Em português, há quatro histórias gerais da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que são incontornáveis: “A Segunda Guerra Mundial” (Bertrand, 1095 páginas, tradução de Fernanda Oliveira), de Antony Beevor; “O Terceiro Reich” (Planeta, tradução de Lúcia Brito e Solange Pinheiro, 2730 páginas; são três volumes), de Richard J. Evans; “Tempestade da Guerra — Uma Nova História da Segunda Guerra Mundial” (Record, 811 páginas, tradução de Joubert de Oliveira Brízida), de Andrew Roberts; e “Inferno — O Mundo em Guerra: 1939-1945” (Intrínseca, 766 páginas, tradução de Berilo Vargas), de Max Hastings. Os alemães George John Dasch, Herbert Haupt e Walter Kappe não são citados em nenhum dos cartapácios — o que sugere que não são nem personagens secundários da grande batalha que remodelou a geopolítica global.

Se Dasch, Haupt e Kappe não têm importância para os quatro grandes historiadores britânicos — seguramente, os melhores autores de livros sobre a Segunda Guerra Mundial, ao lado de Ian Kershaw, Richard Overy e Michael Burleigh (o excelente “Combate Moral — Una Historia de la Segunda Guerra Mundial” merece tradução brasileira)  —, nem mesmo em rodapés nas obras listadas, devem ser considerados num artigo ou reportagem? Sim, porque os fatos não envolvem apenas eles, que eram peões de um jogo maior — a disputa entre a democracia e o totalitarismo (e não deixa de ser curioso que um país totalitário, a União Soviética, tenha se alinhado com países democratas contra o totalitarismo do nazista Adolf Hitler).

O jornal espanhol “Abc” publicou um texto interessante sobre os, digamos, aloprados Dasch, Haupt e Kappe: “O comando de Hitler que planejou arrasar Nova York: o segredo que os Estados Unidos ocultaram durante 70 anos”. Segredo ou o “fato” era irrelevante. Israel Vargas é o autor do artigo. O livro “Ultramar Sul — A Última Operação Secreta do Terceiro Reich” (Civilização Brasileira, 489 páginas, tradução de Sérgio Lamarão), de Carlos De Nápoli e Juan Salinas, conta a história, de maneira mais ampla, da página 147 à página 153.

Vargas começa relatando que, em maio de 2023, um homem jogou um caminhão contra uma barreira de segurança na área da Casa Branca, em Washington, nos Estados Unidos. Ele portava uma bandeira com a suástica nazista.

A história do neonazista americano lembra a do comando nazista destacado por Hitler para atacar os Estados Unidos. A ideia era semear o pânico e, daí, enfraquecer a presença dos americanos na Europa — onde, ao lado de ingleses, franceses, poloneses, lutavam contra os alemães.

A missão surrealista, como a chama o “Abc”, foi desenvolvida em junho de 1942. Ela só foi divulgada publicamente quando documentos desclassificados do MI5, serviço de contraespionagem britânico, foram publicados pelo “Times” londrino.

O plano de atacar os Estados Unidos, para provar que o país não era invulnerável — por isso teria de limitar suas atividades na Europa, cuidando mais de suas fronteiras —, foi do führer Adolf Hitler. Sob as ordens do ditador da Alemanha, a Abwehr, a inteligência militar nazista, criou a Operação Pastorius.

A Alemanha pretendia articular vários ataques, talvez para passar a impressão de que os Estados Unidos estavam sendo invadidos, ou, quem sabe, que poderiam ser invadidos. A opinião pública poderia pressionar para as tropas do país de Franklin Delano Roosevelt abandonarem a luta na Europa.

O objetivo dos alemães era explodir centrais elétricas, fábricas de alumínio, estações de trem, pontes, canais e até o sistema de abastecimento de água de toda a cidade de Nova York. “Um objetivo ambicioso que desembocou em uma série de situações hilariantes que poderiam ser utilizadas numa comédia ao estilo de ‘Top Secret’… mas tudo ocorreu de verdade”, ressalta o “Abc”.

