O debate começou no Peru, quando um empresário disse que César Vallejo contribuiu para inculcar derrotismo no povo peruano. Escritores têm de produzir boas obras ou elevar a autoestima de seu povo?

(Publicado no Jornal Opção em março de 2012)
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César Vallejo: o mais importante poeta do Peru | Foto: Reprodução

Pense em Carlos Drummond de Andrade e, mais precisamente, em João Cabral de Melo Neto. Pense em Vicente Huidobro, maior poeta chileno, acima de Pablo Neruda e Gabriela Mistral. Pense em Jorge Luis Borges e Oliverio Girondo. Pense em José Lezama Lima. Pois o Peru tem seu Drummond, seu João Cabral, seu Huidobro, seu Borges, seu Girondo e Lezama Lima. Trata-se de César Vallejo, que morreu em Paris, aos 46 anos, em 1938. Na Cidade Luz conviveu com os principais criadores da arte modernista, como os surrealistas. Sua obra mais conhecida é “Trilce”. No livro “Peixe na Água — Memórias” (Companhia das Letras, 538 páginas, tradução de Heloisa Jahn), o escritor Mario Vargas Llosa diz que “o grande esporte peruano” é o “raje”, quer dizer, “queimar o próximo”. Numa obra mais recente, “Sabres e Utopias — Visões da América Latina” (Objetiva, 430 páginas, tradução de Bernardo Ajzenberg), Vargas Llosa assinala: “Embora já me tenha ocorrido odiar o Peru, esse ódio, como no verso de César Vallejo, foi sempre impregnado de ternura”. Num ensaio, o autor de “Conversa no Catedral” diz que “o mais antigo costume latino-americano” é a “refutação (…) sistemática da realidade”, mas admite que graças a isto se tem Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez, Pablo Neruda, Vallejo, Octavio Paz, Lezama Lima, Lam, Matta e Tamayo. Agora, quando comemoram 120 anos de seu nascimento, o bardo provoca polêmica e o debate chegou às páginas do “El País”, principal jornal da Espanha, pela pena do escritor peruano Iván Thays. No artigo “César Vallejo cumple 120 años”, Iván Thays, 44 anos, autor de vários livros, discute o artigo “Vallejo, Ribeyro, Montaigne”, de Diego de la Torre, presidente do Pacto Mundial en el Peru, publicado no diário “El Comercio”. Editado na seção de economia do jornal, o texto provocou polêmica acirrada, com socos verbais abaixo da linha de cintura, nas redes sociais. La Torre frisa que os escritores Vallejo e Julio Ramón Ribeyro (1929-1997) criaram “‘no inconsciente coletivo peruano’ uma ideia derrotista, depressiva, fracassada”.

Iván Thays diz que La Torre “defende a economia liberal” e, por isso, critica, com aspereza, a “ideologia esquerdista”. La Torre cita Montaigne como se o filósofo francês fosse autor motivacional e de manuais de autoajuda. O empresário acredita que é preciso injetar otimismo — não em gotas, mas em doses cavalares — no povo peruano. O êxito econômico advirá, sugere o articulista, de se melhorar a autoestima do país. Iván Thays conta que o artigo caiu nas redes sociais, nas quais “as ‘piranhas’ esperam diariamente sua ração de carne fresca”. La Torre foi atacadíssimo no Twitter e no Facebook. Iván Thays, ainda que discorde dos argumentos de La Torre, diz que a maioria dos “indignados” parece não conhecer a obra literária de Vallejo e Ribeyro. As pessoas ficaram irritadas porque, mesmo que se tenha atribuído a “fracassomania” a dois escritores, o empresário insinuou que o peruano é “derrotista”, “pessimista”, “depressivo” e “fracassado”.

