Erica Jong lança continuidade do romance Medo de Voar, defende o feminismo e ataca Donald Trump
01 julho 2017 às 09h16
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No romance “Acabou o Medo”, a escritora americana fala de sexo na meia idade e do medo da velhice. Numa entrevista, afirma que emissoras de TV excluem as mulheres mais velhas
Entre as décadas de 1970 e 1980, não ter lido “Medo de Voar”, da escritora americana Erica Jong, era equivalente a ser a mulher barbuda do circo. Mesmo os que não tinham lido o romance repetiam a platitude de que se tratava de um livro libertador. As mulheres, feministas ou não, sentiam-se compelidas a lê-lo e comentá-lo em voz alta. Homens liam e deixavam o exemplar sobre a mesa para atestar sua modernidade. A autora, que vendeu 27 milhões de exemplares e foi traduzida para 40 idiomas, volta às livrarias com o romance “Fear of Dying”, evidentemente sem o mesmo impacto de antes.
Na edição de 28 de maio, o “Clarín”, jornal da Argentina, comenta a história da escritora, relata o sucesso de “Medo de Voar” e a entrevista. O título do texto é “Este horrible gobierno de Trump nos hizo más decididas”, com a retranca “La célebre Erica Jong presenta ‘No Más Miedo’ (algo como “Sem Medo”, “Não Tenho Mais Medo” ou “Acabou o Medo”; inédito em português, o livro certamente ganhará no Brasil o título de “Sem Medo de Voar”). É de autoria da jornalista Verónica Abdala. O diretor de cinema Woody Allen leu o romance: “É incrível como Erica Jong pode tratar tantos temas sensíveis e fazer um livro tão divertido. Sua leitura me deixou encantado.”
No romance “Homem Comum”, Philip Roth, de 84 anos, apresenta uma visão desencantada da velhice, que seria um massacre. Aos 75 anos, Erica Jong permanece polêmica, sem papas na língua, e seu novo romance, “Acabou o Medo” (o medo seria outro, o de morrer, não mais o de viver as contradições da existência), trata do sexo na meia-idade e da velhice. A protagonista do romance, resume o “Clarín”, prefere ler obituários, ao lado do marido, que manter relações sexuais com ele. O livro é a sequência de “Medo de Voar” (neste o sexo, livre e sem pudor, e a infidelidade de Isadora Wing, jovem casada com um psicanalista, causaram escândalo) e relata a história de uma mulher de meia idade “que teme a velhice” e, sobretudo, receia perder a capacidade de amar e apreciar a vida sexual. Na visão dominante, que cultua a juventude e despreza a velhice, os indivíduos mais velhos que não renunciam ao sexo são vistos como “escandalosos”. Portanto, frisa Erica Jong, trata-se de mais um tabu.
Os velhos tendem a ser “esquecidos”, devem se contentar em observar o prazer alheio, de longe. Erica Jong denuncia que as emissoras de televisão dos Estados Unidos não a convidam para participar de debates e programas há mais de uma década. A escritora, de sólida formação cultural, acredita que os produtores de televisão pensam assim: “Quem quer ver rugas gigantes em HD?” Ela sustenta que, no momento, sente-se melhor do que na juventude. “Tenho muito menos medos do que antes, mais imaginação.” Mas admite que, na “orgia consumista” dos tempos atuais, conteúdo consistente, que exige um pensamento concentrado, “não vende”. Os homens, mesmo encanecidos, persistem aparecendo na televisão. Ela assinala que muitos “são velhos e têm a pele horrível”. Ela ressalta que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e Steve Bannon, seu auxiliar, têm cabelos horríveis, papadas e não são magros, mas estão sempre na televisão. Ela diz que não aprova quando “mulheres mais velhas e elegantes são substituídas por modelos de 20 anos que nada sabem de política. Também é muito difícil para as mulheres mais velhas conseguirem papeis de protagonistas — a menos que sejam etiquetadas como avós e bisavós. E isso é uma representação ridícula do que somos. (…) Justo quando chegamos ao nosso melhor momento — e temos muito a ensinar — querem nos ocultar”.
Em “Acabou o medo” — na tradução do espanhol, na tradução do inglês seria “Medo de Morrer” —, Isadora Wing, do romance “Medo de Voar”, reaparece, mas num papel secundário. No romance, Erica Jong centra-se nos medos que cercam a velhice. A personagem principal é Wanessa Wonderman, que, além de cuidar do marido, Asher — que enfrenta uma cirurgia de risco —, acompanha os pais já velhos. Ao mesmo tempo, faz uma cirurgia plástica e “busca sexo casual com desconhecidos pela internet”. Os homens são encontrados no site Zipless.com.
