora veterano comunista. “Todas as crianças aqui pertencem a Cuba”, insistiu.

Fidel Castro chamou um jovem “alto” e “de cabelo preto” e o apresentou a Marita Lorenz. Era Andrés Vázquez, o filho da espiã. “Perguntei hesitante: ‘Eu sou sua mãe?’” Ele era estudante de medicina. Nunca mais conseguiu manter contato com o filho.

No final do livro, depois de demonstrar um encanto que parecia perene, Marita Lorenz conclui: “Até mesmo na velhice, [Fidel Castro] consegue ser um tremendo filho da puta”. O homem que mandou prender, torturar e matar centenas de cubanos, porque discordavam de seu projeto de país, é, acima de tudo, um realista absoluto. Questões como amor e amizade jamais entraram na sua agenda política de modo decisivo.

Sobre si mesma, Marita Lo­renz resume: “Sou uma assassina fracassada”.