César Vallejo e a tradução de Thiago de Mello | Fotos: Reproduções

As críticas não foram totalmente inconsequentes, admite Iván Thays. Algumas pessoas, provavelmente intelectuais, apontaram o “fundamentalismo liberal” de La Torre e ressaltaram que a obra de Montaigne (os célebres “Os Ensaios”), apesar do aparente otimismo, guarda uma certa ironia e ceticismo não-arrogante. As opiniões sobre Vallejo e Ribeyro como propositores do “derrotismo” como “ética” nacional também foram desconstruídas por “leitores” instruídos. Possivelmente, o empresário não leu os dois escritores, ou, se leu, talvez não tenha entendido (ou não quis entender) o que disseram. Vallejo é um poeta tão sofisticado — dotado de uma capacidade de elaboração e refinamento técnicos que o aproxima de Drummond de Andrade e João Cabral — que às vezes escapa mesmo ao leitor especializado. A fortuna crítica não para de crescer dado o caráter inesgotável de sua poesia.

Ao criticar La Torre, Iván Thays sustenta que uma obra não tem condições de se tornar, por assim dizer, o inconsciente coletivo de um povo, de um país. O que dizer do marxismo-leninismo que se transformou em ideário, quem sabe o inconsciente coletivo, dos soviéticos, ou, possivelmente, uma religião tão “ortodoxa” quanto a anterior? Claro que o escritor está escrevendo sobre uma obra literária. Mas o que dizer da influência do romance “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, na Alemanha? O que Iván Thays deveria ter dito, e não apenas sugerido, é que, como não eram filósofos e políticos, e sim escritores, um deles, Vallejo, muito poderoso — só que não necessariamente compreensível às massas, ao contrário de Pablo Neruda no Chile; este fez uma poesia populista próxima de uma religião literária —, de fato não influenciaram de modo intenso a “psique” dos peruanos. Embora tratasse muito do Peru em sua poesia, dada sua paixão (tão próxima do ódio) pelo povo e pelo próprio país, Vallejo talvez fosse “muito” parisiense para a maioria dos peruanos de seu tempo. Vallejo talvez fosse desconhecido da maior parte dos peruanos não-cultos. E as províncias costumam tratar com certo ressentimento, frieza e distanciamento os rebentos que se tornam “cosmopolitas” (ainda que Vallejo sempre parecesse à margem).

La Torre equivoca-se quando afirma que os escritores têm de, obrigatoriamente, escrever livros otimistas para fortalecer a autoestima de seus países. Iván Thays nota, com acerto, que La Torre leu (se leu) mal a obra de Vallejo. O poeta “está muito distante de ser derrotista, inclusive em contos (a meu ver, de má qualidade literária), como o célebre ‘Paco Yunque’ — mencionado no artigo” do empresário. Nos “poemas extraordinários”, como “Trilce”, não há “derrotismo” algum. Neles, frisa Iván Thays, o poeta clama pelo “despertar humano — contra a dor e a desesperança”. Isto pode ser verificado, segundo o texto publicado no “El País”, em “Los Nueve Monstruos”. Aí, o poeta propõe “o modelo de amor cristão, aprendido com sua mãe, como pedra angular para a solidariedade universal”. Tal visão pode ser encontrada no poema “Espanha, afasta de mim este cálice” (leia no site www.jornalopcao.com.br). Neste poema, traduzido por Thiago de Mello para o livro “Poesia Completa” (Philobiblion, 260 páginas), Vallejo “luta”, com palavras, para que a Espanha republicana não caia, não seja dominada pelo generalíssimo Francisco Franco, fascista que assumiu o comando do país, em 1939, logo depois da morte do vate peruano. Vallejo visitou a Espanha conflagrada pela guerra civil e quedou-se impressionado com a ferocidade da batalha, com sua desumanidade. Aqui e ali, o poema lembra o de Auden sobre a Espanha.

“O que não chega a entender La Torre é que todos os artistas criam suas obras a partir do descobrimento das fraturas do mundo. Mario Vargas Llosa tem explicado, à exaustão, que os escritores escrevem para ‘melhorar a realidade’, e que essa necessidade aparece quando se quebra a relação com o mundo e começa uma atitude crítica”, analisa Iván Thays. O escritor ressalta que “os leitores de ficção são conscientes dessas fraturas” e fazem perguntas incômodas àqueles que “preferem lidar com seres humanos submetidos e bovinos, que acatam qualquer ordem estabelecida”.