A chefia da Abwehr confiou o planejamento da missão ao tenente alemão Walter Kappe, de 37 anos, que vivera 12 anos em Detroit. Ele havia fundado, com o apoio dos irmãos, a Associação Nacional Socialista dos Estados Unidos e “fez campanha para difundir a palavra de Hitler entre os imigrantes de seu país”.

O jornal fundado por Kappe “atribuía todos os problemas do mundo aos judeus”. Em 1933, quando chegou ao poder, sem golpe de Estado, Hitler nomeou o alemão como porta-voz de seu governo nos Estados Unidos.

De volta à Alemanha, em 1936, Kappe ocupou vários cargos. Com a guerra declarada, incorporou-se à Wehrmacht (forças armadas alemãs). O serviço de Inteligência o recrutou em 1941.

J. Edgar Hoover: o chefão do FBI por várias décadas investigou a Operação Pastorius | Foto: Reprodução

Em 1942, dado seu conhecimento dos Estados Unidos, Kappe assumiu o comando da Operação Pastorius. Nos arredores de Brandeburgo, organizou uma espécie de escola de sabotagem com o objetivo de qualificar o comando que pretendia “invadir” os Estados Unidos.

Kappe treinou 12 homens e, depois, escolheu oito deles para a operação americana. George John Dasch, de 39 anos, foi escolhido para comandar uma das equipes que cometeriam atentados terroristas nos Estados Unidos.

Dasch era veterano do Exército da Alemanha. Ele tinha ordens para desembarcar nos Estados Unidos, a partir de um submarino (U 202), na costa Long Island, em 13 de junho de 1942. Falava inglês fluentemente, sem sotaque, pois havia trabalhado na construção civil em Chicago (segundo Nápoli e Salinas, ele trabalhou como camareiro).

O subcomandante da operação, Ernest Peter “Stocky” Burguer (cujo nome não é citado no texto do “Abc”), havia participado do putsch de Munique, em 1923, e só não foi preso, junto com Hitler, porque fugiu para os Estados Unidos, onde trabalhou como operário mecânico. Em 1933, com o nazista austríaco no poder, voltou para a Alemanha e se tornou um dos principais auxiliares de Ernst Röhm, chefe das SA. Ele chegou a lutar na frente russa, onde foi ferido.

Coube a Edward Kerling a chefia do segundo grupo. Funcionário do Ministério da Propaganda, ele era um nazista fanático, de 32 anos.

Hainrich Heinck, Richard Quirin, Herbert Haupt, Hermann Neubauer e Werner Thiel também participaram do comando nazista.

Depois do treinamento final dos oito homens, feito nos arredores de Berlim, a equipe foi dividida por Kappe em dois grupos. O primeiro deveria explodir a hidrelétrica das cataratas de Niágara, as fábricas de alumínio de Illinois, Tennessee e Nova York, uma fábrica de criolita [insumo básico para a produção de alumínio] na Filadélfia e uma represa de Ohio, entre Louisville e Pittsburgh.

Se o ato terrorista fosse bem executado, os alemães partiriam para a segunda fase. Eles planejavam “explodir “a estação ferroviária da Pensilvânia, pontos estratégicos da estrada de ferro de Chesapeake e Ohio, uma ponte ferroviária em Nova York, as eclusas e os complexos de canais de Saint Louis, Cincinatti e Ohio e o reservatório de água de Nova York. Em seguida, atacariam os terminais ferroviários da Costa Leste e “um bom número de comércios de judeus”.

No livro “Ultramar Sul”, Carlos De Nápoli e Juan Salinas relatam que a chegada de Dasch e sua equipe se deu em 13 de junho de 1942, à meia-noite. Eles portavam milhares de dólares e explosivos de alta potência e até lapiseiras-pistola.

Ao chegarem aos Estados Unidos, quatro homens saíram do submarino e entraram num bote com remos. Quando chegaram à terra, o guarda-costas John C. Cullen, que fazia a vigilância da área, os abordou.

