Quando estudantes, que serão profissionais da agricultura, cedem acriticamente ao apelo da indústria do agrotóxico, o pragmatismo toma lugar ao racionalismo e o futuro se apresenta nebuloso

 

NILSON JAIME

Especial para o Jornal Opção

Li no Jornal Opção a reportagem matéria intitulada “Glifosato: alunos de agronomia da UFG causam polêmica ao pedir ‘menos amor e mais agrotóxico’”. Referia-se à polêmica causada após a publicação no site “De olho nos ruralistas”, de 10/07/2017, sobre a camiseta utilizada por estudantes ligados à Associação Atlética dos Estudantes de Agronomia da UFG (AAAA), com os dizeres: “Menos amor; mais glifosato, por favor”.

Muito das altas produções da agricultura brasileira e mundial se deve ao Glifosato, ou Glyphosate [N-(phosphonomethyl)glycine], largamente utilizado no sistema de plantio direto. Essa molécula organosfosforada (fosfonato) foi sintetizada em 1950, sendo sua ação herbicida descoberta em 1970. A partir de 1974 a transnacional americana Monsanto a inseriu no mercado, em um produto comercial de sua fabricação. Hoje é utilizado como princípio ativo de herbicidas por diversas outras indústrias, objetivando a dessecação de áreas destinadas à agricultura. A principal característica desses produtos é a ação de amplo espectro (efetiva para eliminar quase todas as ervas daninhas e plantas, exceto as geneticamente modificadas, como soja, milho e algodão RR) e a translocação sistêmica (circula pela planta). Por sua eficácia e não seletividade, o glifosato tornou-se o herbicida padrão para a eliminação de grande parte das ervas daninhas na agricultura moderna, bem como na maturação de cana-de-açúcar. Hoje, levantam-se muitas discussões e suspeitas sobre a carcinogenicidade (causa câncer?) da substância, notadamente nos Estados Unidos. A pesquisa deverá comprovar, ou desmentir, a hipótese.

Tristes trópicos

Ao ler a matéria imaginei, a princípio, que seria uma ironia dos estudantes. Perfeitamente cabível, pois estariam se utilizando de uma ferramenta eficaz para mostrar o antagonismo do agrotóxico com um elemento caro à vida: o amor, representado pelo cuidado ao meio-ambiente, à natureza e às pessoas. Entretanto, ao inteirar-me das explicações pouco convincentes dos estudantes, de que o glifosofato seria a gíria para “uma bebida”, além de culpar a reportagem e o Jornal Opção por ter repercutido o que já grassava nas redes sociais, deduzi que a intenção parece ter sido mesmo a de evidenciar o produto sob suspeição, em detrimento da vida. Tristes tempos, “tristes trópicos”.

Durante minha formação universitária participei, como membro e diretor, do Centro Acadêmico (CA) da gloriosa Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás (1980-1984). Naquela época combatíamos o uso indiscriminado de agrotóxicos e defendíamos uma agricultura mais racional. No ano de 1980, criamos um grupo de estudos de agricultura biológica, denominado Cerrado, presidido por Altamirando Muniz Filho, e que tinha em sua diretoria o hoje agrônomo e biólogo Osmar Pires Martins Junior, a hoje cantora — e mestre em Agronomia — Bel Maia, Donizetti Tokarski, Carlos Henrique da Silva.

Céticos diziam que as bandeiras que defendíamos eram causa perdida, utopia de um “bando de estudantes esquerdistas”: plantio direto; diminuição do desmatamento da Amazônia; boas práticas de conservação de solos; utilização de inseticidas biológicos; e boas práticas agrícolas. Hoje, todas essas tecnologias e ferramentas são uma realidade, ou ainda estão em pauta. O sonho de um grupo de estudantes, em dezenas de escolas de agronomia pelo Brasil, tornou-se a base da agricultura brasileira atual.

Valores invertidos

Assim, é lamentável estudantes de agronomia ligados à AAAA defenderem a bandeira das indústrias de agrotóxicos, pedindo “menos amor e mais glifosato”. O uso de defensivos agrícolas é uma realidade necessária, com a qual o engenheiro agrônomo e o setor produtivo brasileiro e mundial deve lidar. Além do mais, as empresas produtoras de defensivos agrícolas estão entre as grandes utilizadoras da mão de obra dos agrônomos no Brasil. Entretanto, a vida — transliterada pelo “amor”— deve vir em primeiro lugar. Os valores estão invertidos.

No mundo inteiro, estudantes sempre foram o último bastião em defesa de alternativas mais racionais e humanistas, na busca de uma agricultura eficaz e produtiva, porém menos deletéria ao ambiente e à saúde das pessoas. Quando estudantes, que serão os profissionais da agricultura de amanhã, cedem acriticamente aos apelos das indústrias de agrotóxicos, o pragmatismo toma lugar ao racionalismo e o futuro se apresenta nebuloso e sem boas perspectivas.

A partir do momento em que estudantes estampam na camiseta o malfadado slogan, deduzo que se quedaram à ideologia da “nova direita”: “O mercado é tudo. Gente é o de menos”; ou, “F(….)-se a vida. Dinheiro é tudo”. Fazer da defesa de “menos vida” uma bandeira é um sinal de que o Brasil está um país extremamente doente. A comunidade estudantil precisa refletir.

Nilson Jaime, engenheiro agrônomo, mestre e doutor em Agronomia pela UFG, é colaborador do Jornal Opção.