César Vallejo | Foto: Reprodução

“Vargas Llosa”, nota Iván Thays, “nos lembra que os governos fundamentalistas, como as ditaduras ou as colônias, proíbem as obras de ficção porque criam um espírito crítico. As aventuras do Quixote não podiam ser importadas durante o Vice-Reino do Peru porque contam a história de um ‘aposentado’ que um dia, justamente por ler muitos livros, rebela-se contra a mesquinhez do mundo e decide ser justiceiro. Suas ideias poderiam criar mentes pensantes, discordantes, que logo se tornariam subversivas”.

Todos os países têm seus fracassos e sucessos, ainda que alguns pareçam ter mais fracassos do que sucessos. O Brasil, sexta economia do mundo — uma grande vitória para um país que tem pouco mais de 200 anos (não tem 500 anos de Estado moderno) —, certamente pode comemorar mais acertos do que derrotas. Mesmo assim, parte dos brasileiros, talvez a maioria, duvida da possibilidade de o país se tornar uma potência internacional, o que, no fundo, já é. Parece que padecemos de uma espécie de complexo de vira-lata, como sugeriu o dramaturgo, jornalista e escritor Nelson Rodrigues. Avançamos, mas sempre achamos que recuamos. E temos, claro, o hábito de falar mal do próprio país — é quase um esporte nacional. O pouco lido, mas muito citado, “Casa Grande & Senzala”, do sociólogo Gilberto Freyre, “prova” que, como civilização, o Brasil deu “certo”, inclusive na integração, ainda que com conflitos, entre as “raças” — diferentemente dos Estados Unidos.

Tradução recente da poesia de César Vallejo | Foto: Jornal Opção

O Peru, nosso vizinho, não parece muito diferente. “É bizantino discutir se o Peru é um país rico em fracassos e derrotas desde sua origem como nação, e se seus autores só retratam esse estado permanente, ou se são os escritores os culpados por introduzir na mente do peruano uma ideia distorcida de sua história e de seus logros como país”, analisa Iván Thays. Um verso de Vallejo — “Eu nasci no dia em que Deus estava enfermo” — gera polêmicas incontornáveis. Iván Thays discorda de que expresse uma “ideia derrotista”. Na verdade, nota o escritor, Vallejo está expressando seu inconformismo com o mundo, “atestando que existe uma ideia de justiça implantada por um superior (Deus ou quem quer seja) contra a qual o poeta subleva-se”. O poema “Espergênese” mostra um Vallejo indignado e convocando o leitor a indignar-se. Nada tinha, pois, de “derrotista” ou “conformista”.

No fim de outro poema, “Deus”, Vallejo escreve: “Eu te consagro Deus, porque amas tanto,/porque jamais sorris e porque sempre/te deve doer demais o coração”. No poema “Os arautos negros”, Vallejo escreve: “Há golpes na vida, tão fortes… Eu não sei!/Golpes como do ódio de Deus; como se diante deles/a ressaca de todo o sofrimento/se empoçasse na alma… Eu não sei!//São poucos; mas são… Abrem fendas escuras/no rosto mais fero e no dorso mais forte./Serão talvez os potros de bárbaros átilas;/ou os arautos negros que nos manda a Morte.//São as quedas profundas dos Cristos da alma,/de alguma fé adorável que o Destino blasfema./Esses golpes sangrentos são as crepitações/de algum pão que se queima na boca do forno.//E o homem… Pobre… pobre! Volta os olhos, como/quando alguém bate as mãos por trás de nós;/vira os olhos loucos, e tudo que foi vivido/se empoça, como charco de culpa, no olhar./Há golpes na vida, tão fortes… Eu não sei!” No poema “Os dados eternos”, Vallejo escreve: “Meu Deus, se tu tivesses sido um homem,/hoje saberias ser Deus”. (Todas as traduções são de Thiago de Mello.) Lembra a relação amorosa, tensa, até mesmo irônica, e, quem sabe, satírica, da poeta norte-americana Emily Dickinson com Deus.

César Vallejo: autor de “Trilce” | Foto: Reprodução

Iván Thays nota também que, se há pessimismo na obra de Vallejo, como na maioria das obras dos grandes autores, é preciso entender o contexto no qual viveu na Europa, sobretudo em Paris. Viveu no meio da vanguarda artística parisiense, depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) — que deixou o continente traumatizado — e esteve no meio da selvageria da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Se perceber isto, o leitor será capaz de compreender, avalia Iván Thays, que “muito do que se considera versos pessimistas são respostas a uma época que produziu outros poemas terríveis e dolorosos, como ‘Caligramas’, de Apollinaire, ‘A Terra Devastada’, de T. S. Eliot, e ‘Residencia en la tierra’, de Pablo Neruda”.