O sexo casual é uma das maneiras que Wanessa encontra para lidar com as agruras da voracidade do tempo. “O amor e a morte são os temas principais da literatura. Amiúde se entrelaçam. O amor e a morte aparecem como obsessões na literatura de García Márquez, Pablo Neruda, inclusive na de Cervantes”, afirma Erica Jong. A escritora relata que, “pessoalmente”, odeia sexo casual, ainda que não se possa escapar à fantasia. “Quando era mais jovem, tentei. Mas acabei me decepcionando. (…) Sempre fui uma criatura monogâmica. Se estou envolvida numa relação, não traio. Seguramente, quando uma história de amor estava acabando, tive fantasias com outras pessoas.” Ela conta que às vezes saltava da fantasia para a prática, mas raras vezes a relação era satisfatória. A escritora lamenta que “muita gente” tenha lido “‘Medo de Voar’ como se fosse uma história erótica. Trata-se de um grande erro”. Escritores, sugere, contam histórias que parecem autobiográficas, mas às vezes são meras fantasias, quer dizer, literatura, invenção.
A repórter inquire sobre o papel do humor na vida de Erica Jong. A escritora frisa que, sem humor, “morreria”. “A vida é uma comédia com momentos trágicos. A única maneira de sobreviver a tais momentos é preservar o senso de humor.” Ela sente-se “muito triste” com o fim de suas relações afetivas e com a morte de seus pais e avós. Mas nunca deixou de ver o humor como parte da condição humana. Lado a lado com o trágico, o humor aparece no romance “Acabou o Medo”.
Erica Jong fez plástica, o que inspirou a plástica da personagem Wanessa. A repórter Verónica Abdala pergunta: “Acredita que a cirurgia é uma medida eficaz contra as pressões estéticas? Ou, dado o feminismo, seria melhor lutar contra ela?” A escritora discorda do nexo entre embelezamento e feminismo: “O feminismo não tem nada a ver com os esticamentos faciais, roupa, chapéus ou qualquer adorno superficial. O feminismo é um atitude das mulheres em defesa delas mesmas e das demais. O feminismo trata de nutrir as outras mulheres, ajudando-as a lutar por seus direitos. O feminismo tem a ver com o direito ao voto, a ser primeira-ministra ou presidente, a controlar seu próprio corpo, a uma boa atenção médica, a educar as meninas tanto quanto os meninos. Como se sabe, há muitos lugares no mundo onde os meninos são mais bem tratados do que as meninas. O que se precisa é de direitos iguais. A cirurgia plástica é uma decisão muito pessoal”. As atrizes precisam parecer mais jovens — ter um rosto mais jovial — para obterem trabalho. Ainda assim, o tempo não será revertido. “Creio que toda mulher deve tomar sua própria decisão a respeito. É uma escolha pessoal, não é uma questão feminista”.
A escritora disse que conhece o movimento argentino #Niunamenos, uma reação aos feminicídios. “É um movimento importante. Em todo o mundo, mulheres são assassinadas por seus parceiros. Também é um problema nos Estados Unidos, ainda que não se admita. As mulheres são assassinadas por namorados, maridos e estranhos. É preciso apoiar o movimento. Para sustentá-lo, devemos investigar todos os assassinatos e divulgá-los”.
Erica Jong sublinha que assiste-se um renascimento mundial do feminismo. “Nos Estados Unidos, precisamos de igualdade de direitos, atenção à saúde das mulheres, das crianças e dos velhos. Estamos lutando para que nossos direitos sejam reconhecidos. O horrível governo de [Donald] Trump só nos torna mais decididas. Na Inglaterra, um partido conservador e o Brexit estão estimulando o renascimento do feminismo. Nos países em que há uma direita forte, o feminismo está se fortalecendo. No Paquistão, na Índia, o feminismo está aumentando devido às violações, mas os homens continuam acreditando que podem sair impunes. Os ditadores despertam as mulheres para que abram os olhos sobre as mudanças que precisam promover. Ironicamente, quanto mais ditadores, mais feminismo.”
A repórter Verónica Abdala relata que o best seller internacional “Medo de Voar” foi proibido em Buenos Aires, em 1978, ao ser qualificado de “obsceno”. “Em 1979 o juiz Alfredo Grosso Soto chegou a condenar a editora do livro por ‘lucrar excitando e [dis]torcendo o instinto sexual.”
Trecho do livro
“Enquanto volto para casa, pela neve, com Belinda, penso que é totalmente impossível explicar aos jovens o que ocorre quando se sabe que não somos imunes à morte. Tudo muda. Olha-se o mundo de um modo diferente. Quando se é jovem, falta perspectiva. Acredita-se que a vida dura para sempre; dias, meses e anos que se estendem até o infinito. Crê que se pode perder tempo tomando drogas e álcool. Acredita-se que o tempo sempre está a seu favor. Mas o tempo, que foi teu amigo, se converte em seu inimigo. Se põe a galopar quando se é velho. As estações chegam cada vez mais rapidamente. Os anos passam pelo calendário como os filmes antigos. A única coisa que se deseja é voltar atrás e viver tudo de novo, corrigir os erros, fazer tudo bem feito. Meu pai deve sentir-se assim. O entendo quando já é demasiado tarde para dizer.”