Com um maço de dinheiro, os nazistas “subornaram” John Cullen e chegaram a ameaçá-lo de morte, sugerindo que deveria esquecer o que havia presenciado.

O historiador José Luis Caballero, no livro “Missões Impossíveis: Anedotas e Segredos das Ações Extraordinárias de Audácia e Coragem”, relata que John Cullen não aceitou o suborno e avisou o FBI. De Nápoli e Salinas dizem que aceitou, talvez para não ser morto pelos alemães. Porém, se avisou a polícia, não se pode falar em suborno real.

Bêbado compulsivo, Herbert Haupt disse, no Hotêl des Deux Mondes, que era um espião nazista e estava nos Estados Unidos com a missão de cometer atentados. Ele entregou-se aos agentes do FBI.

Preso e interrogado pelo FBI, Dasch se dispôs a trair os nazistas e apoiar a causa dos Aliados. Ele contou que pretendia morar nos Estados Unidos.

Quando Dasch disse que era chefe de um comando nazista, cuja missão era atacar os pontos centrais dos Estados Unidos, o agente do FBI acreditou que se tratava de um maluco e o repassou para outro agente.

Quando o segundo agente — D. M. Ladd, chefe da contraespionagem e encarregado de recrutar agentes duplos, também não o levou a sério, Dasch contou que havia 84 mil dólares (De Nápoli e Salinas mencionam 83 mil dólares) — valor bem alto para a época — e que o dinheiro havia sido repassado pelo governo da Alemanha para financiar os atos terroristas.

O agente acabou levando a história a sério e pediu a prisão dos integrantes da Operação Pastorius, inclusive de Dasch, o recém-traidor. Os primeiros a serem presos foram “Stocky” Burguer, Quirin e Heinck

O “Abc” assinala que, “por mais rocambolesca que tenha resultado, [a Operação Pastorius] foi ocultada do mundo. Os Estados Unidos não podiam mostrar sua vulnerabilidade. Os nazistas foram julgados, declarados culpados e condenados à morte [foram eletrocutados]. Dasch foi condenado a 30 anos de prisão, mas só cumpriu seis”. De Nápoli e Salinas acrescentam que, por ter colaborado, Burguer não foi executado, e sim condenado a “trabalhos forçados perpétuos”.

Trecho do livro de Carlos De Nápoli e Juan Salinas

Mesmo depois do fracasso da Operação Pastorius, “Hitler não deixou de estimular planos para atacar a Costa Leste dos Estados Unidos, em particular Nova York. No fim de agosto de 1943, o U-537, comandado pelo capitão-tenente Peter Schrewe, desembarcou o doutor Kurt Sommermeyer, um cientista nazista que instalou e colocou em funcionamento uma estação meteorológica com transmissores automáticos em um promontório da Península do Labrador, como requisito para continuar desenvolvendo planos ofensivos.

“Pelo que se sabe sobre outras operações nos Estados Unidos, os serviços secretos alemães só conseguiram o desembarque clandestino de dois comandos — o americano William C. Colepaugh e o alemão Erich Gimpel — que chegaram às praias do Estado do Maine, no Norte da Costa Leste, no fim de setembro de 1944, a bordo do U-1230, sob o comando do capitão-tenente Hans Hilbig. Porém, tal como havia sucedido com Dasch, em 23 de dezembro Colepaugh, depois de gastar dezenas de milhares de dólares em festas, pôs-se em contato com o FBI e entregou a operação e seu companheiro. Ambos foram julgados sumariamente e condenados à morte. Contudo, depois da guerra, o presidente [Harry] Truman comutou suas sentenças e liberou também Dasch e Burguer.

“De acordo com a história oficial, não há evidências fidedignas sobre desembarques na América do Sul. O que não quer dizer muito, já que é vox populi que houve mais de uma chegada nas costas do sul do Brasil durante a guerra e até que o comandante de um U-Boote chegou mesmo a entrar em contato com a colônia alemã de Blumenau.” (A história pode ser conferida na página 154 de “Ultramar Sul”.)