Para Iván Thays, “o estilo de um autor é a síntese de sua visão particular, de sua escola literária e de sua época. O mérito de César Vallejo é advertir” o homem “contra a celebração cega da vida, o risco que acarreta essa cegueira: a gestação de um mundo à mercê das ditaduras e dos abusos contra a humanidade”. Hitler, nota Iván Thays, começou o horror da Segunda Guerra Mundial um ano depois a morte de Vallejo.

No seu texto para o jornal espanhol, Iván Thays diz que é “contra o patriotismo de novo cunho — que celebra apenas vitórias e cuja missão principal é elevar a autoestima dos cidadãos”. O escritor não diz, mas esse tipo de patriotismo — o último refúgio dos velhacos, na acepção de Samuel Johnson — ignora questões estéticas e tenta transformar a poesia e a prosa em instrumentos de uma mudança mais econômica do que cultural e social. A poesia a serviço do consumo é publicidade, não é poesia. Os poetas, se bons mesmo, devem ser perdoados mesmo quando são críticos do crescimento e do desenvolvimento. Domesticar poetas é como “engolir” a alma de um povo.

No final do artigo, talvez esboço de um futuro ensaio ou livro, Iván Thays diz que os peruanos contemporâneos de Vallejo não compreenderam sua poesia, o que provocou sua “fuga” para Paris, sem regressar jamais ao Peru. Sintomaticamente, as elites, como La Torre, seguem deixando de perceber as qualidades de seu principal poeta. “A poesia de César Vallejo, hermética, revolucionária na linguagem, com uma mensagem clara porém jamais condescendente com o leitor, segue viva com o passar dos anos e graças a isso logra distanciar-se ao mesmo tempo de quem, como Diego de la Torre, que quer transformá-la em slogan [publicitário], e de seus irritados inimigos patrioteiros das redes sociais, leitores de tweets incapazes de dedicar quinze minutos para tentar entender a profundidade humana e a genialidade de um poeta que é muito mais que um desenho em uma camiseta.” Como traduzi apenas os principais trechos, muitas vezes mais adaptando, transcrevo, no site do Jornal Opção (www.jornalopção.com.br), o artigo completo de Iván Thays¹. O objetivo do Jornal Opção é proporcionar ao leitor acesso a um debate ignorado, salvo engano, pelas revistas e suplementos culturais dos jornais brasileiros.

Espergênese

César Vallejo

Eu nasci um dia

em que Deus estava enfermo.

Todos sabem que vivo,

que sou mau; e não sabem

do dezembro desse janeiro.

Pois eu nasci um dia

em que Deus estava enfermo.

Existe um vazio

em meu ar metafísico

que ninguém pode tocar:

o claustro de um silêncio

que fala à flor de fogo.

Eu nasci um dia

em que Deus estava enfermo.

Irmão, escuta, escuta…

Bem. E que eu não parta

sem levar dezembros,

sem deixar janeiros.

Pois eu nasci um dia

em que Deus estava enfermo.

Todos sabem que vivo,

que mastigo… E não sabem

porque em meu verso gritam,

escuro ranço de féretro,

ventos esfregados,

desenroscados da Esfinge

indagadora do Deserto.

Todos sabem… e não sabem

que a Luz é tísica

e a Sombra obesa…

E não sabem que o Mistério sintetiza…

que ele é corcunda

musical e triste que à distância denuncia

a passagem meridiana dos limites aos Limites.

Eu nasci num dia

em que Deus estava enfermo,

enfermo grave.

(Tradução de Thiago de Mello)

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Traduções de Haroldo de Campos e Thiago de Mello para o 1º poema de Trilce
Trilce: poema 1

Quem faz tanta balbúrdia,

e nem deixa

testamentar as ilhas que vão

perdurando.

Um pouco mais de consideração

Enquanto será tarde, cedo,

e se aquilhatará melhor

o guano, a simples fedorina

tesórea

que sem querer oferece,

no insular coração,

alcatraz salobro, a cada hialoidea

rajada.

