Todos os que foram ao Centro Cultural Oscar Niemeyer na quinta-feira, 8, em Goiânia, passaram por uma catarse interna, ao ver ali aquela banda que acompanhou toda a existência de uma geração inteira. Assistir de novo aos Titãs, na turnê Encontro, com sua formação clássica, não foi só um show de rock – e, sim, foi um belíssimo show, musicalmente falando –, mas também uma terapia de luxo para almas irrequietas.

Os Titãs do Iê-Iê, depois Titãs, construíram sua carreira enquanto a gente erguia a própria existência. Ao ver aqueles oito amigos de colégio novamente juntos – o oitavo, Marcelo Fromer, com seus genes representados fisicamente pela filha Alice (que cantou, com Arnaldo Antunes, Não Vou Me Adaptar e Toda Cor) –, reminiscências de 30 ou 40 anos atrás percorreram os cérebros, desceram as espinhas e chegaram à flor da pele de cada um. Não havia como não arrepiar.

Fromer morreu em 2001, vítima de um atropelamento enquanto corria pelas ruas de São Paulo. Mas, com Alice e seus parceiros de banda, estava ali, em cada canção, verso e acorde que escreveu, musicou e executou.

Entre os demais titãs, Branco Mello é certamente quem mais tem a agradecer a vida. Em 1998, em exames de rotina, descobriu um aneurisma na aorta e teve de ser operado de imediato. Em 2018, teve um câncer de faringe, que foi tratado. Em 2021, novamente um tumor praticamente no mesmo local, que então mudou bastante sua voz. Mas ele venceu. “Eu tive uma cirurgia muito grande na garganta e hoje estou muito feliz em estar aqui, estar vivo. Vou cantar para vocês”, declarou ao público, com sua rouquidão grata. E cantou Eu Não Sei Fazer Música (sabe, sim), Tô Cansado, Cabeça Dinossauro e tantas outras pancadas titânicas.

Titãs em Goiânia: Branco Mello faz performance com imagem da capa do álbum “Cabeça Dinossauro” ao fundo | Foto Rodrigo H.

Branco nunca foi o melhor vocal da banda, mas nunca deixou de ser o mais raçudo ao cantar. E quem entendia suas limitações e suas virtudes quando novo, passou ali a admirar o jovem senhor que superou o soro com gosto de lágrimas e resistiu às flores com cheiro de morte. Bravo Branco, bravíssimo.

Um público maduro é também um público generoso. E a música faz milagres, mas antes disso, rejuvenesce quem lhe abre os tímpanos, não importa a geração. Havia gente nova, que bebeu na fonte dos LPs e CDs dos pais e assim aprendeu a amar a banda e estava lá, sorvendo os clássicos de Cabeça Dinossauro, Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas, Go Back e Õ Blesq Blom. E havia senhoras e senhores que curtiram mais do que deveriam o que seus adolescentes ouviam nos anos 80 e também estavam ali, firmes em pé durante mais de duas horas, numa idade em que muitos já precisariam de um andador. Porque música que a gente gosta reenergiza a alma.

Todos eles escancaravam que gostavam de estar ali naquele palco. Que não haveria outro lugar possível naquele momento. É a felicidade de estar com a turma

Foi um show, ainda, para mostrar o poder da união. Em como, nesse caso, ela faz mesmo a força, por meio da reunião, do congraçamento daqueles velhos garotos no palco multiplicando a potência de cada um entre eles e na plateia. Superestrelas da música brasileira, como Arnaldo Antunes e Nando Reis, com décadas de carreiras-solo consolidadas, juntos novamente, cada um como um a mais na banda.

Mais do que simplesmente estar ali, porém, eles, todos eles, escancaravam que gostavam de estar ali naquele palco. Que não haveria outro lugar possível naquele momento. É a felicidade de estar com a turma.

Quando rapazes e moças, somos seres gregários, queremos ficar em grupo o tempo todo. Talvez essa seja uma das razões que fazem os Titãs representarem tanto para tantos: assim como são uma grande banda, são uma banda grande. É o sonho concretizado de todo jovem e adolescente, de juntar todo mundo de quem gosta para fazer uma coisa bem legal e que seja marcante. Depois, adultos, cada um caça seu rumo e vai tentar ser feliz mais sozinho.

Os adultos titãs pegaram a máquina do tempo e voltaram para seu Colégio Equipe. Ao voltarem e se darem esse presente, presentearam todos os que acompanharam sua trajetória. Foi assim ali no CCON, e com certeza foi e será em cada arena em que o Encontro acontecer. Todo mundo saiu de lá satisfeito, mas todos também com um gosto de “quero mais” no ouvido – faltaram muitas músicas preferidas de acordo com cada um, como O Que, Corações e Mentes, Massacre, Armas Pra Lutar e várias do Titanomaquia, para o gosto deste que escreve aqui. Mas não se pode querer tudo ao mesmo tempo agora.

Como disse Nando Reis, “tocar para diferentes gerações representa justamente a força da obra que criamos juntos”. Foi mágico, milagroso, terapêutico. Porque a vida requer comida, diversão e arte, enquanto o pulso ainda pulsa.