Um pouco mais de consideração

e o estrumilho líquido,

seis da tarde

DOS MAIS SOBERBOS BEMÓIS

E a península para

pelas costas, remordaçada,

impertérrita

na linha mortal do equilíbrio.

(Tradução de Haroldo de Campos, “Folhetim — Poemas Traduzidos”, edição da “Folha de S. Paulo”, 1985)

Trilce: poema 1

Quem faz tanto alarido, e nem deixa

legar as ilhas que ainda restam.

Um pouco mais de consideração

enquanto será tarde, cedo,

e se aquilatará melhor

o guano, o simples fedor precioso

que sem querer oferece,

no coração insular,

o salobre pelicano, a cada vidrosa

rajada.

Um pouco mais de consideração

e o adulto líquido, seis da tarde

DOS MAIS SOBERBOS BEMÓIS.

E a península estanca

de dorso, amordaçada, impassível,

sobre a linha mortal do equilíbrio.

(Tradução de Thiago de Mello)

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Thiago de Mello explica o que significa “Trilce”

O poeta Thiago de Mello escreve: “‘Trilce’ é palavra inventada pelo poeta. Duas versões, no entanto, divergem quanto às raízes da invenção. Juan Larrea, apaixonado estudioso da obra de Vallejo, acha que se trata de uma palavra composta de elementos de duas outras: ‘triste’ e ‘dulce’. Outra versão, divulgada por mais de um autor: a impressão do livro de poemas está quase concluída, mas o poeta ainda não lhe dera título. Vacilava. Na própria oficina gráfica, por sinal a da Penitenciária de Lima, onde estivera recolhido, Vallejo pergunta pelo preço da venda do exemplar. Alguém informa: ‘Vai ser vendido a três soles’. ‘Então, decidiu o poeta, vai se chamar Trilce’.”

Traduzir “Trilce”, de César Vallejo, é um “tout de force”. O poeta Thiago de Mello ousou e traduziu todos os poemas de “Trilce”, apontado pelos críticos e analistas da poesia latino-americana como seu trabalho mais moderno e consistente. Há ressalvas às versões do vate amazonense, sempre mais sugeridas do que densamente provadas. Há, de fato, aqui e ali, algumas dificuldades com a tradução, mas, no geral, são corretas e, mesmo, literais. É possível que seja a literalidade — eventualmente a falta de esforço para verter o modernismo do complexo bardo peruano de modo mais inventivo — um dos principais problemas de “Poesia Completa” na versão de Thiago de Mello. Mas há momentos de esplendor, mesmo numa versão mais convencional, e captura precisa e mesmo transcriativa, diriam os filhos do concretismo, da poesia do mais peruano dos “franceses”. Nenhuma grande editora patropi, como Companhia das Letras, Cosacnaify e Record, ousou traduzir uma poesia que possivelmente tem uma fortuna crítica maior na Europa do que na América Latina. A Iluminuras, que publicou excelente coletânea de Vicente Huidobro e também um belo livro de Oliverio Girondo, também “esqueceu” Vallejo².

Manuel Bandeira escreveu um livro sobre a literatura latino-americana, cita Vallejo, mas en passant. Informações úteis sobre o poeta, sobre o seu lugar — ou não-lugar — na literatura latino-americana, e talvez na literatura europeia, podem ser encontradas em “O Jogo Mágico” (José Olympio Editora, 197 páginas) e “História da Literatura Hispano-Americana” (Editora UFRJ/Francisco Alves Editora, 420 páginas), ambos da extraordinária Bella Jozef.

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Notas

¹ O texto é republicado sem nenhum corte (exceto no título, que ficou mais enxuto). Portanto, o artigo deve ser procurado no site do “El País”, e não no Jornal Opção (onde não está mais).

² A Editora 34 publicou, em 2021, o livro “Poemas Humanos” (328 páginas), com tradução de Fabricio Corsaletti e Gustavo Pacheco. A edição é muito bem apresentada pelo segundo e as traduções são de alta qualidade. Tenho as obras completas, com ampla fortuna crítica. É possível encontrar edições no Estante Virtual.